Folha de S. Paulo
Blindagem permitiu a diretor da Anvisa
peitar Bolsonaro
Um país se faz com homens e instituições.
Os primeiros sem as segundas são impotentes; as segundas sem os primeiros,
idem. Prova-o a nota pública que o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra
Torres, assinou cobrando
uma retratação do presidente Jair Bolsonaro por ter feito insinuações contra a
agência.
Torres só pôde tomar essa atitude e continuar no cargo porque a Anvisa está legalmente blindada de interferências políticas. Seus diretores têm mandato fixo e só podem ser mandados embora antes do prazo se cometerem falta grave. Já tivemos casos de diretores de órgãos que peitaram Bolsonaro e suas sandices, mas perderam o posto. O mais notório talvez tenha sido o do físico Ricardo Galvão, que comandava o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), e rebateu acusações infundadas do presidente sobre os dados de desmatamento da Amazônia aferidos pelo órgão em 2019.
A desavença pública até fez bem à biografia
de Galvão, que ganhou reconhecimento internacional pela defesa da ciência, mas
privou o Inpe, cujos diretores não estão protegidos da demissão "ad
nutum", de um grande quadro. Ou seja, contar com homens bons é condição
necessária, mas não suficiente, para o adequado funcionamento da máquina
pública. E ter a blindagem legal, mas não as pessoas certas, também não
funciona. Há, na estrutura do governo federal, um bom número de posições que em
tese dão autonomia de decisão a seus detentores, mas não vemos tanta gente se
rebelando contra orientações do presidente, mesmo quando elas são absurdas.
Nenhum governo jamais acabou por falta de bajuladores.
Não há muito o que possamos fazer para
melhorar as pessoas, mas as instituições nós podemos aprimorar. Eu começaria
estendendo a blindagem típica das agências reguladoras para outros órgãos
técnicos, como o Inpe e o IBGE. O governo Bolsonaro é um argumento forte em
favor da limitação dos poderes presidenciais.
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