quarta-feira, 13 de outubro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O eleitoral substitui o social

O Estado de S. Paulo

Diante de um governo que deseja cuidar de si com o Auxílio Brasil, cabe ao Congresso cuidar de quem de fato precisa

Entre as obrigações do Estado previstas na Constituição está a atuação para “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. O poder público realiza essa tarefa, entre outras ações, por meio dos programas sociais. A finalidade desses programas não é conquistar a simpatia dos eleitores, melhorar os índices de aprovação de um governante e, menos ainda, manter parcela da população dependente do Estado.

O governo Bolsonaro está, no entanto, indiferente a tudo isso. Vem tratando os programas sociais como ferramentas eleitorais, em uma inconstitucional apropriação do Estado para fins particulares. Para piorar, parte da esquerda, em especial, o lulopetismo, tem sido conivente com a manobra bolsonarista. Como o PT também atuou assim quando esteve no poder, o partido de Lula parece tolerar a conduta de Bolsonaro, como se fosse normal. Quem está no poder desfrutaria dessa espécie de bônus, usando parte dos recursos públicos em proveito próprio.

Um dos sintomas da submissão das políticas sociais a fins eleitorais no governo Bolsonaro é o abandono de critérios técnicos na formulação dos programas de transferência de renda. Não há estudo, planejamento ou aprendizado com as experiências passadas. Tudo se resume a duas ideias fixas: aumentar o valor mensal e aumentar o número de pessoas atendidas.

No primeiro semestre, Jair Bolsonaro prometeu ampliar no ano que vem o benefício do Bolsa Família para R$ 300. A promessa pegou de surpresa os técnicos do Ministério da Economia, que trabalhavam com uma reformulação do benefício médio dos atuais R$ 190 para R$ 250. Em agosto, o presidente Bolsonaro anunciou aumento ainda maior, que poderia chegar até o dobro do benefício atual.

Jair Bolsonaro não indicou os motivos que justificam o aumento. Não apresentou as fontes de financiamento para os novos gastos. Não explicou se os novos valores estão em conformidade com a legislação fiscal. Nada disso parece preocupar Bolsonaro, interessado tão somente em anunciar que vai aumentar o valor do benefício. A confirmar a completa improvisação, Bolsonaro prometeu depois ainda um novo porcentual: aumento de, no mínimo, 50% no valor médio do Bolsa Família.

Perante tal descalabro, faz-se necessário lembrar o óbvio. Programa de transferência de renda não é dinheiro que o presidente da República dá a uma parcela da população para ganhar votos. A começar pelo fato de que o presidente não dá nada. O que se transfere à população carente são recursos públicos – dinheiro do contribuinte, portanto – para atender a finalidades previstas em lei. Programa social é investimento feito pela sociedade, e não por um governante ou partido.

Por isso, é imprescindível que os programas sociais sejam formulados a partir de estudos e planejamentos sérios, orientados para uma efetiva proteção social. Ninguém deseja que recursos públicos, sempre escassos, sejam gastos de maneira improvisada ou ineficiente, menos ainda para atender a interesses eleitorais.

Nesse sentido, vale mencionar a outra obsessão de Jair Bolsonaro com o novo Bolsa Família, que ele deseja que se chame Auxílio Brasil: o aumento do número de beneficiários. Para Bolsonaro, maior número de pessoas beneficiadas é sinônimo de maior retorno eleitoral. No entanto, mais do que simplesmente expandir, a eficácia de um programa social está em sua focalização. “Se o objetivo aqui (com o Auxílio Brasil) vai ser aumentar o número de beneficiários, eu não acho que a gente está indo na direção correta. Vai pulverizar mais os recursos, e a gente tinha que, para combater a pobreza mais eficazmente, concentrar mais, identificando aqueles que mais precisam”, disse o economista Ricardo Paes de Barros, um dos formuladores do Bolsa Família, ao Estado.

Programa social é coisa séria. Diante de um governo que deseja cuidar de si com o Auxílio Brasil, cabe ao Congresso assegurar a finalidade social do programa: que cuide não de governante aspirante à reeleição, mas de quem de fato mais precisa.

