EDITORIAIS
O medo é o pior dos conselheiros
O Estado de S. Paulo
A reeleição de Bolsonaro ou o retorno de Lula ao poder suscitam temores justificados. Mas uma nova via precisa ser construída sobre a esperança
Lula e Bolsonaro suscitam temores. Nova via
deve ser construída sobre a esperança.
Após quatro mandatos de um governo
populista à esquerda e um mandato de sua contraparte populista à direita, os
altos índices de rejeição aos dois candidatos que lideram as pesquisas para a
eleição de 2022 revelam que boa parte da sociedade a vê como uma oportunidade
de renovação da política.
A reeleição de Jair Bolsonaro significaria
a manutenção de uma crassa incompetência administrativa e da maior ameaça à
democracia brasileira desde 1964. O retorno do lulopetismo significaria
reeditar uma agenda que negligenciou as condições para o desenvolvimento
sustentável, alimentou o corporativismo e o clientelismo, disseminou ainda mais
a corrupção endêmica, precipitou o País na maior recessão de sua história e,
por último, mas não menos importante, inflamou o sectarismo que alçou Bolsonaro
ao poder.
Ante a erosão econômica, social e moral
provocada pelo lulopetismo e agravada pela incúria e o autoritarismo de
Bolsonaro, o empresariado tem se mobilizado cada vez mais em nome do interesse
público, seja em defesa dos alicerces democráticos, como nos manifestos contra
as agressões do presidente às instituições republicanas, seja em apoio a
políticas públicas inovadoras de inclusão social, meio ambiente ou educação.
“Vejo um crescente envolvimento da
sociedade na política. Vejo mais gente querendo se candidatar a cargos
públicos”, disse ao Estado o empresário Fabio Barbosa, que foi signatário de um
manifesto em apoio ao sistema eleitoral e participa de grupos de executivos
empenhados em promover a racionalidade no debate político. “Eu quero que as
pessoas votem por acreditar, e não por ter medo.”
Foi o medo de um quinto mandato lulopetista que alavancou o apoio de parte do empresariado a Bolsonaro em 2018. Aqueles que se deixaram enganar pelas promessas fajutas de liberalismo de Paulo Guedes já perceberam que ele só entregou demagogia. Barbosa lembrou os malogros do governo, incapaz de dar o devido arranque ao novo marco do saneamento básico ou encampar privatizações e reformas, como a tributária e a administrativa. Hoje, a política econômica é refém dos interesses patrimonialistas do Centrão e do projeto de poder de Bolsonaro.
A esquerda, por sua vez, “se apropriou
indevidamente do monopólio do discurso do bem social”, como lembrou Barbosa.
Essa apropriação, retoricamente alimentada pela vilanização da iniciativa
privada, serviu na prática ao aparelhamento de um Estado cujos pedaços foram
distribuídos a políticos corruptos e empresários gananciosos. O PT se jacta de
ter se servido do superciclo das commodities para ampliar os programas sociais
gestados na administração FHC. Mas esses programas não foram estruturados para
alavancar a independência de seus beneficiários. Além disso, os investimentos
em infraestrutura e capital humano foram negligenciados e a irresponsabilidade
fiscal arruinou as contas públicas, levando à deterioração da renda e ao
desemprego recorde. Em outras palavras, se o lulopetismo deu um pouco às
populações carentes com uma mão, tirou muito mais com a outra.
Ante o fracasso dos modelos populistas, é
compreensível o temor que aflige a parte mais sensata do eleitorado. Mas,
carentes de propostas, os dois adversários se valem justamente do medo um do
outro para retroalimentar suas ambições eleitorais. Assim como a campanha
bolsonarista foi e é fundada sobre o antipetismo, a campanha petista se resume
ao antibolsonarismo.
A esperança pode vencer o medo. Mas, para
isso, os candidatos que se apresentarem como seus portadores precisarão propor
uma agenda modernizante. Não, porém, costurada nos recessos das cúpulas
partidárias, e sim com as lideranças da sociedade civil. As articulações
políticas que resgataram a democracia do País nas “Diretas Já” e superaram as
grandes crises da Nova República com os impeachments de Fernando Collor e Dilma
Rousseff foram erguidas sobre uma mobilização cívica. Só com essa mobilização
será possível evitar que o lulopetismo e o bolsonarismo perpetuem a crise que
eles fabricaram e colocar o País nos trilhos do desenvolvimento.
