sexta-feira, 24 de julho de 2020

Claudia Safatle - O penoso retorno ao equilíbrio fiscal

- Valor Econômico

Ipea vê chances de um “cenário transformador”

A questão central que se coloca hoje é como será o retorno do país à política de austeridade fiscal no pós pandemia. Para este ano as perspectivas são de uma dívida bruta próxima à 100% do PIB e um déficit primário da ordem de 13% do PIB a 14% do PIB nas contas do setor público. A contração do nível de atividade é estimada em 6% neste ano, que seria seguida de um crescimento de 3,6% em 2021, segundo cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que constam do trabalho “Brasil pós covid-19”.

Ainda que a elevação do gasto público no combate à covid-19 seja temporária, há uma parcela da despesa que será permanente, a partir da adoção, por exemplo, do programa de renda mínima. A perda de receita também tem uma parte transitória, decorrente do adiamento do pagamento de impostos e da queda abrupta da atividade econômica.

O duplo choque, de oferta e de demanda, causado pela crise tem, porém, efeitos permanentes, pois mesmo com a retomada do crescimento e o aumento esperado de 3,6% do PIB em 2021, a atividade ainda estará abaixo do que estaria caso não houvesse a pandemia.

O crescimento projetado para o segundo semestre deste ano somado à alta de 2021, será capaz de recompor parte da perda absoluta de PIB, que ainda ficará 2,6% abaixo do nível de 2019, conforme prevê o Ipea. Do lado fiscal o resultado é a permanência de déficits primários, persistentes há oito anos, até o fim da década de 2020.

Aumentou substancialmente o risco da política fiscal (que, no limite extremo pode chegar a um calote da dívida) e um efeito direto disso já vem sendo sentido na elevação da estrutura a termo da taxa de juros, que gera pressão de alta do custo da dívida, “contrapondo-se ao efeito baixista da redução da taxa Selic”, segundo o estudo.

O trabalho do Ipea, divulgado nesta semana, avança na proposição de medidas para a retomada do crescimento no pós covid-19 e lança o desafio de se viabilizar o que ele chama de “cenário transformador”, em comparação com o cenário de referência.

Conter a deterioração fiscal é pré-condição para a retomada da economia. “É preciso manter a sinalização clara do compromisso com o equilíbrio fiscal”, indica o documento.

Passada a pandemia - e a necessidade de medidas emergenciais com impacto no deficit e na dívida pública - as reformas ganharão ainda mais importância São elas: o novo pacto federativo, que cria instrumentos para melhorar a gestão fiscal nos três níveis de governo; a proposta de emenda constitucional que extingue com pouco mais de 200 fundos de financiamento; e uma reforma administrativa que estimule o aumento de produtividade dos servidores e ajude a conter os gastos com pessoal - segundo maior item de despesa do governo federal, depois da Previdência, e principal despesa dos governos estaduais e municipais.

Isso, associado a uma abertura da economia ao comércio externo e a uma maior flexibilização do mercado de trabalho produziria a aceleração do crescimento, levando a economia ao “cenário transformador”.

Dada a fragilidade das condições fiscais que impede um aumento relevante do investimento público, sob o risco de insolvência, a solução mais adequada é a atração de investimentos privados nacionais e estrangeiros, especialmente em infraestrutura. Isso requer um ambiente macroeconômico equilibrado, um sistema tributário menos oneroso, e um ambiente regulatório que, nas atuais condições, exige uma taxa de retorno maior para compensar o alto nível de risco.
É possível crescer mais a partir de 2021? A pergunta que o Ipea se colocou tem possibilidade afirmativa.

“Não há caminho fácil para se atingir esse objetivo”, responde. Os problemas fiscais restringem a utilização de gastos públicos para estimular a retomada da economia. A política monetária pode contribuir positivamente, atenuando a queda do PIB e gerando estímulos para a retomada cíclica, mas tem limitações. Medidas na direção de se reduzir o risco fiscal e melhorar o ambiente de negócios são a forma mais eficiente de estimular os investimentos privados e gerar emprego e renda no médio prazo.

O senso de urgência dado a aprovação das medidas de combate a pandemia também deveria guiar os esforços do Executivo e do Legislativo para a retomada da agenda de reformas econômicas, recomenda o estudo.

A tendência de desconcentração da produção industrial hoje centralizada na Ásia, o que expõe os demais países a riscos de abastecimento, como chegou a se temer durante a pandemia, pode dar ao Brasil algumas oportunidades, cita o texto.

A produtividade brasileira ainda é muito baixa - com crescimento médio pouco acima de zero nos últimos 40 anos - mas há espaço para ganhos nessa área por meio de reformas estruturais. Aliadas à expansão do mercado de crédito e à melhoria do ambiente de negócios, essas reformas permitiriam acelerar o crescimento da produtividade, estimulando os investimentos.

O crescimento, porém, só será robusto se houver uma boa alocação dos recursos investidos, com o foco nos ganhos de produtividade, que é a principal fonte de crescimento.

Há espaço para um aumento relevante nos investimentos em infraestrutura, que estão muito baixos e são insuficientes para repor a depreciação da estrutura de transportes e de fornecimento de energia que o país dispõe.

Essas medidas não têm custo fiscal, e dependem apenas de aprovação de novas leis no Congresso. Se, paralelamente às reformas de contenção do gasto público for executado um conjunto de reformas microeconômicas pró-investimentos e uma reforma tributária que ajude a melhorar a eficiência da economia, é possível projetar um “cenário transformador”, com crescimento bem mais elevado do que no cenário de referência.

Três exemplos de medidas microeconômicas são: 1) criação de uma boa carteira de investimentos de longo prazo; 2) aprovação dos marcos regulatórios do setor elétrico e das novas concessões; e 3) regulamentação do marco regulatório de telecomunicações aprovado em 2019.

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