A atualização da lei do impeachment

O Estado de S. Paulo

Depois de sete décadas, a lista dos crimes de responsabilidade pode e deve ser atualizada

Depois de analisar o material probatório levantado pela CPI da Covid, um grupo de juristas, sob a coordenação do professor e advogado Miguel Reale Júnior, concluiu pela “ocorrência de uma gestão governamental deliberadamente irresponsável e que infringe a lei penal. (...) São bastante evidentes as hipóteses reais de justa causa para diversas ações penais”.

Além de vários crimes do Código Penal, o parecer dos juristas constatou elementos probatórios relativos a crimes de responsabilidade. “O comportamento do sr. presidente da República Jair Messias Bolsonaro ao longo da pandemia constitui clara afronta aos direitos à vida e à saúde, configurando-se a infração prevista na Lei 1.079/1950, art. 7, número 9”, afirma o parecer.

Ao tratar dos crimes de responsabilidade, a Constituição diz que “esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento”. Criada em 1950, essa lei continua vigente. Sofreu apenas algumas alterações em 2000, quando o Congresso aprovou uma série de medidas de fortalecimento da responsabilidade fiscal.

No processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o Senado considerou-a culpada em relação a crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária (art. 10, itens 4, 6 e 7) e contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos (art. 11, itens 2 e 3). Dois desses itens haviam sido incluídos pela Lei 10.028/2000.

No caso do presidente Fernando Collor, o Senado condenou-o pelo crime de responsabilidade contra a segurança interna do País (art. 8, item 7: permitir, de forma expressa ou tácita, a infração de lei federal de ordem pública) e contra a probidade na administração (art. 9, item 7: proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo).

Perante esse histórico, deve-se reconhecer que a Lei 1.079/1950 tem, mesmo que imperfeitamente, cumprido o seu papel. Com base na lei, chefes do Executivo que realizaram condutas incompatíveis com o cargo foram afastados. “Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou ministros de Estado, contra os ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o procurador-geral da República”, diz o art. 2.º.

Em relação ao atual presidente, não se pode atribuir sua manutenção no cargo, a despeito de mais de uma centena de pedidos de impeachment, a eventuais omissões da Lei 1.079/1950. Como afirmou o parecer dos juristas à CPI da Covid, a conduta de Jair Bolsonaro na pandemia enquadra-se nas hipóteses de crime de responsabilidade. Ou seja, a Lei 1.079/1950 oferece proteção para a situação atual. “Esse desacerto na condução da pandemia não foi fruto de negligência ou imprudência, mas uma política de governo”, diz o parecer dos juristas. Eventual impunidade da conduta de Jair Bolsonaro na pandemia não será, portanto, em razão da inadequação da Lei 1.079/1950, mas por omissão do Congresso.

Deve-se reconhecer, no entanto, que, depois de sete décadas, a lista dos crimes de responsabilidade pode e deve ser atualizada. “É necessário (...) fazer um levantamento sobre quais são os atos que realmente mereceriam essa punição. É necessário reduzir as hipóteses e melhorar a redação sobre as normas que incriminam”, disse Miguel Reale Júnior ao Estado, ao tratar de uma possível revisão da Lei 1.079/1950.

Em 2016, após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, foram apresentados no Senado dois projetos de revisão da Lei dos Crimes de Responsabilidade. Um foi arquivado em 2018 e o outro (PL 251/2016), de autoria do senador Alvaro Dias, aguarda indicação de relator na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Cabe ao Congresso estudar o assunto, em atenta revisão das condutas que configuram crime de responsabilidade. A história recente e o presente do País mostram que essa legislação relativa ao exercício do poder não tem nada de inútil e, por isso, deve ser atualizada. Infelizmente, é item de primeira necessidade.

