Valor Econômico
O pior inimigo de Bolsonaro nas eleições
será a inflação, que se junta às sandices relacionadas à pandemia
No limiar de 2022, dois anos depois da
humanidade ter sido assolada pelo coronavírus, o horizonte econômico mundial
permanece instável. A variante ômicron jogou um balde de água fria nas
previsões que contavam com a continuidade do processo de recuperação visível ao
longo do ano passado.
Muitos acreditavam que apesar do rápido
ressurgimento da inflação, o equilíbrio entre oferta e demanda tenderia a ser
gradualmente restabelecido, na medida em que caísse o nível de contaminação da
covid-19. No meio do caminho, porém, surgiu uma pedra, algo imprevisível como
tem sido a gangorra do ora melhor, ora pior, prevalecente desde que o virulento
“inimigo” começou a espalhar-se por todos os cantos.
Ontem, em seu relatório mensal, o Purchasing Managers’ Index (PMI) - ou Índice de Compras dos Gerentes de empresas, em tradução livre - atribuiu à ômicron os problemas que ainda comprometem as projeções. O setor de serviços, cuja trajetória no ano passado registrou uma retomada acima do crescimento do setor manufatureiro, voltou a ser impactado pela rápida contaminação da nova variante.
Já a indústria produtora de bens físicos
deve continuar refém dos gargalos nas cadeias de fornecimento de insumos e
matérias primas. Plástico, metais, semicondutores, madeira e produtos químicos
são os mais afetados desde o início da pandemia. Não à toa, os fretes marítimos
mantêm-se em altos níveis, o que agrega um elemento a mais de pressão para o
aumento de preços, de modo geral.
Antes de continuar, vale esclarecer que o
PMI é calculado pela empresa IHS Markit, com sede em Londres. Funciona como um
proxy para o comportamento da economia. O índice é obtido a partir de
informações prestadas por executivos de empresas privadas localizadas em mais
de 40 países.
No relatório de ontem, o PMI mostra que o
setor financeiro passou à primeira posição no ranking da produção global por
setores em dezembro, enquanto que o de cuidados com a saúde ficou em segundo. O
setor de bens de consumo subiu rapidamente para a terceira posição no mês
passado, enquanto que o de serviços caiu vertiginosamente para o último lugar.
O sub-setor de metais e mineração, seguido de telecomunicações e de turismo,
aparecem na rabeira.
Não deve surpreender o fato de o setor
financeiro ter tomado a frente na produção global. Por um lado, a significativa
expansão observada no segmento imobiliário no mundo ajuda a puxar para cima o
crédito bancário. Além disso, o Fed - o banco central dos Estados Unidos - já
indicou que vai aumentar a taxa de juros de suas operações com o mercado ao
longo deste ano. Significa menor liquidez no mercado, aumento nas taxas de
longo prazo dos títulos do Tesouro americano e, consequentemente, resultado
negativo entre entradas e saídas de capital estrangeiro nos países periféricos.
Isso, claro, contribui para pressionar
ainda mais a taxa de câmbio nas economias em desenvolvimento, o que resulta em
mais inflação. Para países como o Brasil já não há dúvida de que a trajetória
ascendente dos juros será a única alternativa para lidar com a alta dos preços
e trazer as expectativas para o nível da meta de inflação. A menos que o Banco
Central queira fazer uso dos dólares da vasta reserva internacional do país com
vistas a amenizar a pressão sobre o câmbio e dirimir assim o impacto da
contração monetária sobre a atividade econômica.
“A ampla inflação salarial nos Estados
Unidos ou a persistência dos gargalos na oferta podem impulsionar os preços
para além do que foi antecipado e alimentar expectativas para uma inflação mais
rápida. Em resposta, a aceleração do aumento da taxa de juros pelo Fed pode
agitar os mercados financeiros e estreitar as condições de financiamento em
termos globais. Isso tende a diminuir a demanda e o comércio nos Estados Unidos
e eventualmente redundar em saída de capitais e depreciação da moeda nos países
emergentes”, dizem analistas do FMI no artigo publicado ontem sob o título
“Emerging Economies must prepare for Fed Policy Tightening” - As Economias
Emergentes devem preparar-se para o aperto da política do Fed.
A alta dos salários nos EUA decorre da
dificuldade de contratação de mão de obra que, junto ao auxílio distribuído às
famílias na pandemia, tem sido forte foco de pressão sobre os preços. Isto
tende a agravar-se com o reajuste de US$ 10,95 para US$ 15 do valor mínimo da
hora para trabalhadores terceirizados do governo federal, com vigência a partir
de abril.
Do ponto de vista político, o cenário não é
nada alentador para quem está a cargo da chefia dos governos, em especial em ano
eleitoral. Desde o Plano Cruzado, os brasileiros aprenderam a valorar a
estabilidade como um bem maior a ser preservado. O pior inimigo de Bolsonaro
nas eleições deste ano será sem dúvida a inflação que, na conjuntura vigente,
se junta às sandices relacionadas à pandemia. O sucesso da política monetária
não traria alívio, uma vez que viria ao custo de maior desemprego.
A nível global é possível vislumbrar uma
luz no fim do túnel. Boa parte dos economistas prevê que até meados deste ano
as cadeias de fornecimento terão voltado ao fluxo normal. O segundo semestre de
2022 marcaria a retomada de um processo contínuo de recuperação econômica em
quadro de queda da inflação. Isso, obviamente, se nenhuma nova variante da
covid-19 aparecer para embaralhar as perspectivas.
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