Cantor, compositor e cineasta, autor de 'Zelão' e do filme 'Esse mundo é meu', ganhou fama, a contragosto, por ter quebrado violão em festival
- O Globo
RIO — Morreu na manhã desta quinta-feira, aos 88 anos, no Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, o músico, compositor escritor, pintor e cineasta João Lutfi, que passou à história com o nome artístico de Sérgio Ricardo. De acordo com seus filhos, o artista foi vítima de insuficiência cardíaca. Ele estava internado no Samaritano há quatro meses.
"Sérgio se submeteu a algumas internações desde agosto do ano passado quando fraturou o fêmur. Chegou a pegar Covid no início de abril, mas se recuperou bem. No entanto, continuou internado por conta da insuficiência cardíaca", explicam os filhos Adriana, Marina e João Gurgel.
O velório será aberto e está marcado para começar às 14h de sexta-feira, no Cemitério da Cacuia, na Ilha do Governador. Para evitar aglomeração, serão permitidas 10 pessoas por vez na sala do velório. O sepultamento será feito às 16h30 no jazigo da família.
Um dos integrantes de primeira hora da bossa nova, autor de canções como "Zelão", e diretor de expressão do cinema novo (com o longa "Esse mundo é meu", de 1963), Sérgio ganhou fama, a contragosto, em 1967, por ter quebrado um violão no III Festival da Música Brasileira, quando foi vaiado ao apresentar a canção "Beto bom de bola".
Descendente de libaneses, Sérgio Ricardo nasceu em 1932 em Marília, no estado de São Paulo. Em 1940, entrou para o Conservatório da cidade, onde estudou piano e teoria musical, e, seis anos depois, mudou-se com a família para a capital. Em 1949, ele foi para Santos, onde trabalhou com rádio e como pianista de boate.
O nome Sérgio Ricardo, ele ganhou em meados da década de 1950, em São Paulo, quando foi contratado como ator pela TV Tupi. Sua carreira de compositor começou logo depois, quando a cantora Maysa gravou sua canção "Buquê de Isabel". Apresentado ao pessoal da bossa nova por Miele, Sérgio participou, em 1958, de espetáculos com o grupo e, dois anos depois, gravou o LP "A bossa romântica de Sérgio Ricardo".
"O Miele me pegou na televisão e me levou para a casa da Nara (Leão) porque o pessoal queria as minhas músicas. Ali, nasceu o meu trabalho na bossa, mas eu não fiquei muito tempo, não, porque a questão política me chamou, e eu passei para a música de protesto. E dali eu não saí mais", disse o compositor ao GLOBO em 2017. Naquela época, ela lançaria sua mais famosa canção engajada, "Zelão".
Em 1962, ele ainda participou do show da bossa nova no Carnegie Hall, em Nova York, mas no ano seguinte já estaria fazendo a trilha sonora de "Deus e o diabo na terra do sol", filme clássico do cinema novo, com fortes tons políticos, do diretor baiano Glauber Rocha.
Depois de estrear em 1961, como diretor, com o premiado curta-metragem "O menino da calça branca", Sérgio Ricardo estreitou seus laços com o cinema novo, de filmes realistas com temática social, e lançou em 63 o seu primeiro longa, "Esse mundo é meu", que acompanha a vida de dois moradores de favela.
Com direção de fotografia do seu próprio irmão, Dib Lutfi (que se tornaria um dos mais celebrados profissionais do cinema brasileiro), o filme estrelado por Antonio Pitanga, Ziraldo e Agildo Ribeiro deu a partida numa carreira de diretor que ainda incluiria longas como "A noite do espantalho" (1973, cujo protagonista foi vivido pelo cantor Alceu Valença) e "Bandeira de retalhos" (2018, que Sérgio filmou no morro do Vidigal, Rio, onde morava).
Nos últimos anos, o músico e cineasta vinha se dedicando à pintura (chegou a vender algumas telas para complementar o orçamento) e ao espetáculo "Cinema na música", em que cantava as suas composições feitas para filmes, acompanhado pelos filhos Marina e Adriana Lutfi (vozes) e João Gurgel (voz e violão). O show virou CD e DVD ao vivo, com participações especiais de Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Dori Caymmi e João Bosco.
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