‘Feirão de emendas’

O Estado de S. Paulo

CGU e PF investigam esquema de indicação de emendas parlamentares em troca de propina

Um Orçamento bem elaborado, bem gerido e bem fiscalizado é um dos sinais vitais da democracia, tão importante quanto a plena liberdade dos eleitores para escolher seus representantes e a transição pacífica de poder a cada ciclo eleitoral. Mais do que um mero instrumento contábil, o Orçamento tem o valor simbólico de expressar o resultado da concertação política em torno da miríade de interesses em jogo na sociedade, não raras vezes conflitantes. “O Orçamento deveria ser o ápice do processo democrático, porque se trata, ao fim e ao cabo, de discutir onde alocar os recursos públicos”, afirmou certa vez Felipe Salto, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) e articulista do Estado.

O economista foi feliz na escolha do tempo verbal. Particularmente nos últimos três anos, o Brasil tem se afastado com velocidade impressionante do ideal de um Orçamento republicano. É de uma clareza solar o desleixo com que as contas públicas têm sido tratadas, como se antes de servir ao interesse público o Orçamento tivesse de atender aos interesses eleitorais e financeiros de alguns membros dos Poderes Executivo e Legislativo.

O presidente Jair Bolsonaro não tem a mais vaga ideia do que seja um programa de governo minimamente compreensível e alinhado às necessidades mais prementes do País. Nunca soube e nunca quis aprender o que significa governar. As propostas orçamentárias que anualmente envia ao Congresso refletem sua inépcia. Por sua vez, muitos parlamentares se aproveitam da incapacidade e da fraqueza política do presidente da República para se assenhorar de quinhões cada vez maiores do Orçamento e manipular esses vultosos recursos da forma que melhor lhes aprouver, seja para obter ganhos eleitorais, seja para enriquecer ilicitamente.

Tal é o nível da degradação política e da dilapidação do Orçamento que a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Polícia Federal (PF) investigam a existência de um “feirão de emendas”, de um “mercado persa”, expressões nada lisonjeiras que circulam entre os parlamentares. Alguns deputados e senadores investigados pela CGU e pela PF estariam “vendendo” a indicação de emendas a municípios – tanto as individuais como as emendas de relator (RP-9) – em troca de um porcentual que seria pago a eles pelos próprios prefeitos ou por empresas que se beneficiariam de contratos firmados com a administração pública. A ser comprovada a prática ao final das investigações, os parlamentares envolvidos devem responder por seus crimes na Justiça e ter os mandatos cassados.

Em audiência na Câmara dos Deputados, no dia 6 passado, o ministro-chefe da CGU, Wagner do Rosário, afirmou “não ter dúvida” de que há corrupção na destinação das emendas parlamentares, não só as individuais como as RP-9, base do chamado “orçamento secreto”, escândalo revelado pelo Estado em maio. Em nota, Rosário disse que suas palavras foram interpretadas “fora de contexto”.

Além de ter dito o que disse, o contexto está dado pela própria abertura da investigação do âmbito da CGU, que, diga-se, é uma inflexão muito bem-vinda. Até pouco tempo atrás, convém lembrar, Rosário tratava o “orçamento secreto” como “uma ilação” deste jornal. Diante das evidências, o tom mudou. “Sobre a denúncia do Estadão, realmente, foi ela que deu início ao processo (de investigação na CGU)”, disse o ministro na audiência.

Suspeita-se que há parlamentares que cobram entre 10% e 20% sobre o valor das emendas que destinam aos municípios, algumas indicadas para prefeituras fora do reduto eleitoral dos investigados, até mesmo em outros Estados. Se não há limites morais para frear a manipulação criminosa de recursos orçamentários, não seriam limites geográficos que inibiriam os malfeitores.

O governo Bolsonaro tenta se isentar de responsabilidade no escândalo. Alega que o “feirão” seria um problema “na ponta”, ou seja, restrito aos prefeitos e parlamentares envolvidos. Nada mais longe da verdade. O “orçamento secreto” foi um esquema urdido pela Casa Civil, a dita “alma” do governo. Não há mocinhos nessa história que tem de ser apurada com máximo rigor.

