sexta-feira, 31 de julho de 2020

Centro-esquerda vai para as urnas dividida

Ruptura de Ciro com Lula e fim das coligações aumentaram dificuldades de alianças nas capitais

Por Malu Delgado | Valor Econômico

SÃO PAULO - A centro-esquerda vai dividida para as eleições nas capitais, em novembro, com alianças pontuais e divisões que têm como pano de fundo a relação difícil entre Ciro Gomes (PDT) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Aproximações, se houver, ficarão para o 2º turno. A proibição de coligações proporcionais também fez com que os partidos preferissem o lançamento de candidaturas próprias, para fortalecer a legenda e a eleição de vereadores.

Em declaração recente, o governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), alertou que, sem acordos, a esquerda poderá ser derrotada em todas as capitais.

Esquerda tenta pactos para segundo turno
Partidos de centro-esquerda optam por lançar candidaturas próprias na maior parte de capitais, deixando possíveis alianças para segundo turno

O campo da centro-esquerda vai disputar as eleições municipais de novembro fragmentado em todas as capitais do país, com alianças pontuais e divisões internas que têm como pano de fundo o difícil diálogo entre o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). As aproximações do bloco, se ocorrerem, ficarão para disputas no segundo turno.

A proibição de coligações proporcionais também fez com que partidos optassem pelo lançamento de candidaturas próprias, com intuito de fortalecer a imagem da legenda e aumentar as chances de eleição de vereadores.

Levantamento feito pelo Valor, das candidaturas já definidas até o momento, aponta que a ruptura de Ciro com o PT aproximou bastante o PDT do PSB. O quadro de candidaturas pode mudar, pois haverá convenções de 31 de agosto a 16 de setembro, para oficializar os nomes. O prazo final para registro de candidaturas é 26 de setembro.

Uma afirmação recente do governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), deixou a esquerda incomodada. Dino disse que os partidos de esquerda poderão perder em todas as capitais. “Foi um alerta que fiz. Precisamos ter pactos, pelo menos para um eventual segundo turno. Costurar pactos de não agressão, apoios”, disse o governador ao Valor. Ele admite que a agenda do coronavírus “embaraça” todas as outras, e que o diálogo político, sob a pandemia, tornou-se mais complexo. “Mas temos convenções até setembro”, acrescenta, com a esperança de que algumas tratativas possam evoluir.

Um dos exemplos mais emblemáticos da divisão das esquerdas é o de Recife, em que o PSB vai lançar a candidatura do deputado federal João Campos, filho de Eduardo Campos, e enfrentará os colegas parlamentares Marília Arraes (PT) e Túlio Gadelha (PDT). O PCdoB optou pelo apoio a Campos.

O PT terá candidaturas em quase todas as capitais, mesmo com nomes sem expressão e viabilidade. São poucas as exceções, como em Belém, em que Edmilson Rodrigues, do Psol, conta com o endosso do PT, PCdoB e PDT. Outro gesto raro foi em Porto Alegre, em que o partido fechou a aliança com Manuela D’Ávila (PCdoB).

O purismo petista, de evitar a proximidade com qualquer legenda de centro, não é observado pelo resto do grupo. O PDT vai apoiar o DEM em Salvador, o PSD em Belo Horizonte e Curitiba, e o PSDB em Teresina. Até o PCdoB cogita uma aliança com o MDB em Goiânia.

PSB e PDT se juntaram em São Paulo, Rio, Porto Alegre e Fortaleza, onde poderão ter disputa por votos com o PT. Em São Paulo, o ex-governador Márcio França (PSB) conta com apoio dos pedetistas. Por reciprocidade, o PSB apoiará a deputada estadual Marta Rocha (PDT) no Rio.

Aliado tradicional do PT, o PCdoB optou por lançar candidaturas próprias em pelo menos 14 capitais, podendo chegar a 18. O objetivo é driblar o desafio futuro da cláusula de barreira. O PCdoB estará junto do Psol, PDT ou PSB em alguns grandes centros, deixando de ter o PT como parceiro prioritário.

