segunda-feira, 1 de novembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O medo é o pior dos conselheiros

O Estado de S. Paulo

A reeleição de Bolsonaro ou o retorno de Lula ao poder suscitam temores justificados. Mas uma nova via precisa ser construída sobre a esperança

Lula e Bolsonaro suscitam temores. Nova via deve ser construída sobre a esperança.

Após quatro mandatos de um governo populista à esquerda e um mandato de sua contraparte populista à direita, os altos índices de rejeição aos dois candidatos que lideram as pesquisas para a eleição de 2022 revelam que boa parte da sociedade a vê como uma oportunidade de renovação da política.

A reeleição de Jair Bolsonaro significaria a manutenção de uma crassa incompetência administrativa e da maior ameaça à democracia brasileira desde 1964. O retorno do lulopetismo significaria reeditar uma agenda que negligenciou as condições para o desenvolvimento sustentável, alimentou o corporativismo e o clientelismo, disseminou ainda mais a corrupção endêmica, precipitou o País na maior recessão de sua história e, por último, mas não menos importante, inflamou o sectarismo que alçou Bolsonaro ao poder.

Ante a erosão econômica, social e moral provocada pelo lulopetismo e agravada pela incúria e o autoritarismo de Bolsonaro, o empresariado tem se mobilizado cada vez mais em nome do interesse público, seja em defesa dos alicerces democráticos, como nos manifestos contra as agressões do presidente às instituições republicanas, seja em apoio a políticas públicas inovadoras de inclusão social, meio ambiente ou educação.

“Vejo um crescente envolvimento da sociedade na política. Vejo mais gente querendo se candidatar a cargos públicos”, disse ao Estado o empresário Fabio Barbosa, que foi signatário de um manifesto em apoio ao sistema eleitoral e participa de grupos de executivos empenhados em promover a racionalidade no debate político. “Eu quero que as pessoas votem por acreditar, e não por ter medo.”

Foi o medo de um quinto mandato lulopetista que alavancou o apoio de parte do empresariado a Bolsonaro em 2018. Aqueles que se deixaram enganar pelas promessas fajutas de liberalismo de Paulo Guedes já perceberam que ele só entregou demagogia. Barbosa lembrou os malogros do governo, incapaz de dar o devido arranque ao novo marco do saneamento básico ou encampar privatizações e reformas, como a tributária e a administrativa. Hoje, a política econômica é refém dos interesses patrimonialistas do Centrão e do projeto de poder de Bolsonaro.

A esquerda, por sua vez, “se apropriou indevidamente do monopólio do discurso do bem social”, como lembrou Barbosa. Essa apropriação, retoricamente alimentada pela vilanização da iniciativa privada, serviu na prática ao aparelhamento de um Estado cujos pedaços foram distribuídos a políticos corruptos e empresários gananciosos. O PT se jacta de ter se servido do superciclo das commodities para ampliar os programas sociais gestados na administração FHC. Mas esses programas não foram estruturados para alavancar a independência de seus beneficiários. Além disso, os investimentos em infraestrutura e capital humano foram negligenciados e a irresponsabilidade fiscal arruinou as contas públicas, levando à deterioração da renda e ao desemprego recorde. Em outras palavras, se o lulopetismo deu um pouco às populações carentes com uma mão, tirou muito mais com a outra.

Ante o fracasso dos modelos populistas, é compreensível o temor que aflige a parte mais sensata do eleitorado. Mas, carentes de propostas, os dois adversários se valem justamente do medo um do outro para retroalimentar suas ambições eleitorais. Assim como a campanha bolsonarista foi e é fundada sobre o antipetismo, a campanha petista se resume ao antibolsonarismo.

A esperança pode vencer o medo. Mas, para isso, os candidatos que se apresentarem como seus portadores precisarão propor uma agenda modernizante. Não, porém, costurada nos recessos das cúpulas partidárias, e sim com as lideranças da sociedade civil. As articulações políticas que resgataram a democracia do País nas “Diretas Já” e superaram as grandes crises da Nova República com os impeachments de Fernando Collor e Dilma Rousseff foram erguidas sobre uma mobilização cívica. Só com essa mobilização será possível evitar que o lulopetismo e o bolsonarismo perpetuem a crise que eles fabricaram e colocar o País nos trilhos do desenvolvimento.