Sem atrair capital estrangeiro, Brasil amarga frustração

O Globo

Causa preocupação a ausência de novos investidores estrangeiros nos leilões organizados pelo Ministério da Infraestrutura. Das 33 concessões postas à venda desde janeiro, 25 foram arrematadas por investidores locais, apenas oito por estrangeiros, todos já com operações no Brasil. Embora a desvalorização do real devesse funcionar como chamariz para o dinheiro de fora em busca de novas oportunidades, o cenário é outro. Como revelou reportagem do GLOBO, o quadro político marcado por repetidas crises iniciadas pelo presidente Jair Bolsonaro, o provável acirramento da tensão na campanha eleitoral do ano que vem e o desconhecimento sobre o rumo da política econômica a partir de 2023 têm amedrontado investidores internacionais sem experiência no Brasil.

É dever do governo federal garantir um clima civilizado nos próximos 12 meses para que o país possa atrair recursos indispensáveis ao crescimento. Haverá 11 leilões na área de transporte até o fim do ano, com destaque para a Rodovia Presidente Dutra, que une Rio e São Paulo e será concedida com a Rio-Santos. No calendário, também estão disputas na área do petróleo. Para 2022, estão marcadas a venda da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), concessões de 16 aeroportos (entre eles Santos Dumont, no Rio, e Congonhas, em São Paulo) e vários trechos rodoviários, como BR 493, BR 465 e a BR 116 entre Rio e Governador Valadares (MG).

Bolsonaro demonstra não entender a dimensão do desafio. Em seu discurso na ONU no mês passado, descreveu o Brasil como um oásis para investidores. Infelizmente, os números desmentem a descrição. Em razão da Covid-19, o mundo viu no ano passado uma queda drástica no investimento estrangeiro direto. O fluxo global caiu 35% na comparação com 2019, segundo dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad). Na América Latina, a diminuição foi maior, da ordem de 45%.

Por culpa do governo Bolsonaro, o Brasil obteve um desempenho ainda pior, uma retração de 62%. Sempre ligeiro em tentar jogar a culpa em governadores e prefeitos, Bolsonaro foi o principal responsável por uma política de saúde pública criminosa e por repetidas investidas contra a estabilidade fiscal do país, quadro que afetou as projeções de crescimento e elevou o receio dos investidores. O Brasil despencou no ranking dos maiores destinos de investimento estrangeiro direto, da sexta posição em 2019 para a 11ª em 2020. A fatia brasileira no montante captado pela América Latina caiu de 40% para 28%. No mesmo período, China e Índia registraram crescimento na atração de capital estrangeiro.

É provável que o leilão das frequências destinadas à telefonia celular de quinta geração, o 5G, marcado para o começo de novembro, alcance cifras bilionárias. A iniciativa do governo na telefonia é positiva e bem-vinda. Porém seria um erro entrar no clima de euforia. A avaliação da atual administração na área das concessões e da atração de capital estrangeiro precisa excluir casos isolados, como o 5G. O que está em jogo é a necessária modernização de portos, rodovias, aeroportos e do setor de energia. Nessa missão, Bolsonaro está longe de entregar o que prometeu na campanha, quando o ministro Paulo Guedes falava em captar trilhões com privatizações. Sem condições hospitaleiras ao capital estrangeiro, o desempenho continuará sofrível.

Carnaval no Rio precisa levar em conta parâmetros sanitários rígidos

O Globo

Cariocas sabem que conviver com ruas silenciosas durante o carnaval é o mesmo que olhar para o Corcovado e não ver o Cristo. Mesmo os que não gostam de samba hão de reconhecer que os estridentes cortejos são parte indissociável da cultura da cidade, além de importante fonte de arrecadação. Não se pode perder de vista, porém, que, apesar de estar em declínio, a pandemia não acabou. As aglomerações constituem um risco nessas condições. São essenciais, por isso, as recomendações feitas por especialistas ao comitê científico da prefeitura para que a festa em 2022 esteja condicionada a rigorosos parâmetros sanitários.

