O Globo
"Mas hoje tem jogo da seleção?".
Mesmo quem acompanha o futebol com mais atenção já se surpreende quando há uma
nova partida do Brasil. Com exceção da Copa do Mundo, o desinteresse pelos
jogos dos pentacampeões mundiais é flagrante. E claro, do 7 a 1 à falta de
identificação dos jogadores com o país, os motivos internos são muitos, mas o
problema não é só da CBF. Alavancador de paixões na nossa infância (ao menos
dos que têm mais de 30), o futebol de seleções está em crise. E a solução para
isso talvez esteja na agridoce proposta da Fifa para tornar a Copa do Mundo
bienal.
Agridoce porque há interesses econômicos e
políticos por trás. Mas é também um projeto esportivo que merece atenção. E é
preciso admitir que o atual modelo faliu.
Pense no Brasil. Hoje, a seleção treina pouco, joga muito e chama pouca atenção para seu potencial. De 2021 até 2024, é possível que dispute 60 partidas. Dessas, em apenas sete (caso chegue à final), todas na Copa do Qatar, Tite comandará uma equipe em jogos que despertam interesse nacional. Outras 32 serão oficiais (Copa América e Eliminatórias), mas sem apelo. E uma grande fatia, 21, será de amistosos que não valem nada.
Criada em 1930, numa época de globalização
distante e em que seleções precisavam de dias no navio para atravessar
continentes e jogar, a Copa a cada quatro anos tem lógica tradicional, mas
ultrapassada. E distancia o futebol de seleções da emoção, paixão e relevância.
Com exceção das europeias, a maioria das equipes tem grandes partidas apenas
por um mês a cada quatro anos.
A Fifa chamou o lendário ex-técnico do
Arsenal, Arsène Wenger, para tocar o projeto esportivo. É a única coisa que a
entidade fez bem na sua campanha até aqui. Enquetes duvidosas, um apoio público
de grandes estrelas que não parece natural e a péssima fala recente do
presidente Gianni Infantino — que se reelege mais facilmente se a proposta
passar —, sugerindo que a Copa bienal reduziria as mortes de imigrantes no Mar
Mediterrâneo, só contribuem para a antipatia à mudança. Mas Wenger propõe o que
o futebol de seleções precisa: menos convocações e jogos que pouco importam,
mais competições de alto nível.
Com a Copa a cada dois anos, a ideia é
diminuir o número de amistosos e mudar o formato das Eliminatórias, tornando-as
mais curtas e atrativas ou inseridas nos torneios continentais. Elas seriam
jogadas numa ou duas convocações, com vários jogos de uma vez. Hoje, o Brasil
convoca nove vezes ao longo de quase três anos, num longo e esquecível torneio,
para carimbar sua vaga no Mundial.
Na soma final, cada ciclo de quatro anos
terá menos convocações e jogos entre seleções (o que agradaria aos clubes, que
cada vez menos querem ceder seus craques milionários), mais tempo para elas
treinarem (o que melhoraria a qualidade do jogo) e com mais partidas importantes.
Relembre a conta de 60 possíveis partidas
do Brasil no ciclo 2021-24, com apenas sete que realmente param o país. Se a
proposta de Wegner diminuísse o número total para 48, por exemplo, com duas
Copas, teríamos 14 possíveis jogos interessantes. Um aumento de 12% para 29%
nos jogos com mais apelo em cada quadriênio. Some as Eliminatórias mais curtas
e emocionantes e uma Copa América que pode dar vaga no Mundial e veja que a
ideia soa melhor para o esporte e para o negócio.
Não creio na diminuição do interesse só
porque a Copa deixará de ser “rara”. Até campeonatos falidos e mal organizados,
como os estaduais, mexem com o torcedor quando chegam às finais, balançando a
velha rivalidade local anualmente. Os melhores do mundo reunidos defendendo
seus países? É o tipo da oferta que desequilibra a demanda.
O argumento da tradição é bonito, mas não
há costume que sustente o desinteresse do torcedor. Tem jogo da seleção hoje?
Não é mais possível esperar nascer outro Pelé para voltar a saber isso de cor.
*Editor de Esportes do GLOBO
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