As lições ignoradas da pandemia

O Estado de S. Paulo

Há escassa evidência de que os países estejam aprendendo as lições certas a partir da pandemia, a despeito da morte de um número tão grande de pessoas

A pandemia de covid-19 já matou cerca de 5 milhões de pessoas no mundo inteiro (mais de 607 mil apenas no Brasil). De longe, esse é o maior dos males infligidos pelo coronavírus. Mas, como se isso não bastasse, a crise sanitária também arruinou sistemas de saúde, destruiu economias mais frágeis e privou milhões de crianças e jovens pobres de acesso à educação, comprometendo o futuro de uma geração em grau ainda por ser devidamente mensurado.

Em suma, a pandemia criou formas de desigualdade econômica e social e aprofundou outras já existentes, não só em cada um dos países afetados, o Brasil entre eles, mas em nível global. Quão profundas serão as desigualdades entre cidadãos e países no futuro próximo – vale dizer, por quanto tempo perdurarão os efeitos perversos da crise sanitária antes de uma recuperação mais equânime e consistente – dependerá fundamentalmente das lições aprendidas por governos e organizações da sociedade civil a partir dessa tragédia. Há fortes razões para preocupação.

O recém-publicado relatório anual do Conselho de Monitoramento de Preparação Global (GPMB, na sigla em inglês), criado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Banco Mundial para monitorar e cobrar ações de preparação dos países para responder a crises globais na área da saúde, indica que o mundo está “lamentavelmente despreparado” não apenas para dar cabo da atual pandemia, mas, principalmente, para lidar melhor com os efeitos da próxima, cuja eclosão é mera questão de tempo.

Os membros do conselho concluíram que há “escassa evidência” de que os países estejam aprendendo as “lições certas” a partir da crise sanitária global, a despeito da morte de um número tão grande de pessoas. Ao jornal Financial

Times, um dos líderes do GPMB, o senegalês Elhadj As Sy, destacou que os avanços científicos no desenvolvimento das vacinas são motivos de orgulho, mas que todos “devemos nos sentir profundamente envergonhados diante das múltiplas tragédias ocasionadas pela pandemia, como a acumulação de vacinas”.

No relatório, o GPMB classifica como “exemplo mais flagrante de disfunção” no enfrentamento global da pandemia a competição desenfreada entre países por acesso às vacinas, o que, na visão do conselho, criou um abismo entre a imunização em países ricos e pobres que, ao fim e ao cabo, favoreceu o surgimento de novas variantes do coronavírus, o agravamento da pandemia e o aumento do número de mortos. De forma direta, com base em ciência e em linguagem elegante, o que o GPMB está dizendo é que lideranças globais simplesmente ignoraram a essência do que vem a ser uma pandemia.

A profunda desigualdade de acesso às vacinas entre países ricos e pobres já seria reprovável do ponto de vista moral. No entanto, a diferença entre porcentuais de cidadãos vacinados é um risco sanitário que ameaça a segurança e a economia globais. Por óbvio, uma pandemia que se alastrou pelos cinco continentes só estará controlada quando todos os países tiverem seus nacionais vacinados em escala que garanta a chamada imunidade coletiva. O GPMB registra que, em média, 63% dos cidadãos de países de alta renda já receberam ao menos uma dose da vacina contra a covid19. Nos países de baixa renda, o porcentual despenca para 4,5%.

Como o relatório aponta, a próxima pandemia viral é questão de tempo. Superado o esforço inicial descomunal para preparar os sistemas locais de saúde para a demanda inédita, salvar tantas vidas quanto foi possível e desenvolver vacinas contra o coronavírus, é primordial investigar as causas da atual pandemia e planejar as respostas a uma nova emergência sanitária. A própria OMS, que, com razão, cobra mais governança e transparência dos países, não lidou como deveria com a opacidade do governo da China. Até hoje, não se sabe exatamente a origem do Sars-cov-2. Como ter segurança de que tragédias com desdobramentos até mais nefastos não possam se abater sobre o mundo em questão de meses ou anos?

Se esses passos não forem dados, os milhões de mortes na pandemia de covid-19 terão deixado um rastro de dor, luto e indignação em vão. O mundo precisa de esperança para seguir adiante.

Pequenos em risco

Folha de S. Paulo

Estatísticas sobre mortes e estupros de crianças e jovens indicam sistema de proteção falho

Henry Borel, 4, morreu em março deste ano, num crime que chocou o país e levou ao banco dos réus seu padrasto, Jairo Souza Santos Júnior, e sua mãe, Monique Medeiros. Peritos apontam que o menino foi vítima de agressões dentro de casa.

