O Estado de S. Paulo
Assim como aconteceu com a inflação, que
vem superando as projeções de analistas e do Banco Central, há o temor de que
os indicadores de atividade econômica engatem tendência semelhante, mas em
direção oposta: de surpresas negativas.
O sinal de alerta veio na semana passada,
com a divulgação da produção industrial e de vendas do varejo para agosto. No
caso da produção industrial, houve queda de 0,7% ante julho, resultado pior do
que apontava o consenso das estimativas de analistas, de recuo de 0,4%. Já as
vendas do varejo caíram 3,1% em agosto ante julho, numa queda bem maior até do
que a mais pessimista das projeções do mercado.
Agora, todas as atenções estão voltadas para a divulgação dos dados de agosto da Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), pelo IBGE, amanhã, e do Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-BR) na sexta-feira.
Por enquanto, apesar dos resultados bem
mais fracos da produção industrial e de vendas do varejo em agosto, a maior
parte dos analistas trabalha com o seguinte cenário para manter as suas
projeções de PIB: o de mudança de perfil de consumo pela população.
Segundo esse argumento, com o avanço da
vacinação e o relaxamento das restrições à mobilidade social, os consumidores
passaram a gastar menos com bens – afetando as vendas da indústria e do
comércio – e mais com serviços. Ou seja, o que está havendoéo redirecionamento
nos gastos dos consumidores, migrando de bens para serviços.
“O que estamos vendo são os diferentes
estágios de recuperação da economia, com os serviços, que estavam defasados,
começando agora a liderar esse processo de retomada”, diz o economista para
Brasil do banco inglês Barclays, Roberto Secemski.
Por outro lado, os efeitos da pandemia de
covid ainda estão turvando a análise dos indicadores de atividade como um
termômetro preciso da saúde da economia. Os gargalos da cadeia mundial de
produção, provocando escassez de insumos, seguem contribuindo para prejudicar
ainda mais o desempenho da indústria.
No caso do varejo, é preciso olhar com
cuidado a forte queda de agosto. o ajuste sazonal do indicador está bem mais
volátil por questões relacionadas à pandemia, uma vez que o cálculo
econométrico não consegue entender totalmente o forte deslocamento do resultado
do indicador observado no ano passado, no auge do impacto da covid, e tenta
refletir isso na estrutura do padrão sazonal.
A consequência tem sido revisões drásticas
nos resultados divulgados pelo IBGE das vendas do varejo, como observaram os
economistas da MCM Consultores. Para junho, foi divulgada queda de 1,7% em
comparação ao mês anterior das vendas do varejo restrito. Em julho, o dado de
junho foi revisado para alta de 0,9%. Em agosto, o dado foi novamente revisado,
agora para queda de 1,1%.
É inegável que a alta mais acelerada da
inflação e o número elevado de desempregados afetam negativamente a indústria e
o comércio. Mas e se a inflação e o desemprego levarem também à perda de ímpeto
na recuperação de serviços? “Se o dado de agosto da PMS também surpreender para
baixo, isso pode preocupar”, diz Secemski, do Barclays.
Há quem espere aumento no volume de
serviços em agosto, e há quem espere estabilidade. Para o IBC-BR, o consenso
das apostas prevê avanço de 0,1% em agosto. Um eventual número mais fraco para
os dados de serviços poderá deflagrar uma rodada de revisão para baixo das
projeções para o PIB do terceiro trimestre e para o de 2021 como um todo. E, se
o resultado do IBC-BR também vier aquém do esperado, o pessimismo irá aumentar.
Por enquanto, a mediana das estimativas de analistas aponta para expansão de 0,5% do PIB no terceiro trimestre e de crescimento ao redor de 5,0% para 2021. Se a perda de renda da população frustrar uma recuperação mais forte dos serviços, poderemos ver uma sucessão de surpresas negativas para os resultados do PIB. Daí o humor azeda de vez.
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