Folha de S. Paulo
O petista sempre foi, para o bem ou o mal,
o mais convicto dos políticos realistas
Realpolitik, termo de origem alemã, designa
a política realista, fundada nos interesses objetivos e nas circunstâncias
concretas, não em ideais ou princípios abstratos. Lula sempre foi, para o bem
ou o mal, o mais convicto dos políticos realistas. Sua pré-campanha forma uma
aula de realpolitik. Não vai aí uma crítica: de fato, pelo contrário, no atual
cenário, seus
gestos iniciais são monumentos à política democrática.
"Golpista neoliberal" –assim, o manifesto furibundo firmado por antigos figurões petistas como Rui Falcão e José Genoino descreveu Alckmin, numa tentativa de implodir a chapa dos sonhos de Lula. O ex-presidente rebateu, ignorando olimpicamente as acusações ideológicas ("tenho confiança no Alckmin") e prometendo que o vice estará "em todo lugar junto do presidente" pois "faz parte da governança do país". Na política realista, inexiste lugar para a figura proverbial do "inimigo do povo". Por isso, Lula não abomina amplas alianças, inclusive com adversários de ontem.
Passo seguinte, colocar a casa em
ordem. Lula
descartou a presença de Dilma Rousseff no palco iluminado de sua
campanha, explicando que a sucessora escolhida a dedaço carece de "jogo de
cintura" e da "paciência que a política exige". Em 2016, Dilma e
tantos outros fingiram enxergar no impeachment um ato de machismo. Agora,
porém, diante do oráculo intocável, o falso feminismo oportunista não ousou
lançar mão da mesma chantagem.
Ainda bem: nem o impeachment, nem a
sentença de morte política pronunciada por Lula tem conexão com a identidade de
gênero de Dilma. A ex-presidente foi excluída para proteger mensagens centrais
da campanha. O candidato está dizendo que representa a unidade, contra
Bolsonaro, e que não reproduzirá os catastróficos erros do passado. Mais:
sagazmente, atribui à sucessora o papel de bode expiatório pelo populismo
fiscal inaugurado no segundo mandato dele mesmo. É realpolitik na veia, com
pitadas de maldade.
Pragmatismo é o outro nome de Lula. No seu
primeiro mandato, ele selecionou uma equipe econômica moldada para prosseguir a
ortodoxia herdada de FHC. No Planalto, converteu os programas de transferência
de renda preconizados pelo Banco Mundial em sinônimo de políticas sociais,
desidratando (até demais!) as propostas reformistas de esquerda. Hoje, o
PT fala sem parar de Bolsa Família mas quase emudece quando se trata
de bens públicos universais como educação e saúde.
Lula desviou-se do realismo apenas na hora
dos pecados capitais de seu governo: o mensalão e o petrolão. Configurar
maiorias parlamentares pelo financiamento corrupto de máfias partidárias foi um
atalho desastroso para circundar o imperativo de fazer política – e, sobretudo,
de enfrentar o tema da reforma política. O pacto de aliança com Alckmin, junto
com a federação
de partidos em construção, destina-se não só a obter o triunfo completo no
primeiro turno como, ainda, a construir uma maioria minimamente estável no Congresso.
As opções realistas adotadas por Lula
sempre podem ser criticadas, como tudo mais (com a devida vênia, claro, dos
comitês de jornalistas censores). Contudo, na sua natureza, contrastam
positivamente com as duas versões de antipolítica personificadas por Bolsonaro
e Moro.
Bolsonaro nunca emergiu de seu caldeirão de
delírios golpistas. Moro, uma sublegenda da direita antidemocrática,
distingue-se do presidente pela ferramenta com a qual pretende subordinar as
instituições: um Judiciário capturado pelo Partido dos Procuradores. Ambos
recusam a política —ou seja, o jogo difícil da persuasão, das alianças e da
costura de consensos majoritários.
A cruzada de Bolsonaro é contra
"comunistas" (isto é, todos que não o seguem); a de Moro, contra
"corruptos" (ou seja, todos os adversários). Lula não faz cruzada, um
conceito ausente no universo da realpolitik.
Um comentário:
É,para o Moro,qualquer adversário é 'corrupto',se for seu amigo,como o Aécio,de jeito nenhum - Excelente análise do Lula e seu pragmatismo.
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