Assim como Henry, 35 mil crianças e adolescentes perderam a vida de forma violenta entre 2016 e 2020, segundo levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), com dados extraídos de boletins de ocorrência policial.

O estudo indica que a maioria das crianças mortas no Brasil encontra em casa seus agressores. Quando os mais velhos são as vítimas, cresce a proporção de mortos nas ruas e pelas forças policiais.

É também no ambiente doméstico que muitos são atingidos por outro tipo de violência, a sexual. Entre 2017 e 2020, foram 179 mil estupros de meninos e meninas de até 19 anos, conforme o estudo.

No ano passado, casos em que a vítima do estupro era uma criança com 13 anos de idade ou menos representaram 60% de todos os episódios reportados às autoridades.

O isolamento social e o fechamento das escolas durante a pandemia de Covid-19 podem ter agravado os riscos para os pequenos, ao afastá-los de suas comunidades e outros vínculos familiares que poderiam lhes oferecer proteção.

violência doméstica contra as mães em geral é concomitante às agressões sofridas pelos filhos, o que torna ainda mais crucial o cumprimento de medidas de caráter preventivo como as previstas pela Lei Maria da Penha.

Entre crianças e adolescentes mais velhos, vislumbra-se também um padrão que segue aquele dos adultos assassinados no Brasil: são na maioria meninos e negros.

Imersos no caldeirão de violência de bairros controlados por facções e milícias, sujeitos a incursões igualmente brutais de forças policiais, muitas vezes acabam atingidos por armas de fogo dos dois lados.

Não importa se as vítimas estavam envolvidas com traficantes de drogas ou outros infratores. A legislação brasileira não imputa crimes a crianças e adolescentes —manda acolher e proteger.

Em seu conjunto, os estudos sugerem que é deficiente o sistema criado pelo país para manter crianças e jovens a salvo da violência.

Parentes, vizinhos e professores, em geral capazes de observar sinais de que algo vai mal com os pequenos em casa, compartilham o dever comunitário de zelar por quem não pode proteger a si próprio.

Cabe a conselhos tutelares, polícias, promotores e juízes a tarefa de aprimorar a capacidade de prevenir e investigar suspeitas, com as cautelas necessárias para minorar o sofrimento dos sobreviventes.

Censores da língua

Folha de S. Paulo

Governo Bolsonaro agride liberdade de expressão ao vetar linguagem neutra em projetos culturais

O incontrolável furor autoritário do governo Jair Bolsonaro perpetrou mais um ataque à liberdade de expressão no terreno da cultura, área tratada de maneira hostil pelos apoiadores do presidente desde a campanha eleitoral.

Na semana passada, o secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, André Porciuncula, publicou portaria na qual veta o uso da chamada linguagem neutra em projetos financiados com os incentivos fiscais regulados pela Lei Rouanet.

Como se sabe, desenvolveram-se nos últimos anos em vários países fórmulas para substantivos, adjetivos e pronomes que contemplem pessoas não binárias, que não se identificam com os gêneros masculino e feminino. Tais expressões, inicialmente restritas a poucos círculos, vêm ganhando espaço crescente na mídia e em produções culturais.

Controversa, a estratégia da linguagem neutra desperta acalorado debate entre os que a veem como uma espécie de agressão ao vernáculo e os que consideram a língua como organismo vivo e dinâmico, que não deve ser impermeável a novas circunstâncias e demandas sociais.

Os argumentos de Porciuncula para embasar sua decisão beiram o grotesco: "Entendemos que a linguagem neutra (que não é linguagem) está destruindo os materiais linguísticos necessários para a manutenção e difusão da cultura. E submeter a língua a um processo artificial de modificação ideológica é um crime cultural de primeira grandeza", disse ele numa rede social.

Capitão da Polícia Militar da Bahia e braço direito do secretário da Cultura, Mario Frias, ele contou com o respaldo do chefe, para quem a linguagem neutra "é mera destruição ideológica" da língua.

A pantomima dos inspetores culturais bolsonaristas mereceu também o apoio do presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, que parabenizou Frias pela decisão. "A famigerada linguagem neutra é imposição ideológica de uma minoria doutrinada e arrogante, inimiga da cultura e da inteligência", declarou.

Cada um tem direito de achar o que quiser sobre o uso do novo vocabulário, e o debate sobre o assunto vem se travando em âmbito internacional. Nada, porém, justifica proibir a utilização de tais expressões na produção cultural. A portaria de Frias e Porciuncula constitui flagrante agressão à liberdade de expressão e precisa ser revogada.