As lições ignoradas da pandemia
O Estado de S. Paulo
Há escassa evidência de que os países
estejam aprendendo as lições certas a partir da pandemia, a despeito da morte
de um número tão grande de pessoas
A pandemia de covid-19 já matou cerca de 5
milhões de pessoas no mundo inteiro (mais de 607 mil apenas no Brasil). De
longe, esse é o maior dos males infligidos pelo coronavírus. Mas, como se isso
não bastasse, a crise sanitária também arruinou sistemas de saúde, destruiu
economias mais frágeis e privou milhões de crianças e jovens pobres de acesso à
educação, comprometendo o futuro de uma geração em grau ainda por ser
devidamente mensurado.
Em suma, a pandemia criou formas de
desigualdade econômica e social e aprofundou outras já existentes, não só em
cada um dos países afetados, o Brasil entre eles, mas em nível global. Quão
profundas serão as desigualdades entre cidadãos e países no futuro próximo –
vale dizer, por quanto tempo perdurarão os efeitos perversos da crise sanitária
antes de uma recuperação mais equânime e consistente – dependerá
fundamentalmente das lições aprendidas por governos e organizações da sociedade
civil a partir dessa tragédia. Há fortes razões para preocupação.
O recém-publicado relatório anual do
Conselho de Monitoramento de Preparação Global (GPMB, na sigla em inglês),
criado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Banco Mundial para
monitorar e cobrar ações de preparação dos países para responder a crises
globais na área da saúde, indica que o mundo está “lamentavelmente
despreparado” não apenas para dar cabo da atual pandemia, mas, principalmente,
para lidar melhor com os efeitos da próxima, cuja eclosão é mera questão de
tempo.
Os membros do conselho concluíram que há
“escassa evidência” de que os países estejam aprendendo as “lições certas” a
partir da crise sanitária global, a despeito da morte de um número tão grande
de pessoas. Ao jornal Financial
Times, um dos líderes do GPMB, o senegalês
Elhadj As Sy, destacou que os avanços científicos no desenvolvimento das
vacinas são motivos de orgulho, mas que todos “devemos nos sentir profundamente
envergonhados diante das múltiplas tragédias ocasionadas pela pandemia, como a
acumulação de vacinas”.
No relatório, o GPMB classifica como
“exemplo mais flagrante de disfunção” no enfrentamento global da pandemia a
competição desenfreada entre países por acesso às vacinas, o que, na visão do conselho,
criou um abismo entre a imunização em países ricos e pobres que, ao fim e ao
cabo, favoreceu o surgimento de novas variantes do coronavírus, o agravamento
da pandemia e o aumento do número de mortos. De forma direta, com base em
ciência e em linguagem elegante, o que o GPMB está dizendo é que lideranças
globais simplesmente ignoraram a essência do que vem a ser uma pandemia.
A profunda desigualdade de acesso às
vacinas entre países ricos e pobres já seria reprovável do ponto de vista
moral. No entanto, a diferença entre porcentuais de cidadãos vacinados é um
risco sanitário que ameaça a segurança e a economia globais. Por óbvio, uma
pandemia que se alastrou pelos cinco continentes só estará controlada quando
todos os países tiverem seus nacionais vacinados em escala que garanta a
chamada imunidade coletiva. O GPMB registra que, em média, 63% dos cidadãos de
países de alta renda já receberam ao menos uma dose da vacina contra a covid19.
Nos países de baixa renda, o porcentual despenca para 4,5%.
Como o relatório aponta, a próxima pandemia
viral é questão de tempo. Superado o esforço inicial descomunal para preparar
os sistemas locais de saúde para a demanda inédita, salvar tantas vidas quanto
foi possível e desenvolver vacinas contra o coronavírus, é primordial
investigar as causas da atual pandemia e planejar as respostas a uma nova
emergência sanitária. A própria OMS, que, com razão, cobra mais governança e
transparência dos países, não lidou como deveria com a opacidade do governo da
China. Até hoje, não se sabe exatamente a origem do Sars-cov-2. Como ter
segurança de que tragédias com desdobramentos até mais nefastos não possam se
abater sobre o mundo em questão de meses ou anos?
Se esses passos não forem dados, os milhões de mortes na pandemia de covid-19 terão deixado um rastro de dor, luto e indignação em vão. O mundo precisa de esperança para seguir adiante.
Pequenos em risco
Folha de S. Paulo
Estatísticas sobre mortes e estupros de
crianças e jovens indicam sistema de proteção falho
Henry Borel, 4, morreu em março deste ano,
num crime
que chocou o país e levou ao banco dos réus seu padrasto, Jairo Souza
Santos Júnior, e sua mãe, Monique Medeiros. Peritos apontam que o menino foi
vítima de agressões dentro de casa.
Assim como Henry, 35 mil crianças e
adolescentes perderam
a vida de forma violenta entre 2016 e 2020, segundo levantamento feito
pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Unicef (Fundo das Nações
Unidas para a Infância), com dados extraídos de boletins de ocorrência
policial.