A análise, elaborada por pesquisadores da Fiocruz e da UFRJ, relaciona cinco indicadores para a realização do carnaval aberto, nos termos proclamados pelo prefeito Eduardo Paes (endossados pelo comitê científico da prefeitura). Os critérios recomendados pelos cientistas independentes são todos técnicos e fáceis de aferir: 1) o número de atendimentos diários dos quadros clínicos associados à Covid-19 deve ser inferior a 110; 2) a fila por um leito deve ser de até três pessoas por dia, e a espera não deve ultrapassar uma hora; 3) a proporção de testes positivos para o vírus nos últimos sete dias deve ser inferior a 5%; 4) a taxa de contágio (média de pessoas a que cada infectado transmite o vírus) no Rio deve ser inferior a 1, idealmente 0,5; 5) a vacinação completa (duas doses ou dose única) contra a Covid-19 no país, no estado e no município deve ter alcançado pelo menos 80% da população.

É verdade que alguns desses parâmetros já foram atingidos no Rio. Mas outros, não. A fila por leitos de Covid-19 está zerada, e o tempo de espera é de 51 minutos. O percentual de resultados positivos está em 4%. Os patamares de vacinação ainda não foram, contudo, alcançados. Embora Paes tenha afirmado que “já dava para fazer [o carnaval] em novembro”, não é bem assim. Os cariocas completamente vacinados estão em torno de 60%. No país, o índice não chegou a 50%. A média de atendimentos na rede pública (317 por dia) ainda é alta. E há divergência sobre a taxa de contágio na cidade (0,7 para a prefeitura; 1,14 para a UFRJ).

Ex-secretário nacional de Vigilância em Saúde, o epidemiologista Wanderson Oliveira também propõe parâmetros mais rígidos, não muito diferentes dos apresentados pela UFRJ e pela Fiocruz, para flexibilizar as medidas preventivas. Como vacinação completa acima de 80%; menos de 6% de testes positivos; e incidência inferior a 60 casos por 100 mil habitantes.

Paes deveria ouvir as recomendações dos cientistas, de modo que o carnaval só seja realizado em condições seguras. É uma questão que diz respeito não só ao Rio. Cidades como Salvador, Recife, Olinda ou São Paulo vivem expectativa parecida depois do cancelamento de suas festas neste ano. Compreendem-se as pressões do setor de turismo, que acumula perdas colossais e tem chance de recuperação. Mas, num país com mais de 600 mil mortos pela Covid-19, os gestores precisam ter responsabilidade. Do contrário, quem fará a festa no carnaval será o Sars-CoV-2.

Hora de decidir

Folha de S. Paulo

Impasse em torno de indicação de Bolsonaro ao Supremo já se prolonga em demasia

Agiu bem o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, ao rejeitar um pedido apresentado por parlamentares para obrigar a marcação da sabatina no Senado do nome indicado pelo governo Jair Bolsonaro à corte, André Mendonça.

Invocando o princípio constitucional da separação dos Poderes, Lewandowski considerou que o tema é da alçada exclusiva do Legislativo e evitou criar um tumulto ainda maior em torno da indicação.
Isso dito, cumpre apontar que o impasse de fato se arrasta em demasia e compromete o correto funcionamento das instituições.

Ex-titular da Justiça e da Advocacia-Geral da União, Mendonça foi anunciado em 6 de julho —há mais de três meses, pois— como o escolhido pelo Planalto para ocupar a vaga aberta no STF pela aposentadoria de Marco Aurélio Mello.

Para lá chegar, precisa passar por sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e votação no plenário do Senado. Tal procedimento, que no mais das vezes constituiu mera formalidade na história recente do país, desta está cercado de dificuldades inauditas.

A maior parcela de culpa, é imperativo apontar, cabe a Bolsonaro, que esteve dedicado, até a jornada golpista do 7 de Setembro, a atacar o Supremo e o processo eleitoral. A paralisação do escrutínio de Mendonça foi apenas uma das respostas corretas das forças políticas à ofensiva antidemocrática.

Há também interesses mais mundanos em ação. Noticia-se, por exemplo, que no Congresso e, em particular, no centrão se teme que o indicado possa apoiar no STF pautas caras à Operação Lava Jato, como a volta da prisão de condenados em segunda instância.

