Valor Econômico
Plano de crescimento verde expõe o
blá-blá-blá brasileiro
A delegação do governo federal chega a
Glasgow para a Conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas (COP26)
desprestigiada e sem resultados concretos a entregar, a ponto de Jair Bolsonaro
ter decidido brincar de esconde-esconde para evitar o constrangimento e a
cobrança internacionais.
Nas últimas semanas até que houve um corre-corre no Congresso Nacional na tentativa de se aprovar alguma medida que pudesse sinalizar a existência de uma agenda positiva na área ambiental no Brasil, mas nem isso foi possível. Com dados alarmantes de avanço no desmatamento, sem a regulação do mercado de créditos de carbono e após o acionamento de termelétricas para se evitar um apagão energético, tudo o que resta à comitiva de representantes do governo federal é esquivar-se com o tradicional blá-blá-blá das promessas vagas e dos discursos vazios.
Para não chegar ao evento de mãos abanando,
o governo lançou na semana passada o “Programa Nacional de Crescimento Verde”.
A partir da leitura do Decreto nº 10.846, que o instituiu, tem-se um verdadeiro
manual do lero-lero da política brasileira.
Primeiro anunciam-se objetivos
bem-intencionados, repletos de expressões bonitas escolhidas a dedo para deixar
todo-todo o mais empolgado entusiasta da matéria: “aliar o crescimento econômico
ao desenvolvimento com iniciativas sustentáveis”, “criar empregos verdes”,
“reduzir as emissões de gases de efeito estufa, com vistas a facilitar a
transição para a economia de baixo carbono”.
Na sequência vêm as “diretrizes gerais”,
que constituem uma lista de instrumentos que deveriam viabilizar a implantação
de uma política pública combinada com incentivos ao setor privado. Incluem-se
neste caso a “implementação de instrumentos de mercado e mecanismos financeiros
para iniciativas de mitigação e de adaptação à mudança do clima”, a “entrega de
projetos de infraestrutura resiliente e sustentável”, o “incentivo à
descarbonização dos transportes e implantação das cidades sustentáveis e
inteligentes”, a “ampliação do uso de energias limpas” e por aí vai... Mas sem
estudos prévios, detalhamento de ações, metas e prazos a cumprir, a lista vira
um lenga-lenga para “inglês ver”.
E para fechar o ciclo, cria-se um Comitê
Interministerial que será responsável por “articular e coordenar a
implementação das ações”. No caso da Mudança do Clima e do Crescimento Verde,
teremos onze ministérios ou secretarias envolvidos, que se reunirão
semestralmente para tratar do assunto - a periodicidade já dá uma medida da
baixa prioridade que o governo dá ao tema, mas também falta atribuição de
competências e responsabilidades para cada um dos membros.
Mesmo sendo um governo que se vangloria,
dos grupos de zap-zap aos discursos internacionais, de ter vindo para “destruir
muita coisa, antes de construir algo”, Bolsonaro lançou, apenas no âmbito de
decretos presidenciais, 37 planos, programas e estratégias nacionais, 60
comitês, comissões e grupos de trabalho interministeriais, além de nove
conselhos e quatro fóruns. Todos seguem em geral o mesmo roteiro: muito
oba-oba, e pouco lufa-lufa tornar realidade os objetivos imaginados.
Antes fosse uma característica do governo
atual. Talvez fruto de um processo de industrialização guiado pelo Estado, ou
por décadas de ditadura militar, fato é que temos uma queda pela planificação
central. Nossa Constituição tem 66 menções a planos nacionais ou planejamento
estatal. Nossa obsessão chega ao paradoxo de um dos expoentes da defesa do
liberalismo no Brasil, Roberto Campos, ter sido um dos patronos da criação do
Ministério do Planejamento, tendo ocupado a pasta durante todo o governo
Castelo Branco (1964-1967).
Nossos planos e programas nacionais são
repletos de boas intenções e objetivos ambiciosos. E com eles vêm as comissões,
conselhos e comitês, destinados a tirar as boas ideias do papel. O problema é
que quase sempre eles se perdem entre o mimimi e o tititi, e muitos desses
colegiados acabam funcionando meramente pro forma. No rame-rame das infindáveis
reuniões, a principal decisão muitas vezes é a definição da data do próximo
encontro. Como não há responsabilização dos gestores responsáveis pelo seu não
cumprimento, fica tudo por isso mesmo - até que um novo presidente lance um
novo plano mirabolante.
No âmbito da reforma administrativa
aprovada durante o governo Fernando Henrique Cardoso, alterou-se a Constituição
com o objetivo de se possibilitar a celebração de contratos de desempenho na
administração direta e indireta, prevendo a fixação de obrigações e a
responsabilização de dirigentes pelo não atingimento de resultados previamente
acordados. A medida só veio a ser regulamentada pelo Congresso em dezembro de
2019, e não se tem notícia de que tenha sido aplicada.
As políticas monetária e fiscal são das
poucas áreas em que existem exigências concretas, mas tampouco há institutos de
responsabilização. O descumprimento das metas de inflação só exige que o
presidente do Banco Central redija uma carta ao Ministro da Economia
justificando o seu fracasso - a nova lei da independência do Bacen até prevê a
exoneração de membros de sua diretoria por “comprovado e recorrente desempenho
insuficiente”, mas ela não está diretamente atrelada ao sistema de metas.
Nas finanças públicas, temos o princípio do
equilíbrio orçamentário, a regra de ouro e o teto de gastos insculpidos na
Constituição, sem falar na Lei de Responsabilidade Fiscal. E sempre que cresce
o zum-zum de que o governo irá desrespeitar os limites legais, simplesmente
abre-se o balcão de negócios com o Congresso Nacional para se promover um
troca-troca nas regras. Se pararmos para pensar, o período mais duradouro de
geração de superávits fiscais no passado recente aconteceu quando estávamos
sujeitos à dependência dos acordos com o Fundo Monetário Internacional.
A crise econômica e o aquecimento global
regem o tique-taque da bomba relógio. Os brasileiros e os líderes mundiais não
suportam mais o nhenhenhém dos discursos bonitos e dos planos infalíveis de
nossos governantes.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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