O Estado de S. Paulo
Para a IFI, órgão ligado ao Senado, avanço
da receita com impostos não é duradouro, o que pede cautela nos gastos
Não há motivo para acreditar que a
arrecadação do governo vai manter a atual dinâmica de forte crescimento, indica
estudo elaborado pela Instituição Fiscal Independente (IFI), que alerta para a
necessidade de prudência do Congresso com medidas de aumento permanente de
despesas e de corte de receitas.
Os economistas da IFI, órgão do Senado
Federal com autonomia para analisar as contas públicas, se debruçaram sobre
esse tema num momento em que o aumento nominal da arrecadação, puxado
principalmente pela disparada da inflação, tem sido alardeado como
justificativa para a redução da carga tributária – como ocorreu no debate sobre
o projeto de reforma do Imposto de Renda. Para a IFI, porém, essa mesma
inflação vai provocar elevação mais forte dos juros, com impacto direto no PIB
do País.
O órgão do Senado calculou a resposta de longo prazo da receita pública a uma variação de 1% do PIB, fenômeno que no jargão econômico é chamado de “elasticidade”.
Hoje, a velocidade de curto prazo do
crescimento da arrecadação está em 1,5% para cada 1% do PIB. Ou seja, se a
atividade econômica cresce 1%, a arrecadação do governo aumenta num ritmo
maior, de 1,5%.
Nos próximos anos, a IFI, no entanto,
estima uma “elasticidade” bem menor, com a receita crescendo de forma mais
moderada, caindo de 1,5% para 0,9% a cada 1% de variação do PIB. Os dados
consideraram dois cenários: quando o crescimento econômico é inferior ao seu
potencial e quando a economia está sobreaquecida, operando acima dele.
“Olhando para esse crescimento acelerado de
agora, a mensagem é de que não podemos criar novas despesas permanentes achando
que esse desempenho da receita vai perdurar”, diz Alessandro Casalecch, um dos
autores do trabalho.
Segundo ele, a receita vai voltar a crescer
de forma mais moderada, o que exige que novas despesas tenham contrapartidas
sólidas do lado das receitas. “O risco é passar a acreditar que a receita vai
começar a crescer aceleradamente e tratar o cenário conjuntural como se fosse
estrutural”, ressalta.
‘PRESSÃO ARTERIAL’. Casalecch comparou o
trabalho feito pela IFI, com uso de modelos estatísticos, à medição da pressão
arterial que é usada para avaliar as condições de saúde de uma pessoa. “Não é
ideal medir a pressão sanguínea logo em seguida de uma atividade física. Tem de
monitorar na atividade física, em repouso e diversas outras ocasiões para tirar
uma média”, diz.
Foi o que fez a IFI ao analisar a resposta
da arrecadação num prazo mais longo. “Tem de diferenciar os movimentos de curto
prazo e os de longo prazo”, diz Rafael Bacciottii, que também trabalhou no
estudo, que será publicado hoje e foi antecipado ao Estadão. Essas diferenças
acontecem por conta das diversas características do sistema tributário e da
economia. Os diferentes setores da economia – agricultura, indústria e serviços
– estão sujeitos a cargas tributárias diferentes.
Bacciottii conta que a IFI aperfeiçoou a
sua metodologia utilizando previsões com horizontes mais longos. A proposta do
estudo é qualificar o debate sobre a recuperação da arrecadação neste momento
pós-recessão, depois do tombo provocado pelos efeitos da pandemia da covid-19.
Os estudos mostram que é preciso um superávit de 1% do PIB para conseguir
estabilizar o crescimento atual da dívida pública.
‘EUFORIA’. No Congresso e também no
governo, há uma espécie de “euforia” com o incremento forte da arrecadação e os
recordes batidos pela Receita Federal. O próprio ministro da Economia, Paulo
Guedes, tem citado esse desempenho favorável como base para bancar a redução da
arrecadação do IR com o projeto aprovado pela Câmara e ainda em tramitação no
Senado.
“A melhora fiscal recente é ilusória. No seu DNA, está ali claramente identificada a inflação acelerada. Não é movimento duradouro. Os juros já voltaram a subir, e muito, com aumento da relação dívida e PIB entre agosto e setembro”, diz Felipe Salto, diretor-executivo da IFI, para quem a arrecadação alta ilude.
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