quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Fábio Alves: A polêmica da meta

O Estado de S. Paulo

Muitos analistas acreditam que, como meta de longo prazo, 3% de inflação ainda é plausível

Numa das já tradicionais reuniões trimestrais de economistas do mercado financeiro com diretores do Banco Central, na semana passada, foi levantado o temor de que, se eleito, o eventual governo do ex-presidente Lula, a partir de 2023, iria revogar, entre outros pontos da agenda econômica, a meta de inflação de 3%, estabelecida para 2024.

A meta para 2025 deverá ser fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em junho. E já se fala que a meta ficará novamente em 3%, patamar que sempre foi almejado por autoridades de governos anteriores para convergir com o objetivo perseguido por vários países emergentes.

O debate entre analistas do mercado é de que, no Brasil, até o teto da meta foi estourado em 2021 e muito provavelmente o será também em 2022. Em 2021, a inflação foi de 10,06%, enquanto o teto da meta era de 5,25%. Já neste ano, a projeção do mercado é de uma inflação de 5,56%, acima do limite superior de 5,0%.

Não seria demasiadamente ambicioso perseguir uma meta de 3%? Tal objetivo não levaria o BC a elevar os juros mais energicamente e, com isso, gerar um crescimento econômico menor? Com uma situação fiscal tão frágil e mecanismos de indexação de preços, teria a economia brasileira condições estruturais ideais para uma meta de inflação de 3%?

Muitos analistas ainda acreditam que, como meta de longo prazo, 3% ainda é plausível. O que não exclui se discutir é quão flexível o regime de metas deve ser em momentos de choques, principalmente devido a fatores exógenos, isto é, um fenômeno global, como se observa neste momento.

Nesse contexto, seria razoável adotar, por exemplo, cláusulas de escape, que desobrigariam o BC a cumprir a meta diante desses choques afetando a inflação. Mas seria necessário estabelecer requisitos claros e específicos para acionar a cláusula de escape, caso contrário a perda de credibilidade seria inevitável.

Há quem defenda que, se um novo governo recuar e aumentar a meta para acima de 3%, isso seria um sinal de que a sociedade brasileira voltaria a tolerar uma inflação mais alta de forma mais permanente. E temem que tal postura poderia deflagrar reajustes de preços antecipados pelos agentes econômicos como forma de se proteger da inflação, além de mecanismos de indexação automática, gerando uma bola de neve.

E, como a lei de autonomia do BC incluiu o objetivo secundário de fomentar o emprego e suavizar as flutuações da atividade econômica, isso acaba dificultando o cumprimento da meta. Caso contrário, o custo do combate à inflação poderia ser muito mais amargo.

 

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