quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Raphael Di Cunto: O nome que a terceira via agora trabalha

Valor Econômico

Estratégia é rifar Doria depois de abril e focar nos Estados

A bola da vez na “terceira via” é a senadora Simone Tebet (MDB-MS). Mulher, preparada, com posições firmes, discurso afiado, sem escândalos no currículo e, principalmente, com baixa rejeição, ela é o nome que passou a ser visto por dirigentes de partidos de centro-direita como alternativa ao ex-juiz Sergio Moro (Podemos), rejeitado pela classe política, a Ciro Gomes (muito à esquerda, no PDT) e ao governador João Doria (PSDB) - que, se não chega a ser rejeitado por eles, tampouco desperta simpatias.

Atente-se, aqui, que a expectativa desses dirigentes não é de vitória. Todos creem que a Presidência será ocupada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou Jair Bolsonaro (PL) em 2023. A polarização estaria consolidada e vários deles citam que quase 60% dos eleitores respondem nas pesquisas espontâneas que já escolheram votar em um dos dois. Isso antes mesmo de serem informados sobre quem são os candidatos, o que aponta grau maior de convicção na escolha, e que é algo inédito tantos meses antes da eleição.

Dirigentes do MDB, PSD, União Brasil, Cidadania e até do PSDB entendem que é cedo para apoiar um dos dois. A adesão, se ocorrer, será no segundo turno. Na primeira etapa da campanha é preciso tentar construir um nome próprio, que ajude ou, pelo menos, não atrapalhe a eleição de governadores, senadores e deputados. MDB e PSD, por exemplo, tem divergências entre os diretórios mais ao sul, bolsonaristas, e mais ao Norte/Nordeste, lulistas. Aderir a um dos dois, nesta etapa, provocaria fissuras profundas.

É para evitar esse racha que surgiram candidaturas como a de Tebet e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que está em vias de anunciar sua desistência. O dirigente de um desses partidos explica: “Ela é novidade. Se a campanha for bem feita, e com um milagre, pode ser eleita. Se não der certo, não atrapalha as demais candidaturas. E ainda projeta o nome dela para o futuro e nos dá espaço para negociar no segundo turno”.

Já Doria é uma “bola de ferro” para os candidatos ao Legislativo e nos Estados, segundo essa lógica. Não há o fator “novidade” e ele é odiado por bolsonaristas e petistas. Também tem a imagem de “marqueteiro” e alguém da elite paulista contra dois candidatos que esforçam para parecer do povo. Fazer campanha ao lado dele pode tirar votos desse eleitor que se identifica com Lula ou Bolsonaro, mas que poderia optar por votar num candidato do “Centrão” a deputado que seja da sua cidade. Doria é um peso que nenhum deles quer carregar.

A senadora não desperta sentimentos, positivos ou negativos, como os demais. É desconhecida da maioria dos eleitores e, também por isso, tem hoje a menor rejeição entre os candidatos. Parte daí a ideia de que pode surpreender. Se isso não ocorrer, também não atrapalha. Pedir voto para ela não é um problema e não tira voto de ninguém. E, lógico, um candidato azarão permite mais facilmente traições - ou alguém acha que o clã Calheiros (MDB-AL) pedirá voto para outro que não Lula?

Doria deixará o governo em 2 de abril para ser pré-candidato à Presidência. Será alvo de forte bombardeio interno e externo para desistir, inclusive da cúpula do partido. Parte dos tucanos espera só a faixa chegar em Rodrigo Garcia (PSDB) para intensificar esse movimento e tentar forçar a composição com Tebet. Ela na cabeça de chapa, alguém do PSDB na vice.

Seria uma forma também de candidatos do PSDB a outros cargos terem fatia maior do fundo eleitoral para suas próprias campanhas.

Um tucano paulista pondera que o apoio a Doria tem se limitado ao “grupo do Palácio dos Bandeirantes”. “E tudo que eles querem é que o processo ocorra sem turbulências até o fim de março. Todos lá acham que Garcia tem mais chances de reeleição para o governo de São Paulo do que Doria”, conta.

Num gesto contrário a consolidação de uma terceira via única, capaz de excluir Bolsonaro do segundo turno, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, trabalha por um nome próprio. Ele faz acenos ao PT e indica apoio a Lula após o primeiro turno, se colocando na frente da fila para um ministério em 2023, mas já está apalavrado com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (hoje no PSDB), para disputar à Presidência.

Kassab foi o primeiro a construir essa estratégia de candidato desconhecido para agradar as hostes lulistas e bolsonaristas de seu partido. O movimento não deu certo lá atrás e Pacheco estagnou, mas há quem veja na insistência uma jogada com Lula para pulverizar a terceira via e garantir o confronto dos sonhos para o PT no 2º turno.

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Sobre Leite, vale lembrar o que ele mesmo disse: Outubro. Num evento com o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) e com Doria, defendeu que eles não podiam “colocar a vaidade acima de qualquer outro interesse que não seja de um país que se reencontre com a sensatez ”. “Certamente não faltam oportunidades para o Doria, como não faltam para mim, de ofertas de buscar outros caminhos que garantam uma candidatura. Mas a gente não quer garantir uma candidatura para atender a nossa vaidade, a gente quer discutir projeto”, disse.

Novembro. Dias depois de perder as prévias para Doria, voltou a pregar que o PSDB precisava estar aberto a retirar a candidatura caso surgisse outra que aglutinasse mais. “Se houver alguém que melhor condições tiver de se viabilizar a uma alternativa a Lula e Bolsonaro, entendo que nós precisamos estar abertos a essa discussão. Espero que o João Doria tenha essa mesma disposição de dialogar”, disse.

Fevereiro. Tentado pela possibilidade de ser presidente, deve abrir mão dos últimos nove meses do mandato para um projeto solo à Presidência. “Passar um cavalo encilhado já não é fácil. Passar dois, não dá pra gente desprezar”, disse. O tom foi de brincadeira, mas o acerto com o PSD, não. A ira que está provocando até em seus aliados no PSDB, tampouco. “Mau perdedor”, “imaturo” e “personalista” viraram palavras comuns entre seus detratores e seus (ex-)apoiadores no PSDB.

 

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