terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Maria Clara R. M. do Prado: Instabilidade persiste em 2022

Valor Econômico

O pior inimigo de Bolsonaro nas eleições será a inflação, que se junta às sandices relacionadas à pandemia

No limiar de 2022, dois anos depois da humanidade ter sido assolada pelo coronavírus, o horizonte econômico mundial permanece instável. A variante ômicron jogou um balde de água fria nas previsões que contavam com a continuidade do processo de recuperação visível ao longo do ano passado.

Muitos acreditavam que apesar do rápido ressurgimento da inflação, o equilíbrio entre oferta e demanda tenderia a ser gradualmente restabelecido, na medida em que caísse o nível de contaminação da covid-19. No meio do caminho, porém, surgiu uma pedra, algo imprevisível como tem sido a gangorra do ora melhor, ora pior, prevalecente desde que o virulento “inimigo” começou a espalhar-se por todos os cantos.

Ontem, em seu relatório mensal, o Purchasing Managers’ Index (PMI) - ou Índice de Compras dos Gerentes de empresas, em tradução livre - atribuiu à ômicron os problemas que ainda comprometem as projeções. O setor de serviços, cuja trajetória no ano passado registrou uma retomada acima do crescimento do setor manufatureiro, voltou a ser impactado pela rápida contaminação da nova variante.

Já a indústria produtora de bens físicos deve continuar refém dos gargalos nas cadeias de fornecimento de insumos e matérias primas. Plástico, metais, semicondutores, madeira e produtos químicos são os mais afetados desde o início da pandemia. Não à toa, os fretes marítimos mantêm-se em altos níveis, o que agrega um elemento a mais de pressão para o aumento de preços, de modo geral.

Antes de continuar, vale esclarecer que o PMI é calculado pela empresa IHS Markit, com sede em Londres. Funciona como um proxy para o comportamento da economia. O índice é obtido a partir de informações prestadas por executivos de empresas privadas localizadas em mais de 40 países.

No relatório de ontem, o PMI mostra que o setor financeiro passou à primeira posição no ranking da produção global por setores em dezembro, enquanto que o de cuidados com a saúde ficou em segundo. O setor de bens de consumo subiu rapidamente para a terceira posição no mês passado, enquanto que o de serviços caiu vertiginosamente para o último lugar. O sub-setor de metais e mineração, seguido de telecomunicações e de turismo, aparecem na rabeira.

Não deve surpreender o fato de o setor financeiro ter tomado a frente na produção global. Por um lado, a significativa expansão observada no segmento imobiliário no mundo ajuda a puxar para cima o crédito bancário. Além disso, o Fed - o banco central dos Estados Unidos - já indicou que vai aumentar a taxa de juros de suas operações com o mercado ao longo deste ano. Significa menor liquidez no mercado, aumento nas taxas de longo prazo dos títulos do Tesouro americano e, consequentemente, resultado negativo entre entradas e saídas de capital estrangeiro nos países periféricos.

Isso, claro, contribui para pressionar ainda mais a taxa de câmbio nas economias em desenvolvimento, o que resulta em mais inflação. Para países como o Brasil já não há dúvida de que a trajetória ascendente dos juros será a única alternativa para lidar com a alta dos preços e trazer as expectativas para o nível da meta de inflação. A menos que o Banco Central queira fazer uso dos dólares da vasta reserva internacional do país com vistas a amenizar a pressão sobre o câmbio e dirimir assim o impacto da contração monetária sobre a atividade econômica.

“A ampla inflação salarial nos Estados Unidos ou a persistência dos gargalos na oferta podem impulsionar os preços para além do que foi antecipado e alimentar expectativas para uma inflação mais rápida. Em resposta, a aceleração do aumento da taxa de juros pelo Fed pode agitar os mercados financeiros e estreitar as condições de financiamento em termos globais. Isso tende a diminuir a demanda e o comércio nos Estados Unidos e eventualmente redundar em saída de capitais e depreciação da moeda nos países emergentes”, dizem analistas do FMI no artigo publicado ontem sob o título “Emerging Economies must prepare for Fed Policy Tightening” - As Economias Emergentes devem preparar-se para o aperto da política do Fed.

A alta dos salários nos EUA decorre da dificuldade de contratação de mão de obra que, junto ao auxílio distribuído às famílias na pandemia, tem sido forte foco de pressão sobre os preços. Isto tende a agravar-se com o reajuste de US$ 10,95 para US$ 15 do valor mínimo da hora para trabalhadores terceirizados do governo federal, com vigência a partir de abril.

Do ponto de vista político, o cenário não é nada alentador para quem está a cargo da chefia dos governos, em especial em ano eleitoral. Desde o Plano Cruzado, os brasileiros aprenderam a valorar a estabilidade como um bem maior a ser preservado. O pior inimigo de Bolsonaro nas eleições deste ano será sem dúvida a inflação que, na conjuntura vigente, se junta às sandices relacionadas à pandemia. O sucesso da política monetária não traria alívio, uma vez que viria ao custo de maior desemprego.

A nível global é possível vislumbrar uma luz no fim do túnel. Boa parte dos economistas prevê que até meados deste ano as cadeias de fornecimento terão voltado ao fluxo normal. O segundo semestre de 2022 marcaria a retomada de um processo contínuo de recuperação econômica em quadro de queda da inflação. Isso, obviamente, se nenhuma nova variante da covid-19 aparecer para embaralhar as perspectivas.

 

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