Riscos do impasse na votação da PEC dos Precatórios

Valor Econômico

Por sua preocupação com as eleições, classe política está deixando o país à deriva

O governo federal encerrou mais uma semana sem transmitir com clareza os rumos da política fiscal. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios ficou travada na Câmara, em meio a impasses sobre como tratar as dívidas da União com os Estados, relativas ao Fundef, e à enorme disputa por espaço para as emendas parlamentares e outras despesas.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), prometem a votação na quarta-feira, apesar da dificuldade em conseguir votos. O núcleo político do governo, em especial os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo), também têm entrado em campo para fazer o projeto avançar, sem obter êxito na última semana.

Em meio à indefinição sobre o futuro da PEC, novas propostas vieram à tona. Além da possibilidade de se deixar os precatórios do Fundef fora do teto de gastos, o que abriria espaço adicional de quase R$ 17 bilhões para despesas dentro do limite de despesas, voltou ao radar a possibilidade de se acionar a calamidade pública, pagando todas as despesas do programa social (seja o Auxílio Brasil, que sucederá o Bolsa Família, seja a continuação do auxílio emergencial). Essa segunda hipótese pode significar um gasto social maior, mas tende a complicar o grande objetivo dos parlamentares, que é garantir espaço para suas emendas ao Orçamento.

Em entrevista coletiva na sexta-feira, a nova equipe fiscal do Ministério da Economia, liderada pelo secretário-especial de Tesouro e Orçamento, Esteves Colnago, mostrou que a PEC, em sua configuração atual, abre espaço total para novas despesas de R$ 91,6 bilhões. Isso permitiria pagar o Auxílio Brasil de R$ 400 e ainda sobrariam alguns bilhões para outros gastos, como benefício a caminhoneiros e mais dinheiro para as tais emendas. Além disso, conforme mostrou o Valor na semana passada, o Congresso espera usar o espaço fiscal para aumentar o fundo eleitoral de R$ 2,1 bilhões para R$ 5 bilhões e incluir R$ 16 bilhões para obras de indicação dos parlamentares (as chamadas emendas de relator) na peça orçamentária de 2022.

Aparentemente esse anseio não cabe, pelo menos em sua totalidade, no atual desenho da PEC, que, curiosamente, apesar de ter sido o estopim para a saída de dois secretários da Economia, passou a ser defendida pelos novos técnicos. Isso mesmo com o espaço estimado na Economia sendo quase R$ 10 bilhões maior do que o anunciado pelo relator.

Colnago, que antes era assessor especial de Guedes, tratou a PEC como único plano da área econômica e, a cada questão que falava das alternativas discutidas no Congresso, reiterava como um mantra que a pasta só trabalhava com o texto do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB).

Ficou clara a tentativa da nova equipe técnica em circunscrever os danos àquilo que já causou bastante tumulto no mercado. Na entrevista, os secretários salientaram que o texto atual não muda a tendência de melhora dos dados fiscais, ainda que atenue sua trajetória.

Apesar do mantra de Colnago sobre não haver plano alternativo e do cenário fiscal demonstrado, os riscos político-fiscais seguem presentes. E neste sentido, o alerta mais importante precisa ser dado à área política, tanto no governo quanto no Congresso: os movimentos do mercado e a reação do Banco Central sancionando pelo menos parte da alta dos juros mostram que a questão fiscal não pode ser tratada levianamente.

É evidente a necessidade de um programa social mais robusto neste período de inflação alta. E é natural que governo e Congresso discutam outras medidas, como o apoio aos caminhoneiros, que estão prestes a deflagrar uma nova greve.

Mas a renhida disputa por mais emendas além das que já estão previstas no Orçamento - causa maior do impasse do momento - denota uma falta de percepção da classe política sobre os efeitos que estão causando à economia, os quais serão tanto maiores quanto mais tempo durar essa indefinição. Por suas preocupações com as eleições, estão deixando o país à deriva.

Esses impactos serão nefastos se o caminho for utilizar o impasse para forçar um aumento das famigeradas emendas do relator-geral do Orçamento. Sem transparência e com um controle frágil, esse dispositivo sequer deveria existir nos moldes atuais. O STF poderia, inclusive, aproveitar esta oportunidade e também tomar uma posição sobre isso, exigindo maior detalhamento desses gastos. Ajudaria a balizar o atual debate, além de reduzir o risco de a PEC dos Precatórios ser usada de forma ainda mais questionável.

 

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