segunda-feira, 10 de maio de 2021

Alex Ribeiro - BC amplia liberdade para reação nos juros

-Valor Econômico

Único compromisso da entidade monetária será cumprir as metas de inflação

Parte dos analistas econômicos acredita que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central telegrafou que caminha para o ajuste total dos juros, o que significa retirar todos os estímulos na economia ainda neste ano. Outros acham que o BC segue agarrado com a estratégia de ajuste parcial dos juros, ou seja, de manter pelo menos um pouco do combustível monetário para evitar uma inflação muito baixa no ano que vem.

Aparentemente, porém, o Banco Central não tem nenhum plano de voo tão fechado. Talvez o que define melhor o espírito do comitê atualmente é a preocupação em assegurar flexibilidade suficiente para reagir conforme a evolução das circunstâncias, reservando-se a liberdade para cumprir as metas de inflação.

Em março, o Copom começou com força um ciclo de alta de juros, anunciando duas altas de 0,75 ponto percentual na taxa básica, que terão seguimento com uma terceira alta da mesma intensidade em junho. Mas a comunicação de política monetária tinha algumas amarras que, embora não representassem nenhum constrangimento efetivo para uma eventual ação mais incisiva se a coisa caminhasse para o lado mais negativo, foram entendidas por participantes do mercado como um certo apego a cenários mais positivos.

Aparentemente, não é nada disso. O Copom vem fazendo, o tempo todo, uma comunicação condicional sobre o tamanho do ciclo de alta de juros. Tradicionalmente, essa sinalização era feita pelo Banco Central com as suas projeções de inflação. A novidade foi sinalizar também com a comunicação escrita.

Pelo sistema tradicional, quando a projeção de inflação divulgada pelo Banco Central está abaixo da meta no horizonte relevante da política monetária, há espaço para menos juro do que os analistas econômicos projetam no boletim Focus de expectativas; quando a projeção está acima da meta, indica mais juro.

Desde dezembro, o Banco Central passou a divulgar todos os detalhes de seus modelos de projeção, por isso o mercado pode fazer os mesmos cálculos que a autoridade monetária e chegar basicamente à mesma projeção da inflação. Também passou a abrir projeções de inflação com cenários alternativos, pressupondo, por exemplo, uma piora no clima fiscal ou uma economia mais fraca. O BC passou a trabalhar com a inflação esperada, que é a média ponderada da inflação projetada no cenário básico e nos cenários alternativos. Mas o Copom não divulga sua inflação esperada.

Todas as mudanças são bem-vindas, porque ampliam a transparência, mas ficou muito mais complexo ler a mensagem de longo prazo de política monetária apenas com as projeções de inflação. O ideal seria caminhar para o que os paises nórdicos fazem, que é divulgar uma projeção para a trajetória futura dos juros. Mas o Brasil não está maduro para isso - um dos riscos é entender essa indicação como promessa, e o BC ser acionado na Justiça por não fazer o “prometido”.

O caminho escolhido pelo Banco Central tem sido complementar, com palavras, a sua sinalização de política monetária feita nas projeções de inflação. A questão é que uma parcela do mercado financeiro confunde sinalização condicional com uma promessa firme.

O modelo que segue na cabeça de muitos é o do “forward guidance”, que é uma forma de o Banco Central amarrar as suas mãos sobre decisões futuras, comprometendo-se a não reagir mesmo em situações em que exigiria uma ação. O Copom adotou um “forward guidance” em agosto, mas ele acabou em janeiro. Só faz sentido o Banco Central amarrar suas mãos quando não tem mais espaço de política monetária, como ocorreu nesse período, quando se temia que uma queda maior dos juros iria criar riscos financeiros. Hoje, o BC está subindo os juros, e em tese não há limite algum.

No mundo normal, o Banco Central usa a sinalização condicional de política monetária. Nela, o Banco Central indica qual é o caminho mais provável para a taxa de juros, mas não está com as mãos amarradas. Se o cenário mudar, muda também a política monetária.

A partir de março, o Banco Central passou a indicar que antevê um ciclo de ajuste parcial da taxa de juros. Mas não é garantido. Seus dirigentes vem repetindo que não têm nenhum poder superior ao do mercado para antecipar o que, de fato, vai acontecer com a inflação e qual será a resposta dos juros. Se o mercado acha que a inflação vai surpreender, deve precificar isso; se acha que vai ser refluir para a meta depois dessa alta temporária, que fique tranquilo.

Em comunicado da semana passada, o Copom destacou o caráter condicional da sinalização de ajuste parcial da taxa de juros. Mas foi tão redundante que setores do mercado entenderam que já está abandonando o barco da normalização parcial em direção à normalização total. Alguns se apegaram ao fato de que o colegiado disse que “neste momento” entende que o ajuste deve ser parcial. É uma confusão recorrente: sempre que o BC usa essa duas palavras tem gente que acha que já mudou de opinião. Mas um exame cuidadoso da comunicação do BC mostra que, na verdade, a expressão é usada sempre para reforçar o caráter condicional da comunicação. E por que reforçar? Porque muitos achavam que o BC estava amarrado num “forward guidance”.

O Copom se livrou de uma outra amarra, feita em março, quando se comprometeu com uma alta de 0,75 ponto percentual em maio, a menos que houvesse “uma mudança significativa nas projeções de inflação ou balanço de riscos”. Isso, de certa forma, limitava as opções ao alcance do colegiado.

Para a próxima reunião, de junho, o Copom voltou a sinalizar uma alta de 0,75 ponto percentual, mas retirou essa cláusula que limitava seus passos. Isso significa que ele está antevendo algo diferente de 0,75 ponto? Certamente não. O cenário central é 0,75 ponto. O que o Copom fez foi ganhar liberdade para agir, também no curto prazo, caso o cenário mude. O compromisso de agir sempre que necessário é a ferramenta mais poderosa para conter o processo de desancoragem das expectativas de inflação.

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