O estudo indica que a maioria das crianças
mortas no Brasil encontra em casa seus agressores. Quando os mais velhos são as
vítimas, cresce a proporção de mortos nas ruas e pelas forças policiais.
É também no ambiente doméstico que muitos
são atingidos por outro tipo de violência, a sexual. Entre 2017 e 2020, foram
179 mil estupros de meninos e meninas de até 19 anos, conforme o estudo.
No ano passado, casos em que a vítima
do estupro era uma criança com 13 anos de idade ou menos representaram
60% de todos os episódios reportados às autoridades.
O isolamento social e o fechamento das
escolas durante a pandemia de Covid-19 podem ter agravado os riscos para os
pequenos, ao afastá-los de suas comunidades e outros vínculos familiares que
poderiam lhes oferecer proteção.
A violência
doméstica contra as mães em geral é concomitante às agressões sofridas
pelos filhos, o que torna ainda mais crucial o cumprimento de medidas de
caráter preventivo como as previstas pela Lei Maria da Penha.
Entre crianças e adolescentes mais velhos,
vislumbra-se também um padrão que segue aquele dos adultos assassinados no
Brasil: são na maioria meninos e negros.
Imersos no caldeirão de violência de
bairros controlados por facções e milícias, sujeitos a incursões igualmente
brutais de forças policiais, muitas vezes acabam atingidos por armas de fogo
dos dois lados.
Não importa se as vítimas estavam
envolvidas com traficantes de drogas ou outros infratores. A legislação
brasileira não imputa crimes a crianças e adolescentes —manda acolher e
proteger.
Em seu conjunto, os estudos sugerem que é
deficiente o sistema criado pelo país para manter crianças e jovens a salvo da
violência.
Parentes, vizinhos e professores, em geral
capazes de observar sinais de que algo vai mal com os pequenos em casa,
compartilham o dever comunitário de zelar por quem não pode proteger a si próprio.
Cabe a conselhos tutelares, polícias,
promotores e juízes a tarefa de aprimorar a capacidade de prevenir e investigar
suspeitas, com as cautelas necessárias para minorar o sofrimento dos
sobreviventes.
Censores da língua
Folha de S. Paulo
Governo Bolsonaro agride liberdade de
expressão ao vetar linguagem neutra em projetos culturais
O incontrolável furor autoritário do
governo Jair Bolsonaro perpetrou mais um ataque à liberdade de expressão no
terreno da cultura, área tratada de maneira hostil pelos apoiadores do
presidente desde a campanha eleitoral.
Na semana passada, o secretário de Fomento
e Incentivo à Cultura, André
Porciuncula, publicou portaria na qual veta o uso da chamada linguagem
neutra em projetos financiados com os incentivos fiscais regulados
pela Lei Rouanet.
Como se sabe, desenvolveram-se nos últimos
anos em vários países fórmulas para substantivos, adjetivos e pronomes que
contemplem pessoas não binárias, que não se identificam com os gêneros masculino
e feminino. Tais expressões, inicialmente restritas a poucos círculos, vêm
ganhando espaço crescente na mídia e em produções culturais.
Controversa, a estratégia da linguagem
neutra desperta acalorado debate entre os que a veem como uma espécie
de agressão ao vernáculo e os que consideram a língua como organismo
vivo e dinâmico, que não deve ser impermeável a novas circunstâncias e
demandas sociais.
Os argumentos de Porciuncula para embasar
sua decisão beiram o grotesco: "Entendemos que a linguagem neutra (que não
é linguagem) está destruindo os materiais linguísticos necessários para a
manutenção e difusão da cultura. E submeter a língua a um processo artificial
de modificação ideológica é um crime cultural de primeira grandeza", disse
ele numa rede social.
Capitão da Polícia Militar da Bahia e braço
direito do secretário da Cultura, Mario
Frias, ele contou com o respaldo do chefe, para quem a linguagem neutra
"é mera destruição ideológica" da língua.
A pantomima dos inspetores culturais
bolsonaristas mereceu também o apoio do presidente da Fundação Palmares, Sérgio
Camargo, que parabenizou Frias pela decisão. "A famigerada linguagem
neutra é imposição ideológica de uma minoria doutrinada e arrogante, inimiga da
cultura e da inteligência", declarou.
Cada um tem direito de achar o que quiser
sobre o uso do novo vocabulário, e o debate sobre o assunto vem se travando em
âmbito internacional. Nada, porém, justifica proibir a utilização de tais
expressões na produção cultural. A portaria de Frias e Porciuncula constitui
flagrante agressão à liberdade de expressão e precisa ser revogada.
