quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Fábio Alves - As surpresas do PIB

O Estado de S. Paulo

Assim como aconteceu com a inflação, que vem superando as projeções de analistas e do Banco Central, há o temor de que os indicadores de atividade econômica engatem tendência semelhante, mas em direção oposta: de surpresas negativas.

O sinal de alerta veio na semana passada, com a divulgação da produção industrial e de vendas do varejo para agosto. No caso da produção industrial, houve queda de 0,7% ante julho, resultado pior do que apontava o consenso das estimativas de analistas, de recuo de 0,4%. Já as vendas do varejo caíram 3,1% em agosto ante julho, numa queda bem maior até do que a mais pessimista das projeções do mercado.

Agora, todas as atenções estão voltadas para a divulgação dos dados de agosto da Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), pelo IBGE, amanhã, e do Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-BR) na sexta-feira.

Por enquanto, apesar dos resultados bem mais fracos da produção industrial e de vendas do varejo em agosto, a maior parte dos analistas trabalha com o seguinte cenário para manter as suas projeções de PIB: o de mudança de perfil de consumo pela população.

Segundo esse argumento, com o avanço da vacinação e o relaxamento das restrições à mobilidade social, os consumidores passaram a gastar menos com bens – afetando as vendas da indústria e do comércio – e mais com serviços. Ou seja, o que está havendoéo redirecionamento nos gastos dos consumidores, migrando de bens para serviços.

“O que estamos vendo são os diferentes estágios de recuperação da economia, com os serviços, que estavam defasados, começando agora a liderar esse processo de retomada”, diz o economista para Brasil do banco inglês Barclays, Roberto Secemski.

Por outro lado, os efeitos da pandemia de covid ainda estão turvando a análise dos indicadores de atividade como um termômetro preciso da saúde da economia. Os gargalos da cadeia mundial de produção, provocando escassez de insumos, seguem contribuindo para prejudicar ainda mais o desempenho da indústria.

No caso do varejo, é preciso olhar com cuidado a forte queda de agosto. o ajuste sazonal do indicador está bem mais volátil por questões relacionadas à pandemia, uma vez que o cálculo econométrico não consegue entender totalmente o forte deslocamento do resultado do indicador observado no ano passado, no auge do impacto da covid, e tenta refletir isso na estrutura do padrão sazonal.

A consequência tem sido revisões drásticas nos resultados divulgados pelo IBGE das vendas do varejo, como observaram os economistas da MCM Consultores. Para junho, foi divulgada queda de 1,7% em comparação ao mês anterior das vendas do varejo restrito. Em julho, o dado de junho foi revisado para alta de 0,9%. Em agosto, o dado foi novamente revisado, agora para queda de 1,1%.

É inegável que a alta mais acelerada da inflação e o número elevado de desempregados afetam negativamente a indústria e o comércio. Mas e se a inflação e o desemprego levarem também à perda de ímpeto na recuperação de serviços? “Se o dado de agosto da PMS também surpreender para baixo, isso pode preocupar”, diz Secemski, do Barclays.

Há quem espere aumento no volume de serviços em agosto, e há quem espere estabilidade. Para o IBC-BR, o consenso das apostas prevê avanço de 0,1% em agosto. Um eventual número mais fraco para os dados de serviços poderá deflagrar uma rodada de revisão para baixo das projeções para o PIB do terceiro trimestre e para o de 2021 como um todo. E, se o resultado do IBC-BR também vier aquém do esperado, o pessimismo irá aumentar.

Por enquanto, a mediana das estimativas de analistas aponta para expansão de 0,5% do PIB no terceiro trimestre e de crescimento ao redor de 5,0% para 2021. Se a perda de renda da população frustrar uma recuperação mais forte dos serviços, poderemos ver uma sucessão de surpresas negativas para os resultados do PIB. Daí o humor azeda de vez.

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