Conforme publicou a Folha, partidos governistas e ministros palacianos cogitam um nome alternativo, para o desgosto de lideranças evangélicas a quem Bolsonaro busca agradar com Mendonça.

No próprio Supremo, a ausência de um 11º ministro já provocou demonstrações de mal-estar, caso de uma divergência recente sobre a solução a adotar num julgamento empatado em 5 votos a 5.

O ex-ministro da Justiça é, sem dúvida, um mau candidato. Na pasta, submeteu-se ao pior do bolsonarismo utilizando a hoje revogada Lei de Segurança Nacional na tentativa de intimidar críticos do governo. Sua disposição a atuar com autonomia na principal corte do país parece no mínimo duvidosa.

Há boas razões para reprová-lo, mas não mais para procrastinar uma decisão —seja marcar a sabatina, medida que toca ao senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente da CCJ, seja trocar o indicado, o que depende de cálculos políticos ainda um tanto nebulosos de Bolsonaro e seus aliados.

Babel chilena

Folha de S. Paulo

Fragmentada, Constituinte do país sul-americano atrasa trabalho e perde respaldo

Ao emergir como resposta a momentos de grave crise política e social, processos constituintes não raro são vistos, em particular na América Latina, como uma espécie de panaceia capaz de resolver problemas e contradições que foram se acumulando numa sociedade ao longo do tempo.

Quando começam a funcionar, porém, a realidade costuma ser outra, e a tarefa de coadunar democraticamente os múltiplos interesses em jogo acaba se mostrando complexa, quando não frustrante.

A redação da nova Carta do Chile é bom exemplo disso. Resultado mais expressivo das colossais manifestações contra o establishment que tiveram lugar naquele país a partir de 2019, a Constituinte foi aprovada com o retumbante apoio de quase 80% da população.

Mas, cem dias depois de iniciados, os trabalhos estão atrasados e perdendo respaldo popular, em meio a um quadro político instável.

Com prazo de nove meses a partir de 4 de julho, prorrogável por mais três, o colegiado chileno só agora terminou de definir seus parâmetros de funcionamento.

O principal ponto de discórdia deu-se em torno da necessidade de dois terços dos votos para que um artigo seja aprovado —algo considerado difícil de ser atingido numa Assembleia fragmentada em diversas correntes ideológicas.

Embora a regra já existisse desde a formulação do órgão, o debate sobre ela se estendeu por semanas. Mesmo referendada no fim, estipulou-se que os itens que não alcançarem os sufrágios necessários poderão ser levados à população —à qual também caberá referendar a redação final da Carta.

Ocorre que a legislação original não contempla essa possibilidade, o que deve obrigar o Congresso chileno a modificar a lei para incluir a nova consulta popular.

Ao ritmo claudicante soma-se o escândalo envolvendo um dos sete vice-presidentes da Assembleia, que renunciou ao cargo por mentir sobre o fato de ter câncer.

Ademais, uma nova crise envolvendo o presidente Sebastián Piñera e a proximidade das eleições gerais devem atravancar o diálogo da Assembleia com o Executivo.

É nesse cenário turbulento e marcado por disputas internas que, no próximo dia 18, deve enfim começar o trabalho das comissões temáticas. A considerar os últimos três meses, será no mínimo desafiador para a Assembleia atender o apelo de sua presidente por “acordos amplos, plurais e diversos”.

Leilão marca transformação no mundo das petroleiras

Valor Econômico

A inclusão do arquipélago de Fernando de Noronha e Atol das Rocas contribuiu para afastar as empresas da disputa

Apesar de o petróleo estar nos patamares mais elevados dos três últimos anos, acima de US$ 80 o barril, a 17ª rodada de licitações de blocos exploratórios de petróleo e gás, realizada pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), na semana passada não foi bem sucedida. Foi o menor resultado em blocos de exploração arrematados, apenas cinco de 92 oferecidos, dos quais quatro pela Shell e um pela Shell em parceria com a colombiana Ecopetrol. As empresas pretendem investir R$ 136,1 milhões. O leilão apresentou a segunda menor arrecadação em bônus de assinatura, R$ 37,14 milhões. Teve ainda baixo número de inscritos, nove.

O ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, preferiu falar sobre o resultado obtido nos leilões de concessão realizados até agora no governo de Jair Bolsonaro, o que inclui cobiçados lotes do pré-sal. Desde 2019, foram arrecadados R$ 85 bilhões em bônus de assinatura, mais do que os R$ 60 bilhões obtidos nos 20 anos anteriores, de 1999 a 2019, com R$ 420 bilhões em investimentos contratados. O diretor-geral da ANP, Rodolfo Saboia, atribuiu o interesse reduzido pela oferta às incertezas surgidas com a pandemia e às mudanças no setor de energia.

Uma das razões do resultado foi a estruturação da oferta pelo governo, que reuniu blocos de exploração arriscados e não conseguiu resolver as questões que trazem insegurança jurídica. Foram oferecidos blocos com maior risco de exploração, em novas fronteiras, áreas ainda sem grandes descobertas comprovadas, e, portanto, menos atrativas. Alguns blocos oferecidos estavam até além das 200 milhas náuticas, em Santos, na extensão da plataforma continental brasileira, levantando a questão do pagamento de royalties para a Autoridade Marítima Internacional.

O fracasso, no caso do leilão, esteve longe de ser prejudicial. As principais dúvidas recaíram sobre as questões ambientais em dois dos quatro blocos, o de Pelotas, ao Sul, e o da bacia Potiguar, ao Norte, que envolve a exploração na região das cadeias de montanhas marítimas de Fernando de Noronha e do Atol das Rocas. A inclusão desses dois blocos marcou o leilão como negativo para o meio ambiente e contribuiu para afastar, felizmente, as empresas da disputa.

As grandes petroleiras do mundo de hoje estão bastante distantes dos hábitos truculentos de meados do século passado das Sete Irmãs. Pressionadas pelos stakeholders, estão mais sensíveis às questões relacionadas ao ambiente. Sem falar da legislação de seus países de origem, cada vez mais severa na orientação à descarbonização das fontes de energia. Projetos de exploração de petróleo agora competem com alguma desvantagem com alternativas de energia renovável.

O efeito é sentido em todo o mundo. No início deste ano, fracassou o leilão para a exploração e produção de petróleo no Alasca, no círculo polar ártico, que o ex-presidente americano Donald Trump tentou realizar antes de deixar o governo. Houve oferta de empresas novatas e uma estatal inexperiente. O presidente Joe Biden já suspendeu a autorização de Trump para a exploração de petróleo no Arctic National Wildlife Refuge.

No Brasil, a Total e a bp saíram de blocos contratados na 11ª Rodada, em 2013, para explorar petróleo na margem equatorial brasileira da Foz do Amazonas porque não conseguiram licença ambiental do Ibama. Mas isso levou cerca de sete anos, certamente com um custo financeiro, atualmente inaceitável para os acionistas, claramente favoráveis aos projetos de energia renovável e mais coerentes com a contagem regressiva à descarbonização de suas atividades.

As petroleiras não perderam o interesse pelo petróleo. Segundo a Opep, o pico do consumo será em 2045. Mas cada vez mais será uma questão de custo x oportunidade. Deve-se lembrar também que as empresas do setor sofreram, como o resto do mundo, o impacto da pandemia nos seus negócios e estão tentando se recuperar.

O próximo leilão de petróleo do governo Bolsonaro, em 17 de dezembro, deve atrair interesse porque tem características bem diferentes. Trata-se da segunda rodada de leilão dos excedentes da cessão onerosa do pré-sal de Sépia e Atapu, que serão licitados sob o regime de partilha, em dezembro, e envolvem bônus de R$ 11 bilhões. Nesses casos, o risco exploratório é zero porque são áreas já em produção. A Petrobras, que não participou do leilão da semana passada, manifestou interesse de exercer seu direito a 30% pelas regras da partilha. Nessas circunstâncias o retorno esperado compensa o risco do investimento.

 

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