Riscos do impasse na votação da PEC dos
Precatórios
Valor Econômico
Por sua preocupação com as eleições, classe
política está deixando o país à deriva
O governo federal encerrou mais uma semana
sem transmitir com clareza os rumos da política fiscal. A Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) dos Precatórios ficou travada na Câmara, em meio a
impasses sobre como tratar as dívidas da União com os Estados, relativas ao
Fundef, e à enorme disputa por espaço para as emendas parlamentares e outras
despesas.
O presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), e o líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), prometem a
votação na quarta-feira, apesar da dificuldade em conseguir votos. O núcleo
político do governo, em especial os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e
Flávia Arruda (Secretaria de Governo), também têm entrado em campo para fazer o
projeto avançar, sem obter êxito na última semana.
Em meio à indefinição sobre o futuro da
PEC, novas propostas vieram à tona. Além da possibilidade de se deixar os
precatórios do Fundef fora do teto de gastos, o que abriria espaço adicional de
quase R$ 17 bilhões para despesas dentro do limite de despesas, voltou ao radar
a possibilidade de se acionar a calamidade pública, pagando todas as despesas do
programa social (seja o Auxílio Brasil, que sucederá o Bolsa Família, seja a
continuação do auxílio emergencial). Essa segunda hipótese pode significar um
gasto social maior, mas tende a complicar o grande objetivo dos parlamentares,
que é garantir espaço para suas emendas ao Orçamento.
Em entrevista coletiva na sexta-feira, a
nova equipe fiscal do Ministério da Economia, liderada pelo secretário-especial
de Tesouro e Orçamento, Esteves Colnago, mostrou que a PEC, em sua configuração
atual, abre espaço total para novas despesas de R$ 91,6 bilhões. Isso
permitiria pagar o Auxílio Brasil de R$ 400 e ainda sobrariam alguns bilhões
para outros gastos, como benefício a caminhoneiros e mais dinheiro para as tais
emendas. Além disso, conforme mostrou o Valor na semana passada, o Congresso espera
usar o espaço fiscal para aumentar o fundo eleitoral de R$ 2,1 bilhões para R$
5 bilhões e incluir R$ 16 bilhões para obras de indicação dos parlamentares (as
chamadas emendas de relator) na peça orçamentária de 2022.
Aparentemente esse anseio não cabe, pelo
menos em sua totalidade, no atual desenho da PEC, que, curiosamente, apesar de
ter sido o estopim para a saída de dois secretários da Economia, passou a ser
defendida pelos novos técnicos. Isso mesmo com o espaço estimado na Economia
sendo quase R$ 10 bilhões maior do que o anunciado pelo relator.
Colnago, que antes era assessor especial de
Guedes, tratou a PEC como único plano da área econômica e, a cada questão que
falava das alternativas discutidas no Congresso, reiterava como um mantra que a
pasta só trabalhava com o texto do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB).
Ficou clara a tentativa da nova equipe
técnica em circunscrever os danos àquilo que já causou bastante tumulto no
mercado. Na entrevista, os secretários salientaram que o texto atual não muda a
tendência de melhora dos dados fiscais, ainda que atenue sua trajetória.
Apesar do mantra de Colnago sobre não haver
plano alternativo e do cenário fiscal demonstrado, os riscos político-fiscais
seguem presentes. E neste sentido, o alerta mais importante precisa ser dado à
área política, tanto no governo quanto no Congresso: os movimentos do mercado e
a reação do Banco Central sancionando pelo menos parte da alta dos juros
mostram que a questão fiscal não pode ser tratada levianamente.
É evidente a necessidade de um programa
social mais robusto neste período de inflação alta. E é natural que governo e
Congresso discutam outras medidas, como o apoio aos caminhoneiros, que estão
prestes a deflagrar uma nova greve.
Mas a renhida disputa por mais emendas além
das que já estão previstas no Orçamento - causa maior do impasse do momento -
denota uma falta de percepção da classe política sobre os efeitos que estão
causando à economia, os quais serão tanto maiores quanto mais tempo durar essa
indefinição. Por suas preocupações com as eleições, estão deixando o país à
deriva.
Esses impactos serão nefastos se o caminho
for utilizar o impasse para forçar um aumento das famigeradas emendas do
relator-geral do Orçamento. Sem transparência e com um controle frágil, esse
dispositivo sequer deveria existir nos moldes atuais. O STF poderia, inclusive,
aproveitar esta oportunidade e também tomar uma posição sobre isso, exigindo
maior detalhamento desses gastos. Ajudaria a balizar o atual debate, além de
reduzir o risco de a PEC dos Precatórios ser usada de forma ainda mais
questionável.
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