Folha de S. Paulo / O Globo
Há 50 anos, Richard Nixon descia em Pequim
Há meio século, o presidente americano
Richard Nixon desembarcou em Pequim, coroando uma espetacular reaproximação com
a China. Teve de tudo: uma viagem secreta de Henry Kissinger, seu assistente
para assuntos de segurança nacional, e convites a equipes de pingue-pongue.
Nixon foi recebido por Mao Tsé-Tung, o Grande Timoneiro da Revolução Chinesa. A fotografia do encontro correu o mundo. Poucos sabiam que Mao estava chumbado, com dificuldade para falar e respirar. (Na sala ao lado, guardava um respirador portátil mandado por Kissinger.)
Nessa reviravolta diplomática, os Estados
Unidos jogaram súditos ao mar e acabaram com o isolamento da China. Meses
antes, Deng Xiaoping saíra do ostracismo e havia começado uma lenta, segura e
gradual ascensão ao poder, transformando a economia chinesa na segunda potência
do mundo. Para os americanos, o jogo seria lógico: acabado o isolamento, e
aberta a economia, as liberdades democráticas viriam junto. Em 1989, ao ordenar
a repressão às manifestações da Praça da Paz Celestial, Deng mostrou que as coisas
não seriam bem assim. De lá para cá, a China cresceu e, com ela, a repressão
política. Em 1994, pouco antes de morrer, Nixon duvidou de sua política, coisa
rara em políticos, raríssima nele:
— É possível que tenhamos criado um
Frankenstein.
Bingo. Aos 50 anos da visita de Nixon a
Pequim, vê-se que os presidentes Xi Jinping e Vladimir Putin juntaram-se contra
os Estados Unidos na questão ucraniana. Reiteraram uma amizade “sem limites” e
condenaram “uma maior expansão da Otan”. A vitória de Nixon em 1972 ajudou a
emparedar a União Soviética. Meio século depois, o Frankenstein chinês
alinhou-se com a Rússia. O coringa era um mico.
Em 1972, Richard Nixon fazia uma política
externa espetaculosa, com reviravoltas imprevisíveis. Tinha a seu lado Henry
Kissinger, um mestre da diplomacia cenográfica. Saía com artistas de cinema nas
noites de sexta-feira em Nova York e, horas depois, voava incógnito a Paris,
onde se encontrava secretamente com negociadores vietnamitas. (Ficava no
apartamento do general Vernon Walters, velho conhecido dos brasileiros, que
acompanhou das batalhas na Itália em 1945 à conspiração contra o presidente
João Goulart, em 1964.)
Nixon era um sujeito dinâmico, audacioso e antipático. O presidente Joe Biden pode ser simpático, mas nada tem de dinâmico, muito menos de audaz. Seu secretário de Estado, Antony Blinken, é uma flor da burocracia anódina de Washington.
No ano que vem, Henry Kissinger completará
seus 100 anos. Sua fama já não é a mesma. Afinal, em 1971 ele pediu aos
chineses que lhe dessem “um intervalo decente” para sair do Vietnã e, em 1975,
a tropa saiu deixando para trás os aliados. Mesmo assim, sabe do que fala. Há
dias ele escreveu um artigo valioso por duas frases:
1) “A demonização de Vladimir Putin não é
uma política, é um álibi para sua ausência”;
2) “A Ucrânia não deve entrar na Otan”.
Ele ecoa as palavras de George Kennan, o
diplomata que desenhou a política americana em relação à União Soviética:
—Uma expansão da Otan será o maior erro da
política americana em todo o período posterior ao fim da Guerra Fria.
Kennan escreveu isso em 1997. Morreria em 2005, aos 101 anos.
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