terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Carlos Andreazza: Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim

O Globo

O Congresso — o Congresso reformista (não era isso?) de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco — cortou mais de 50% da verba originalmente destinada ao Ministério da Economia no Orçamento de 2022. Cerca de R$ 2,5 bilhões. Nenhum outro sofreu perda de recursos maior.

Registre-se, para ilustrar o esculacho, que a dotação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) foi reduzida a menos da metade, o que, a permanecer, prejudicará o trabalho de acompanhamento do (próximo) meteoro dos precatórios; gestão cujas falhas no passado criariam as circunstâncias oportunistas à aprovação de uma PEC que, por meio da constitucionalização das pedaladas fiscais e de exceções à Lei de Responsabilidade Fiscal, destelhou o teto de gastos e desbastou terreno ao modelo de Orçamento sonhado por Bolsonaro e seus ciros nogueiras em ano de eleições, com fundão eleitoral recorde e orçamento secreto formalizado: corporativista e eleitoreiro.

Assim, temos o Orçamento de 22 — viabilizado pela instrumentalização da necessidade real de assistir os mais pobres — forjando as condições, sob o potencial apagão de órgãos como a PGFN, para novas PECs dos Precatórios. Seria piada, não fosse letal. Ou não estará a peste — de combate mais uma vez não priorizado — ainda entre nós?

O orçamento da Saúde — a persistir o arranjo do Parlamento — cairá acima de 30%.

Antes de avançarmos sobre o caráter desses cortes, uma palavra acerca da natureza corporativista do Orçamento. Veja-se a pressão da elite do funcionalismo público federal — da parte não contemplada pelo presidente — por reajuste salarial. A história é conhecida. A brecha para aumentos no ano eleitoral fora aberta pela PEC Emergencial de Paulo Guedes — a do fiscalismo do amanhã, cujo peculiar rigor terá efeito talvez em 2024. E então pela PEC dos Precatórios.

Em novembro, Bolsonaro — ante a projeção do espaço fiscal arrombado pela PEC — prometera reajuste a todos. Era o bode na sala. A sociedade protestou. E logo se tiraria o bicho para assegurar o que sempre fora meta: aumento apenas para as categorias que compõem a base social bolsonarista. Acerto seletivo costurado por Guedes em reuniões com lideranças da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal. Depois, o ministro viajou. Ajeitou o ambiente à rebelião dos grupos não beneficiados — e foi em férias.

Agora, oh!, o Planalto vê influência político-eleitoral nas ameaças de paralisações e greves das categorias que reivindicam aumentos. Que tal? É inversão cínica da ordem. O governo decide dar reajustes, no ano eleitoral, à porção do funcionalismo que integra sua rede de influência — e acusa os que querem o mesmo de promover desestabilização para fins eleitorais.

Foi o Planalto, com a participação direta de Guedes, a abrir a porteira e tocar a correria que desestabiliza — até o mercado financeiro. A partir da PEC dos Precatórios, com o pasto para a boiada escancarado, o risco fiscal desdobra-se no temor de reajustes salariais sob efeito dominó (e cascata).

De volta ao balanço orçamentário dos ministérios, expressão da perna eleitoreira do Orçamento de 22, acrescente-se que, ao contrário do rebaixamento de recursos da Economia, pastas como as da Cidadania, do Trabalho e da Infraestrutura tiveram, via Congresso, acréscimo significativo de verbas. A cota do ministério de João Roma, em campanha para governador da Bahia, cresceu em 80%. A da pasta de Onyx Lorenzoni, pretenso concorrente ao governo do Rio Grande do Sul, em 56%. A de Tarcísio de Freitas, escolhido de Bolsonaro para disputar o comando de São Paulo, em 12%.

O presidente ainda pode vetar as mudanças. A ver. Aqui, porém, importa analisar a tesourada — que, prosperando, minará a atividade de um ministério, o da Economia, já comprometido pela incompetência — à luz da reação do time de Guedes: a tunga vendida, e difundida na imprensa, como retaliação do Congresso ao ministro. Ora... Por quê? O que Guedes terá negado a Lira e seus pachecos?

Guedes é vítima da farra ou responsável pela farra, ativista que é pela reeleição do chefe? (Questão que não exclui a possibilidade de descontrole na relação; a de, tendo dado os anéis, terem lhe levado o corpo.)

No melhor cenário, terá apenas errado de novo. O ministro da Economia que não somente avaliara que poderia tocar uma agenda de reformas estruturais do Estado sob o governo de um corporativista, centro gerador de instabilidades; como, adiante, julgou ainda que essa inviabilidade pudesse ser contornada-minimizada, que a pauta andaria, com um gestor de paróquias, como Lira, na direção da Câmara.

Ou não terá Guedes plantado que o problema — a lhe emperrar o sucesso — era Rodrigo Maia? E que as reformas prosperariam (em V?) sob o compromisso do patrimonialista Lira com o que seria a índole reformista do Congresso?

Taí.

 

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