EDITORIAIS
Invasão redesenha mapa geopolítico do
Pós-Guerra Fria
O Globo
A entrada de tropas russas em território
ucraniano, depois do discurso agressivo em que Vladimir Putin contestou a
própria existência da Ucrânia como país independente da Rússia, pôs em marcha
um conflito de desdobramentos ainda imprevisíveis no curto prazo. Já houve
escalada da mera diplomacia ao endurecimento de sanções, por parte tanto dos
americanos quanto dos europeus. A Alemanha suspendeu a licença para um novo
gasoduto que traria energia russa à Europa Ocidental.
Analistas se debruçam agora sobre cenários de invasão que vão desde a anexação das duas províncias ucranianas de maioria étnica russa — que a Rússia reconheceu como independentes — até a ocupação de toda a Ucrânia, com ataques aéreos e o avanço dos 190 mil soldados mobilizados por Putin. Independentemente do dano que qualquer conflito venha a causar à região e do choque inevitável na economia global — cujo primeiro sinal é a nova alta na cotação do petróleo —, estão no médio e longo prazos as consequências mais preocupantes.
A maior delas é o redesenho do mapa
estratégico do planeta em vigor desde o fim da União Soviética. Na Europa, isso
se traduz no ressurgimento da Rússia como potência militar com uma esfera de
influência estendida às fronteiras dos países da Europa Oriental que integram a
Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan): Polônia, Hungria, Romênia,
Eslováquia, Lituânia, Letônia e Estônia. A agressão russa põe a Otan diante de
uma questão crítica: até que ponto empenhar armas e contingentes militares para
defender essas fronteiras? Só esse dilema já representaria uma vitória
estratégica para Putin, cuja disposição para correr riscos e perseguir seus
objetivos tem superado em muito a do Ocidente.
No outro extremo do planeta, tudo dependerá
da reação do ator mais importante a emergir no novo mapa geopolítico: a China.
A tibieza americana para defender a Ucrânia e os aliados do Leste de investidas
russas seria inevitavelmente interpretada pelos chineses como medida de até
onde os Estados Unidos estariam dispostos a ir para defender outra área em
disputa: a ilha de Taiwan, que a China também considera parte de seu
território. Se Moscou obtiver sucesso na invasão da Ucrânia, a questão óbvia
passará a ser: que fará Pequim em relação a Taiwan?
Não é acaso, portanto, que os movimentos militares
de Putin tenham sido precedidos do anúncio de uma aliança com o líder chinês,
Xi Jinping. A China lhe traz fôlego para resistir a sanções de toda sorte.
Interessa a Xi uma parceria estratégica para enfraquecer as pretensões
americanas na Europa ou em qualquer lugar, de modo a ampliar seu poder. A
disputa que até agora se restringe ao campo econômico poderia adquirir um
caráter bélico.
Para o Ocidente, o momento não poderia ser
menos propício a aventuras militares. O mundo ainda não se recuperou da pior
pandemia em mais de um século, a inflação ressurgiu com força nos países ricos,
e o ânimo isolacionista e nativista toma conta dos debates em todas as
democracias. Em contraste com o ímpeto agressivo de Putin, a atitude dos
líderes ocidentais tem sido apostar no apaziguamento por meio de sanções, nas
instituições e nos caminhos de uma ordem global que se revela ineficaz e
caduca. A maior prova do fracasso da estratégia adotada depois da Guerra Fria é
que hoje é Putin quem dita o passo desse jogo.
Demanda salarial da polícia mineira é
injusta e precisa ser rejeitada
O Globo
Se confirmada a paralisação de agentes de
segurança — policiais civis, militares, penais e bombeiros — em Minas Gerais,
ela deve ser repelida e condenada. Por pelo menos dois motivos. Primeiro,
porque forças de segurança são proibidas legalmente de cruzar os braços e
deixar os bandidos à vontade. Não existe greve, mas motim. A sociedade não pode
ficar refém do sindicalismo de servidores armados. O segundo motivo é a saúde
das contas públicas. O governador mineiro Romeu Zema (Novo) está certo ao
reconhecer a necessidade de reposição salarial, mas “com responsabilidade e
previsibilidade fiscal”.