Com candidaturas já definidas em 22 capitais, o PT quer direcionar todas as suas campanhas para a polarização com Jair Bolsonaro, afirma o coordenador nacional do Grupo de Trabalho Eleitoral (GTE), deputado José Guimarães (CE). O partido, diz, definiu três eixos para o pleito: fará peças nacionalizadas em todas as capitais, vai explorar o legado petista, sobretudo do governo Lula, e apresentará políticas públicas e programas factíveis para as cidades. O PT vai lançar cerca de 1,6 mil candidaturas a prefeito em todo o país e aproximadamente 25 mil candidatos a vereador.

São Paulo, Rio e Belo Horizonte são prioridades, enfatiza Guimarães, pelo fato de serem “os centros políticos, motores do Brasil”. Jilmar Tatto (SP), Benedita da Silva (RJ) e Nilmário Miranda (MG), acrescenta, são nomes com história no PT e símbolos fortes. Sobre a candidatura de Tatto, com pouca visibilidade, Guimarães argumenta que ele é um político com experiência. “Com toda certeza crescerá. A base do PT em São Paulo é muito forte. Temos um plantel de candidatos que pode surpreender. A ideia é ir pra cima. Independente de ganhar, ter bom resultado.”

Com 17 pré-candidaturas que devem ser mantidas, o PSB não enxerga no fim das coligações proporcionais razão para distanciar as esquerdas. “Isso não impede que ninguém faça aliança. Veja o exemplo de Recife, onde temos mais da metade do tempo de televisão”, afirmou o presidente nacional do partido, Carlos Siqueira. A política, assim como a vida, sustenta o dirigente, exige reciprocidade. Siqueira admite que o diálogo com o PDT, Rede e PV flui bem melhor do que com o PT. Mas reitera que teve muitas conversas com a direção nacional do PT.

No dia 3 de agosto, PSB e PT reúnem-se para tratativas finais. “Temos apoio deles em São Luís. Querem o nosso em Aracaju e Salvador. Dependerá da abertura. Recife tem peso muito forte para o PSB”, avisa Siqueira. “Nunca tive uma conversa com Lula. Nunca fui visitá-lo. Acho que ele se coloca de maneira equivocada, de preservar esse exclusivismo do PT. Tenho respeito por ele, mas a minha conversa é com a direção do PT.”

Eleição municipal, sustenta o presidente do PDT, Carlos Lupi, tem “lógica diferenciada” da disputa nacional, embora o PT discorde, pela estratégia traçada. Lupi, que já foi ministro de Lula, diz que o eleitor quer saber de coisas imediatas da cidadania. “A pandemia até pode fazer com que debate seja centrado na saúde, quem foi melhor, quem se saiu mal. Mas pouquíssimas cidades terão a temática nacional influenciando com mais força.”

O PDT, diz Lupi, não discrimina ninguém. “Do Psol ao DEM, depende da realidade.” Sobre o PT, diz que a sigla “não tem grandes nomes”, o que explicaria as raras alianças. Lupi diz discordar da projeção de Dino. “A direita também está dividida.”

“A eleição será difícil pra todo mundo. Facilita para quem tem mandato. Direita e extrema direita também estão fragmentadas”, opina Valter Sorrentino, vice-presidente do PCdoB. Correligionário de Dino, ele concorda que há risco de o papel da esquerda ser reduzido. “São eleições muito singulares. O país está à deriva, sem lideranças capazes de botar ordem no mundo político. No segundo turno precisamos convergir para derrotarmos candidatos de Bolsonaro.”

O Psol tem a expectativa de bom desempenho e vitória em três capitais: Belém, Manaus e Florianópolis. “Ainda acalentamos a possibilidade de apoio em São Paulo”, diz Juliano Medeiros, presidente da sigla. Ainda que considere o prognóstico de Dino excessivamente pessimista, ele admite que o diálogo das esquerdas “não está sendo fácil”. Mas vê o grupo “de volta ao páreo” pela firmeza na pandemia de covid-19, contra Bolsonaro. “O mais provável é que a unidade ocorra no segundo turno.”

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