- Folha de S. Paulo
Discussão política e intelectual se inspira na mudança socioeconômica de Roosevelt
Franklin Roosevelt (1882-1945) está na moda entre as elites civilizadas do mundo rico ocidental. É assunto de editoriais, no debate parlamentar, nas eleições, no comando da União Europeia, nos governos europeus mais avançados e até de demagogos autoritários como Boris Johnson, o primeiro-ministro britânico.
Desde que a esquerda do Partido Democrata americano em parte ressuscitou, nas eleições de 2018, a ideia do “Green New Deal”, já antiga de uma década, se tornara mais pop. Como se sabe, trata-se de um plano de reformas e investimentos públicos com o objetivo de conter o desastre ambiental, reorganizar consumo e produção e reduzir a desigualdade econômica. O nome do projeto refere-se ao “New Deal”, o novo pacto social, econômico e político proposto e implementado por Roosevelt nos anos em que presidiu e refundou os Estados Unidos, de 1933, em meio ao horror social da Grande Depressão, até sua morte.
O grande presidente americano agora se torna uma inspiração ou um slogan não apenas para ambientalistas, mas para muita gente graúda que discute como reconstruir economia e sociedade depois da catástrofe do vírus.
Roosevelt criou o sistema de seguridade social e o salário mínimo, legalizou o direito de organização trabalhista, fundou a regulamentação financeira meritória que durou até os anos 1990, ajudou a difundir a ideia de que obras públicas podem atenuar recessões horrendas e inventou o moderno mercado imobiliário americano. São apenas algumas das providências de seu “experimentalismo pragmático”, como foram chamadas pelos economistas Stephen Cohen e Bradford DeLong em um livrinho-panfleto muito simpático sobre a história econômica americano (“Concrete Economics: The Hamilton Approach to Economic Growth and Policy”, de 2016).
Talvez tudo não passe de pensamento desejante, quem saberá dizer. Há indícios de que pode não ser assim. Opiniões relevantes no mundo intelectual seco e sombrio da economia e promessas e atos de lideranças políticas europeias indicam que está vencida a ideia de cortar gastos e voltar ao “business as usual” nas políticas públicas.
É uma atitude muito diferente daquela que se viu no mundo pós-colapso da Grande Recessão de 2008. Talhar despesa pública e elevar taxas de juros muito cedo podem retardar a retomada econômica, lê-se em um editorial do britânico “Financial Times” que, embora ressabiado com a moda rooseveltiana, sugere que os políticos aprovem e implementem um “novo contrato social”.
A coisa vai além das opiniões de um porta-voz da finança mais ilustrada. Pelo menos desde as eleições para o Parlamento Europeu, em 2019, os verdes ganham posições importantes, como acaba de acontecer outra vez na eleição municipal francesa.
No caso dos Estados Unidos, Joe Biden talvez jamais venha a ser um exemplo de audácia ou de presidente transformador, mas é plausível que mesmo sua figura pouco inspiradora derrote Donald Trump. Pode ser uma transição diferente, pois o sucesso relativo de Bernie Sanders, os novos democratas de 2018 e os protestos contra o racismo e a violência policial levaram o partido um tico mais para a esquerda.
O Brasil é um país distante, pobre, ignorante, bárbaro, atolado na pior crise da República e afogado em dívida. Nossas opções são mais restritas. Mas mudanças econômicas e intelectuais no mundo rico terão algum efeito prático inevitável por aqui. Também por outros motivos, não poderemos seguir no caminho de mais do mesmo. Teremos de inventar o nosso novo pacto.
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