Em artigo publicado ontem no GLOBO, o
ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung e Bruno Funchal, ex-secretário do
Tesouro, demonstraram com números a importância do controle dos gastos com
pessoal. Juntos, todos os estados brasileiros terminaram 2021 com R$ 140
bilhões em caixa e R$ 78 bilhões de superávit primário (diferença entre
receitas e despesas, sem levar em conta gastos com juros da dívida).
Uma das principais causas desse resultado
excepcional foi a Lei Complementar 173, aprovada em 2020 para enfrentar a
pandemia. Ela proibiu aumentos ou concessão retroativa de reajuste a servidores
em 2020 e 2021. Em dois anos, houve queda de 7% na despesa com pessoal, descontada
a inflação. Pelas contas de Hartung e Funchal, se os governadores tivessem dado
reajustes para cobrir a alta de preços nesses dois anos, as despesas com
pessoal teriam aumentado R$ 43 bilhões.
Uma das lições da pandemia para os
governadores é que não há alternativa senão controlar o gasto com servidores.
Funcionários públicos têm direito a protestar contra a corrosão da renda diante
do aumento de preços. Mas devem lembrar que esse é um problema que atormenta
todos os trabalhadores, não apenas o setor público. Por que somente os
funcionários dos estados, já privilegiados pela estabilidade no emprego e
outras benesses, deveriam ter reposição salarial? Considerando os efeitos na
sociedade, é uma demanda injustificável.
Estados com as contas no vermelho são
sinônimo de menos atenção aos mais pobres (grupo muito mais prejudicado pela
inflação alta que os servidores); falta de investimentos em estradas, pontes,
postos de saúde e escolas; dívida pública maior e mais cara; e, contra o
interesse do próprio funcionalismo, a volta para o padrão de atraso no
pagamento de salários.
Em ano eleitoral, no mínimo 13 governadores
já anunciaram reajustes, seguindo a máxima “o que importa é ganhar na urna”.
Zema até agora tem se mantido firme. Condiciona a reposição dos salários à
adesão de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), programa federal
que visa a tornar as dívidas dos estados sustentáveis no longo prazo. No embate
em curso em Minas Gerais, os eleitores precisam ficar atentos para perceber
quem está a favor da lei e quem está contra.
O show de Putin
Folha de S. Paulo
Russo rasga direito internacional em nome
da realpolitik; por ora, está ganhando
Em quase 23 anos de poder no Kremlin,
Vladimir Putin nunca foi conhecido como um estrategista sofisticado. Sempre
pareceu agir mais de forma tática, saltando de galho em galho nas crises
internacionais, buscando extrair o máximo de vantagens imediatas.
Na atual contenda em torno da Ucrânia,
entretanto, o presidente russo tem mostrado uma faceta que revela seus
objetivos mais permanentes. Em consonância com sua fama de implacável, não tem
poupado o direito internacional durante a empreitada.
O que Putin deseja pode ser resumido
—dispensando as minúcias da composição étnica russa do leste ucraniano— em um
ponto: restaurar áreas de isolamento entre suas fronteiras e as de seus
adversários, como fizeram antes czares e líderes do Partido Comunista.
Há o componente militar do propósito, que
visa afastar tropas da Otan que o Ocidente teimou em fazerem cercar a Rússia
após a vitória na Guerra Fria, e o político. A União Europeia, tropa civil
dessa disputa, é um garoto-propaganda da democracia liberal que Putin deseja
ver longe de inspirar alguma oposição em casa.
A relação do russo com o autocrata húngaro
Viktor Orbán, um estranho no seio de Bruxelas, apenas prova que há também uma
queda de braço ideológica em curso.
