quarta-feira, 8 de julho de 2020

Incertezas complicam todos os cenários para os juros – Editorial | Valor Econômico

Para baixo, a inflação indica que já caiu o que poderia cair

A pandemia tornou ainda mais complexo o quebra-cabeça da política monetária para os bancos centrais. Nos países com economias estáveis, as taxas de juros mergulharam para perto ou abaixo de zero e devem se manter assim até que a ameaça do coronavírus seja afastada. Em países emergentes como o Brasil, a direção dos juros também foi a mesma. O juro real (medido pela inflação e taxa swap um ano à frente) caiu a em -0,8%. No ano, a média da Selic real é de 0,17%, ante, por exemplo, 4,09% de 2017. O Boletim Focus indica que mais de dois terços dos consultados não acreditam que a inflação possa sequer chegar perto da meta de 4%, o que implicitamente reconhece espaço para novas reduções, além da “residual” já anunciada pelo Copom.

A mediana do Focus aponta inflação deste ano em 1,69% e de 3,09% em 2021 em 3, em uma economia que encolherá 6,5% este ano e crescerá 3,5% no ano que vem. Entre um ano e outro, a Selic sairá de 2% para 3%. A diferença com as economias estáveis é relevante. Sob o baque da pandemia, os EUA produzirão no máximo uma inflação em torno de 1% e a zona do euro, menos que isso. Diante da mais forte recessão da história brasileira, a inflação está perto daquela que é a meta dos BCs de países desenvolvidos.

O espaço para o Brasil avançar com a redução dos juros é em tese maior, já que o juro nominal é de 2,25%, caso a inflação permaneça baixa. É possível que isso ocorra, mas o BC, conservador como os outros, reluta em aprofundar o corte de juros, o que intriga parte dos investidores. O cenário base é de 3,2% para a inflação, mas não é a projeção do banco, que considera cenários alternativos para guiar seus passos.

No relatório de inflação, o BC traçou dois desses cenários para averiguar aonde vai o nível de preços diante de um choque de demanda e outro, de oferta. O primeiro considera o Indicador de Incerteza Econômica da FGV que, após o desastre da covid-19, retornaria a seu nível do fim de 2019 em 2021 (base) e a hipótese de que o indicador só voltaria a ele em fim de 2022. O efeito da menor confiança seria um ritmo de recuperação bem mais lento do que o previsto. O IPCA, ao fim de 2021, recuaria apenas 0,2 ponto percentual diante dos 3,2% tomados como base.

O BC simulou um choque de oferta na forma corriqueira da recuperação dos preços do petróleo, que elevaria o índice de preços dos monitorados e a inflação em geral. O cenário base considera variação mínima no preço atual de US$ 40 o barril até 2022. Já no alternativo, ele começa a subir a partir do último trimestre do ano e chega a US$ 60 no fim de 2021 - um pouco abaixo da média do fim de 2019.

Não são cenários triviais, porque, com a pandemia, as cotações do petróleo Brent variaram brutalmente nos últimos três meses. Foram de US$ 51,90 o barril em 2 de março a US$ 19,33 o barril em 21 de abril e vêm se elevando gradualmente a partir daí. Chegou a US$ 43,33 ontem, dia em que a Petrobras aumentou os preços da gasolina em 5%, no oitavo reajuste para cima desde maio.

Se o cenário alternativo se confirmasse, os preços administrados passariam de 3,8% do cenário base (igual ao do Focus neste ponto) no fim de 2021 para 6,4% e o IPCA aumentaria 0,9 ponto percentual, para 4,1%, ultrapassando a meta para o ano, de 3,75%.

O exercício para por aí, mas é possível presumir por ele que o balanço de riscos não é assimétrico. Para baixo, a inflação indica que já caiu o que poderia cair com a pandemia e uma perspectiva de crescimento morno não mudaria substancialmente o índice. Mas para que o IPCA se desloque para cima, basta, por exemplo, que a economia global se recupere como o previsto.

O BC também não parece confortável com o legado da pandemia. Uma quebradeira significativa de empresas destrói capacidade produtiva, e sugere, se ocorrer, que o hiato do produto não é tão grande quanto parece, com a oferta emergindo bem mais avariada que a demanda, que foi amparada pelos auxílios emergenciais.

Tudo isto é muito discutível, ainda mais sob uma pandemia. Os ensaios de reabertura da economia no país não estão resultando em vendas fortes no varejo ou no setor de serviços, o que supõe consumo contido e amedrontado. Parece haver um limite de baixa da inflação que está perto de ser atingido. Mas uma segunda onda pode mudar todos estes cenários. Cauteloso nos juros, o BC agiu para sustentar a economia em queda abissal. Sua propensão, porém, como sugere a ata e o que já fez, é de cortar juro toda vez que se sentir seguro para isso.

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