Paulo Guedes pode ter convicção liberal, mas isso ainda não se traduziu em políticas de governo
Não cabe aqui especular sobre a força da convicção liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes. Fato é que, até o momento, seu liberalismo parece circunscrito ao campo teórico. A política econômica do governo ainda está bem distante do prometido pacote de medidas que transformariam o Brasil em uma “liberal democracia”, como o ministro se comprometera a fazer em seu discurso de posse. “Nós vamos na direção da liberal democracia, nós vamos abrir a economia, nós vamos simplificar impostos, nós vamos privatizar, nós vamos descentralizar recursos para os Estados e municípios”, disse Guedes em 2 de janeiro de 2019.
Naquela ocasião, o ministro da Economia dividiu o trabalho que teria pela frente em três pilares: a reforma da Previdência, a reforma tributária e o programa de privatizações. Destes, como é sabido, apenas a reforma do sistema previdenciário foi concluída, mas não pelo empenho do governo, e sim pelo engajamento do Congresso em uma pauta absolutamente essencial e que desde o governo do presidente Michel Temer já vinha sendo amadurecida na sociedade. A bem da verdade, a participação tíbia do Poder Executivo no processo, particularmente a do presidente Jair Bolsonaro, atrasou o andamento dos trabalhos legislativos. Além disso, quando decidiu agir, Bolsonaro o fez para desidratar o esforço econômico da reforma, fosse tentando reduzir a idade mínima para aposentadoria, fosse defendendo concessões a certas categorias profissionais de seu agrado.
Há poucos dias, o ministro Paulo Guedes, enfim, enviou ao Congresso a primeira parte de sua reforma tributária. A proposta foi tímida, para dizer o mínimo. Para quem propalou a unificação de “sete, oito impostos”, apresentar, depois de tanto tempo, uma proposta que unifica apenas PIS e Cofins soou apenas como o meio encontrado pelo governo para não ser atropelado em um debate que já avança no Poder Legislativo sobre o tema. Já há ao menos duas propostas de reforma tributária em discussões avançadas, uma em tramitação na Câmara dos Deputados, a outra no Senado.
As privatizações que renderiam ao Tesouro “1 trilhão de reais”, segundo Paulo Guedes, tampouco avançaram no governo Bolsonaro. Nenhuma estatal sob controle direto da União foi privatizada ou liquidada. Na verdade, o governo criou mais uma, a NAV Brasil, responsável por assumir atribuições relacionadas à navegação aérea que estão a cargo da Infraero. Até a famigerada Empresa de Planejamento e Logística (EPL), a chamada “estatal do trem-bala”, criada em 2012 pela ex-presidente Dilma Rousseff, não só continua por aí sem que nada tenha saído do papel, como teve sua manutenção garantida pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. Fala-se ainda na ampliação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), outro estorvo da era petista que Jair Bolsonaro prometeu privatizar.
Essa fantasia liberal é apenas uma das facetas de um governo composto, em sua maioria, por pessoas que jamais se prepararam para governar o País. Com uma dose de boa vontade, pode-se dizer que, no máximo, se prepararam para vencer uma eleição. É coisa bem distinta.
A vitoriosa campanha eleitoral de Jair Bolsonaro foi toda construída em torno de uma mixórdia de ideias sem qualquer coerência ou substância. Pretendia-se que aquilo fosse um plano, por assim dizer, que abarcava uma guinada liberal na economia, o resgate do conservadorismo nos costumes – como se fosse possível cindir o liberalismo em sua essência –, o combate à corrupção e o fim do que se convencionou chamar de “velha política”. Cidadãos que não se prestam a brigar com os fatos hão de ver que nada disso ocorreu. E não ocorreu porque o próprio governo não se mostra unido na defesa de projetos e ideias que traduzam sua identidade, se é que ele a tem. São liberais versus desenvolvimentistas, “ideológicos” versus pragmáticos.
Nessa confusão toda, só duas coisas são certas: o fervor de Bolsonaro para defender seus interesses e os de sua família e o atraso do Brasil.
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