O Estado de S. Paulo
Suspeitos, acusados, réus, apenados e disponíveis do Congresso querem é mais corrupção
Para Paulo Teixeira (PT-SP), é preciso
“aperfeiçoar o mecanismo”. José Adônis, do Conselho do MP, vê “golpe no combate
à corrupção”.
A ordem institucional vigente mantém alguns
princípios sagrados, que são, de fato, tratados de acordo com a regra
generalizada celebrada pela sabedoria popular, segundo a qual “de boas
intenções os cemitérios estão cheios”. O primeiro é que “todo o poder emana do
povo”, parágrafo único do artigo 1.º da Constituição dita “cidadã” (apud
Ulysses Guimarães), a que sempre recorre o senador Marcos Rogério para defender
absurdos autoritários do desgoverno a que serve na Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) da Covid no Senado. De fato, o Poder Legislativo, instituído
para representar o cidadão comum, tem atuado de forma solerte para, em nome
dessa representação, fortalecer as elites partidárias, que concentram cada vez
mais nos próprios bolsos recursos e pesos, deixando de lado os contrapesos, que
fingem imitar da obra revolucionária dos Pais Fundadores dos Estados Unidos, no
século 18. Nesse mister sinistro, recebe aval de Executivo e Judiciário.
Uma das armas empregadas no cotidiano do conluio implícito entre os três Poderes que atuam de forma harmônica, mas contra o povo, é a transformação da Câmara dos Deputados, cerne da democracia representativa, em estuário do neocoronelismo partidário que torna representantes desse povo um polvo representativo de famílias, paróquias e bandos empenhados no enriquecimento ilícito e no poder absoluto de seus sócios. Avanços inseridos no aperfeiçoamento do sistema de escolha de seus membros, caso da cláusula de barreira, exigida em lei de 2017, são desprezados em nome de um “fortalecimento dos partidos”, que, na prática, funciona como financiamento por partilha. As conquistas do combate à gatunagem no erário, celebradas em acordos internacionais de compliance, estão sendo progressivamente despejadas no lixão da república dos compadritos com cínico discurso de desprezo ao moralismo dito udenista do verdadeiro republicanismo, ou seja, submissão à coisa pública.
O terrorismo legiferante protagoniza
momentos de cega negação do espírito da Carta Magna na decomposição do
fortalecimento constitucional do Ministério Público como única arma da
cidadania contra os desmandos dos dilapidadores de verbas e conceitos de
interesse popular. É a desmoralização da Operação Lava Jato, em particular, e
das forças-tarefa, em geral, no uso de “provas ilícitas e imprestáveis” (apud
Marcelo Knopfelmacher em entrevista no blog do Nêumanne no portal do Estadão)
por hackers. Alguns destes, impropriamente tidos como “jornalistas”, são
foragidos da lei em suas praças de origem, exemplo de desfaçatez. Com base
nisso, o Supremo Tribunal Federal (STF) demonizou sentenças de primeira
instância, confirmadas durante cinco anos em decisões, algumas unânimes,
abandonadas em obediência a vogas, mas nunca a normas. A tentativa, ora
bem-sucedida, de sentenciar crimes dos governos petistas, sob o comando do líder
máximo, Lula, com absolvição do réu e punição para promotores e juízes produz
efeito ainda pior ao subordinar o “quarto poder” da Constituição vigente em
autorização da impunidade de suspeitos, acusados, réus, apenados e disponíveis
com assentos na Câmara e no Senado.
Manobras de iniciativa da direita estúpida
bolsonarista, executadas pela esquerda investigada, indiciada, autuada,
processada e confirmada, obtiveram maiorias espetaculares nas duas Casas do
Congresso para, em nome de sua atualização, tornar inócua a Lei da Improbidade
Administrativa. O projeto, debatido em audiências públicas, da lavra do
deputado Roberto de Lucena, foi reescrito pelo lulista Carlos Zarattini e
aprovado às pressas para “passar a boiada”, magnífica metáfora do ex-ministro
do Meio Ambiente Ricardo Salles, expelido da pasta pela participação em
exportação ilícita de madeiras nobres, conforme denúncia da polícia
norte-americana. Depois dessa ignomínia, seguiu-se outra com idêntico
enfrentamento da vontade manifesta da Constituição, por projeto de autoria do
também petista Paulo Teixeira, que torna o Conselho Nacional do Ministério
Público mero serviçal de chefões do Parlamento. Ao reduzir a representação dos
próprios procuradores e entregar cargos-chave aos politiqueiros dos plenários
congressistas, a emenda constitucional entrega cadeado e chaves do galinheiro
às mãos felpudas de raposas com mandato.
A ação é oposta a propostas que compõem
reforma explicitada no livro Uma Nova Constituição para o Brasil, do jurista
Modesto Carvalhosa. Tais como: fim do foro privilegiado; estabilidade nos
cargos restrita a juízes, promotores, agentes da polícia judiciária, diplomatas
e militares; criação de regime previdenciário unitário; primazia do direito
público sobre o privado; e nulidade de leis aprovadas em causa própria em favor
de agentes públicos, políticos e servidores, entre outras. Ou seja, tudo o que
negue este golpe perpetrado no acordão geral pela impunidade total de
malfeitores da política e da gestão da coisa pública, tratadas como propriedade
privada de castas impostas pelos malfeitores da politicagem.
*Jornalista, poeta e escritor
Nenhum comentário:
Postar um comentário