sexta-feira, 31 de julho de 2020

Os pesados estragos econômicos da covid-19 – Editorial | Valor Econômico

O problema é que o coronavírus não terminou ainda a sua obra

A destruição já causada pelo coronavírus na produção dos países pode agora ser melhor avaliada pelos dados do desempenho das maiores economias do mundo, que começam a ser divulgados. Em alguns casos, como o dos Estados Unidos, com redução anualizada de 32,9%, o tombo foi menor do que se previa, mas não muito (-34,1%). No caso da Alemanha, a quarta maior economia mundial, foi mais forte do que o projetado - 10,1% em relação ao primeiro trimestre - e não por pouco, com as expectativas na faixa entre 7% a 8%. As quedas abissais foram as mais fortes da história para a maioria dos países, mas é um retrato do passado. O problema é que o coronavírus não terminou ainda a sua obra e tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, a recuperação começa a dar sinais de perda de fôlego - apesar de estímulos monetários nunca antes vistos.

A principal economia, a americana, já levara um tombo de 5% no primeiro trimestre, e esses dados corroboram o desastre previsto para 2020 pelo Fundo Monetário Internacional, de retração de 8% do PIB.

Os indicadores recentes alertaram o Federal Reserve, que manteve intactos, ou prorrogou por precaução, suas linhas de apoio, diante de um cenário instável e que pode piorar de novo no curto prazo. A reviravolta na recuperação, que parecia ser acelerada, foi provocada pelo avanço da pandemia nos Estados do Sul e Oeste americano - há apenas 5 dos 50 Estados onde o contágio não está crescendo. Ontem o país atingiu a marca de 70 mil novos casos diários.

Os indicadores de confiança, de produção e serviços da Alemanha mais recentes davam alguma margem ao otimismo em uma nação que teve paralisia relativamente curta para enfrentar resolutamente a covid-19, e danos humanos pequenos comparados a outros países. A queda no segundo trimestre, porém, foi muito forte - 11,7% em relação a igual trimestre de 2019 - o que indica que a recuperação terá de ser bem mais vigorosa porque a base da qual partiu é mais baixa.

Brecaram o motor da economia europeia os estragos do coronavírus no mundo e nos vizinhos, arruinando grande parte da grande força exportadora alemã para a Europa e para a China. Seus mercados europeus não vão bem, ou estão em situação muito pior. A zona do euro deve ter encolhido 13% no segundo trimestre e só voltará ao nível pré-pandemia em 2023, estima o Banco Central Europeu. Ainda no trimestre que marcou o auge da pandemia, França e Itália deverão ter queda de 15% no PIB.

A China, segunda maior economia do mundo, onde o vírus surgiu e onde o combate a ele foi decidido rapidamente em uma primeira etapa, é o único país relevante do mundo a crescer em 2020, segundo o FMI. O recuo do PIB foi intenso, de 6,8% no primeiro trimestre, mas avanço de 3,2% no segundo. Pelo cálculo de especialistas, o crescimento potencial do país é de 6% no segundo semestre, o que resultaria em um PIB de 2,5% no ano (Valor, 29 de julho). O FMI prevê apenas 1%, o que ainda assim é um desfecho triunfal comparado ao comportamento das demais economias diante do vírus.

A China precisa de uma taxa de expansão maior do que 2,5% para suprir a necessidade de trabalho de sua população e o governo vive um dilema que é velho - gastar mais em infraestrutura ou segurar uma bolha de endividamento e crédito que nunca estourou. Na dúvida, Pequim deve fazer as duas coisas. O déficit público projetado é de 12,1% do PIB (FMI), o dobro dos 6,3% de 2019. E, para compensar um consumo em queda e relutante, os investimentos, cuja proporção é de 55% do PIB e estão em queda, terão de ser novamente reativados.

O Japão, a terceira maior economia do mundo, cresce muito pouco e tampouco mergulhará muito fundo na recessão. O Banco do Japão faz há anos experimentos radicais de estímulos monetários de todos os tipos, com efeitos frustrantes até agora. O crescimento não decolou, o PIB deve cair 6% este ano e o BC não consegue produzir uma inflação de 2% - por sinal, nem o BCE, nem o Fed, que chegaram, porém, mais perto disso.

O Brasil não está em último na fila da recessão. O México o supera - no segundo trimestre, seu PIB caiu 17,3% ante o trimestre anterior, na quinta redução consecutiva. Mas os custos do coronavírus vão além dos estragos na produção. Para apoiar a economia, o Brasil registrou déficit primário de R$ 417,2 bilhões no primeiro semestre (-6,71% do PIB) e de R$ 787,4 bilhões em doze meses (11% do PIB). Está a caminho de ter o segundo pior déficit dentre os países relevantes, de 16% (nominal, FMI), atrás apenas dos EUA (23,8% do PIB).

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