Determinada pela Constituição, ela objetiva dar visibilidade às ações de Estado e de agentes públicos
Ações sucessivas nos últimos 17 meses indicam um esforço do governo Jair Bolsonaro para desidratar a Lei de Acesso à Informação (nº 12.527). Ela foi determinada pela Constituição, promulgada 23 anos antes, para garantir plena visibilidade às decisões de Estado e aos atos dos agentes públicos, incluindo a sua remuneração.
Em janeiro de 2019 o governo editou decreto autorizando servidores comissionados a classificar documentos com níveis de sigilo ultrassecreto e secreto. O decreto acabou revogado pelo Congresso.
Na sequência, em abril, o governo se recusou a divulgar os estudos que fundamentavam a reforma da Previdência. Houve reação do Legislativo, e acabaram liberados.
Em setembro do ano passado, a Secretaria-Geral da Presidência se recusou a autorizar a liberação de documentos usados para embasar a decisão de Bolsonaro no episódio da sanção da Lei de Abuso de Autoridade. Usou um argumento esdrúxulo, a relação de sigilo entre o “cliente”, no caso o governo, e seu consultor jurídico, a Advocacia-Geral da União.
A lei prevê recurso à Controladoria-Geral da União. Em dezembro, ou seja, mais de três meses após a requisição das informações, a Controladoria determinou à Presidência a entrega de todos os documentos, pois, nos termos da lei, a alegação da Secretaria-Geral não se aplicava. Fixou prazo de 60 dias.
Os atropelos à legislação prosseguiram no Palácio do Planalto e, nove meses depois da solicitação dos papéis, o governo estabeleceu um novo entendimento: documentos produzidos no setor público só são públicos se o advogado público concordar com sua liberação ao público.
Em março último, o presidente assinou Medida Provisória suspendendo a tramitação das requisições de informação devido à escassez de pessoal na pandemia. O Supremo Tribunal Federal suspendeu a MP.
Dessa forma, praticamente se anula uma lei determinada pela Constituição, aprovada pelo Congresso e respaldada pelo Supremo em inúmeras sentenças, inclusive na recente decisão do ministro Celso de Mello sobre a divulgação da tragicômica reunião ministerial de abril. Ele reiterou: “Os estatutos do poder, em uma República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério.”
A essa mesma legislação se referiu na quarta-feira o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União, ao examinar o balanço financeiro do governo em 2019. Anotou não somente o déficit de transparência nas despesas com divulgações oficiais como, também, identificou “risco de que os recursos públicos possam estar sendo utilizados para manipular as demais informações que circulam pela sociedade”.
O governo precisa cumprir a Constituição. Até porque, como tem repetido a ministra Cármen Lúcia em julgamentos do STF, “não se pretende mais aceitar, como legítima, a democracia da ignorância”.
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