Folha de S. Paulo
A esquerda vem se afastando da ideia de
liberdade porque esta é incompatível com a de igualdade
Assim como o bolsonarismo sequestrou as cores da bandeira do Brasil, a direita está sequestrando a ideia de liberdade, notadamente o adjetivo “libertário”. O confisco começou nos EUA, depois que Ron Paul e seus seguidores ganharam projeção e ocuparam uma posição de certa visibilidade no Partido Republicano nos primeiros anos deste século. Mais recentemente, tivemos o sucesso eleitoral dos libertários argentinos, liderados por Javier Milei. Mas, se Paul ainda se distingue um pouco das alas mais extremistas da direita americana, é difícil dizer o mesmo de Milei e seu grupo, que são contra o aborto, as “axilas peludas” das feministas, atraem a simpatia de neonazistas e ainda se congraçam com os Bolsonaros.
Obviamente, ninguém pode pleitear direitos
de exclusividade sobre palavras, mas, se examinarmos a genealogia dos
movimentos libertários, observaremos que eles surgiram à esquerda, com os
anarquistas (William Godwin) no fim do século 18 e se multiplicaram numa
plêiade de correntes que inclui mutualismo, coletivismo, anarco-sindicalismo,
vários socialismos, a New Left, o geolibertarianismo, entre outros. Noam
Chomsky se descreve como libertário de esquerda. É só a partir de meados do
século 20 que aparecem os libertários de direita, que defendem um capitalismo
do tipo “laissez-faire” com pouco ou nenhum Estado.
A esquerda vem paulatinamente se afastando da ideia de liberdade porque esta é
incompatível com a de igualdade, outro conceito que lhe é caro. Se a sociedade
é livre, algumas pessoas, por esforço ou sorte, acumularão mais bens e os
transmitirão a quem desejarem, tipicamente os filhos. Mas, neste caso, a
sociedade deixa de ser igualitária, pois não só alguns terão mais do que outros
como também herdarão riquezas pelas quais não trabalharam. O paradoxo não tem
solução. Cada sociedade precisa definir o “blend” de liberdade e igualdade com
o qual vai operar.
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