sexta-feira, 24 de julho de 2020

Dora Kramer - Lei da atração

- Revista Veja

O caminho da oposição para 2022 passa pela conquista de isentos e arrependidos de 2018

Completamos neste ano duas décadas de governos populistas desde a recuperação do direito ao voto para presidente. O cotejo de perdas e ganhos entre esses vinte anos e os oito de mandato de Fernando Henrique Cardoso poderia medir a vantagem de o Brasil retomar o ponto tido como fora da curva. Não tratemos de partidos, mas de desempenho.

Naquele período liquidou-se a inflação, instituíram-se ferramentas avançadas na educação, abriu-se ao cidadão o acesso à comunicação na antessala da internet, deram-se passos importantes na saúde com a introdução dos medicamentos genéricos, o combate à aids, ao tabagismo e, sobretudo, não se viveu sob a égide do conflito permanente.

Ninguém dava nada pela eleição de FH. Intelectual de maneiras brandas, fugia ao estilo do político tradicional e justamente pela falta de traquejo nas lides do popularesco a candidatura foi recebida com descrença, mesmo sendo ele o artífice do Plano Real, iniciado em fevereiro do ano eleitoral de 1994. Menos de oito meses depois seria eleito em primeiro turno.

Na ausência dos recursos da performance tresloucada e/ou do ativismo radical, o ativo da época foi a ligação direta entre a oferta da candidatura e a demanda da população. Os resultados do plano na derrubada da inflação atraíram e convenceram o eleitorado a deixar de lado promessas ilusionistas de mudar “tudo isso que está aí” e se concentrar na resolução da, na época, chaga principal. Com o que, candidato e eleitor passaram a falar na mesma língua, a atuar em sintonia.

Soa utópico falar na possibilidade de retornar a esse tipo de ambiente a fim de se construírem uma ou mais alternativas para a disputa presidencial de 2022. Porém não custa pensar a respeito. Afundaram-se em seus equívocos e malfeitorias PT e PSDB e, com isso, foi-se a dicotomia vigente por longo tempo.

Já é tempo de o Brasil perceber também que não é refém de tipos como Jair Bolsonaro para se defender da ameaça da volta do PT. Os malefícios produzidos por um e por outro foram suficientes para que as forças políticas busquem maneiras mais razoáveis de atrair o eleitorado.

A unidade dos opositores é celebrada como o grande pré-requisito. É uma condição, mas não a solução de todo o problema, que depende primordialmente da definição dos pontos em torno dos quais se deve dar essa união. Perdem-se tempo e energia, por exemplo, apenas pisando e repisando sobre o que o governo faz de ruim.

Carecas estamos de saber que Bolsonaro não entrega o que prometeu na economia nem no combate à corrupção; que desarticulou a área da cultura, paralisou a educação, retrocedeu no meio ambiente, comporta-se da pior maneira na crise sanitária e deu o dito pelo não dito na reformulação da política. Isso não apenas devido à aliança com o Centrão, mas também no abandono da reforma dos meios e modos políticos com a anuência, diga-se, de suas excelências que não dão a menor bola para as 52 propostas existentes na Câmara e sessenta projetos no Senado relativos ao tema.

Concentrar a oposição só na repetição do já conhecido, além de não criar caminhos opcionais, ajuda a normalizar atitudes que eram vistas como anormais. As pessoas se acostumam e passam a não se escandalizar, levando o contingente de decepcionados e arrependidos a se acomodar no terreno da “falta de alternativa”.

A denúncia é importante, mas sozinha não funciona para fins de conquista. Fala-se muito hoje em empatia, mas não se veem os opositores de Jair Bolsonaro praticando o que pregam. No lugar de atrair, afastam os que votaram no presidente, mas não o fariam de novo, afugentam os que ainda pensam no caso e aqueles que não se animaram a ir às urnas ou optaram por anular ou deixar o voto em branco.

Essa turma é chamada de tudo, menos de bonitinha. Não raro costuma-se dirigir a ela um “bem feito” pelo fato de seu escolhido não ter sido Fernando Haddad. Sugestão: que tal substituir o ressentimento e o menosprezo pelo diálogo com esse pessoal? E olha que não é pouca gente: cerca de 30% do eleitorado, 42 milhões de votos em números redondos.

Muita coisa para os pretendentes a candidatos em 2022 deixarem ao sabor do que der e vier. Dá trabalho ir atrás e encontrar um jeito de cativar esse povo todo? Requer enorme esforço. É preciso achar a conversa certa, entender a necessidade de ouvir e, se for o caso, ceder para perceber que as demandas e crenças da maioria nem sempre combinam com os desejos e convicções de quem se dispõe a governar para todos.

Publicado em VEJA de 29 de julho de 2020, edição nº 2697

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