O Globo
O Congresso — o Congresso reformista (não
era isso?) de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco — cortou mais de 50% da verba
originalmente destinada ao Ministério da Economia no Orçamento de 2022. Cerca
de R$ 2,5 bilhões. Nenhum outro sofreu perda de recursos maior.
Registre-se, para ilustrar o esculacho, que
a dotação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) foi reduzida a menos
da metade, o que, a permanecer, prejudicará o trabalho de acompanhamento do
(próximo) meteoro dos precatórios; gestão cujas falhas no passado criariam as
circunstâncias oportunistas à aprovação de uma PEC que, por meio da
constitucionalização das pedaladas fiscais e de exceções à Lei de
Responsabilidade Fiscal, destelhou o teto de gastos e desbastou terreno ao
modelo de Orçamento sonhado por Bolsonaro e seus ciros nogueiras em ano de
eleições, com fundão eleitoral recorde e orçamento secreto formalizado:
corporativista e eleitoreiro.
Assim, temos o Orçamento de 22 —
viabilizado pela instrumentalização da necessidade real de assistir os mais
pobres — forjando as condições, sob o potencial apagão de órgãos como a PGFN,
para novas PECs dos Precatórios. Seria piada, não fosse letal. Ou não estará a
peste — de combate mais uma vez não priorizado — ainda entre nós?
O orçamento da Saúde — a persistir o arranjo do Parlamento — cairá acima de 30%.
Antes de avançarmos sobre o caráter desses
cortes, uma palavra acerca da natureza corporativista do Orçamento. Veja-se a
pressão da elite do funcionalismo público federal — da parte não contemplada
pelo presidente — por reajuste salarial. A história é conhecida. A brecha para
aumentos no ano eleitoral fora aberta pela PEC Emergencial de Paulo Guedes — a
do fiscalismo do amanhã, cujo peculiar rigor terá efeito talvez em 2024. E
então pela PEC dos Precatórios.
Em novembro, Bolsonaro — ante a projeção do
espaço fiscal arrombado pela PEC — prometera reajuste a todos. Era o bode na
sala. A sociedade protestou. E logo se tiraria o bicho para assegurar o que
sempre fora meta: aumento apenas para as categorias que compõem a base social
bolsonarista. Acerto seletivo costurado por Guedes em reuniões com lideranças
da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal. Depois, o ministro viajou.
Ajeitou o ambiente à rebelião dos grupos não beneficiados — e foi em férias.
Agora, oh!, o Planalto vê influência
político-eleitoral nas ameaças de paralisações e greves das categorias que
reivindicam aumentos. Que tal? É inversão cínica da ordem. O governo decide dar
reajustes, no ano eleitoral, à porção do funcionalismo que integra sua rede de
influência — e acusa os que querem o mesmo de promover desestabilização para
fins eleitorais.
Foi o Planalto, com a participação direta
de Guedes, a abrir a porteira e tocar a correria que desestabiliza — até o
mercado financeiro. A partir da PEC dos Precatórios, com o pasto para a boiada
escancarado, o risco fiscal desdobra-se no temor de reajustes salariais sob
efeito dominó (e cascata).
De volta ao balanço orçamentário dos
ministérios, expressão da perna eleitoreira do Orçamento de 22, acrescente-se
que, ao contrário do rebaixamento de recursos da Economia, pastas como as da
Cidadania, do Trabalho e da Infraestrutura tiveram, via Congresso, acréscimo
significativo de verbas. A cota do ministério de João Roma, em campanha para
governador da Bahia, cresceu em 80%. A da pasta de Onyx Lorenzoni, pretenso
concorrente ao governo do Rio Grande do Sul, em 56%. A de Tarcísio de Freitas,
escolhido de Bolsonaro para disputar o comando de São Paulo, em 12%.
O presidente ainda pode vetar as mudanças.
A ver. Aqui, porém, importa analisar a tesourada — que, prosperando, minará a
atividade de um ministério, o da Economia, já comprometido pela incompetência —
à luz da reação do time de Guedes: a tunga vendida, e difundida na imprensa,
como retaliação do Congresso ao ministro. Ora... Por quê? O que Guedes terá
negado a Lira e seus pachecos?
Guedes é vítima da farra ou responsável
pela farra, ativista que é pela reeleição do chefe? (Questão que não exclui a
possibilidade de descontrole na relação; a de, tendo dado os anéis, terem lhe
levado o corpo.)
No melhor cenário, terá apenas errado de
novo. O ministro da Economia que não somente avaliara que poderia tocar uma
agenda de reformas estruturais do Estado sob o governo de um corporativista,
centro gerador de instabilidades; como, adiante, julgou ainda que essa
inviabilidade pudesse ser contornada-minimizada, que a pauta andaria, com um
gestor de paróquias, como Lira, na direção da Câmara.
Ou não terá Guedes plantado que o problema
— a lhe emperrar o sucesso — era Rodrigo Maia? E que as reformas prosperariam
(em V?) sob o compromisso do patrimonialista Lira com o que seria a índole
reformista do Congresso?
Taí.
Nenhum comentário:
Postar um comentário