Na segunda (21), Putin elevou ao paroxismo
a até agora bem-sucedida manobra de explicitar aos Estados Unidos, que
considera o único interlocutor que importa nessa disputa, seus objetivos
geopolíticos.
Reconheceu
as autoproclamadas repúblicas separatistas étnicas russas no Donbass
(região no leste da Ucrânia), oito anos depois do início da guerra civil na
qual as ajudou a minar as pretensões europeias do governo em Kiev
Com isso, e talvez 150 mil soldados
mobilizados em torno da Ucrânia, Putin quer dar credibilidade à sua ameaça. Se
enviar forças em apoio aos separatistas, como anunciou e depois disse só
cogitar, o russo violará o território vizinho. Só não será um ato de guerra
porque as áreas, na prática, já são ocupadas por seus lacaios.
Os EUA e a Europa anunciaram sanções
mais duras contra o Kremlin, mas até aqui o instrumento não logrou seus
objetivos. Se estabelecer as novas fronteiras como fato consumado, repetirá a
operação que comandou pelos mesmos motivos na Geórgia, em 2008. Ali, houve uma
curta guerra; aqui, a vitória poderá vir sem um tiro.
É realpolitik. Mas a lição que fica ao
mundo é deletéria, já que entroniza a volta da força bruta no domínio das
relações internacionais e recompensa um regime que, embora tenha seus motivos
na peleja com o Ocidente, esposa valores crescentemente autoritários.
Mais um vizinho
Folha de S. Paulo
Colômbia é outro país a descriminalizar o
aborto, expondo o atraso do Brasil
Embora seja ainda uma das regiões do mundo
com mais restrições à interrupção legal da gravidez, a América Latina tem
conhecido, nos últimos tempos, avanços significativos nessa seara.
Em menos de um ano, a Argentina e o México
tornaram-se os dois primeiros grandes países latino-americanos a
descriminalizar a prática. Na segunda-feira (21), a
Colômbia, o terceiro mais populoso da região, juntou-se a esse grupo precursor,
composto ainda por Cuba, Uruguai e Guiana.
Pela margem mínima de 5 votos a 4, a Corte
Constitucional do país vizinho decidiu que nenhuma colombiana poderá mais ser
processada por realizar aborto até a 24ª semana de gravidez. Até então, o
procedimento só era admitido nos casos de estupro, má formação do feto e risco
de morte da mãe.
Ao retirar o aborto do rol de delitos
presentes no Código Penal, o tribunal não só concede às mulheres um direito
sobre seus corpos como também evita que aquelas que já haviam sido obrigadas a
se submeter a um procedimento clandestino venham ainda a amargar um processo
judicial.
Chegam anualmente à Justiça colombiana
cerca de 400 casos de interrupção de gravidez, sujeitos a penas que variam de
16 a 54 meses de prisão —e 346 mulheres já foram condenadas por aborto, das
quais 85 menores de idade.
A maior parte desses casos termina vindo à
tona por meio de denúncias de funcionários da área da saúde, uma vez que também
era considerado crime que um hospital deixasse de relatar casos de colombianas
que buscassem ajuda médica após complicações resultantes de uma tentativa de
aborto.
Por ora, a deliberação da suprema corte
garante apenas que a interrupção da gestação não mais será tratada sob a ótica
penal.
A decisão, contudo, deve estimular o
Congresso, para onde se dirige agora a pressão dos grupos feministas, a aprovar
uma lei que garanta a realização segura e gratuita do procedimento, como
ocorre, por exemplo, na Argentina.
O recente avanço latino-americano deixa
ainda mais evidente o atraso do Brasil. Por aqui prevalece o temor de tratar o
tema sob a ótica da saúde pública, como defende esta Folha, e buscar o convencimento
da sociedade.
O debate acaba esvaziado, enquanto o
exemplo colombiano serve para que Jair Bolsonaro (PL) exiba
seu simplismo conservador sem enfrentar maior contraponto.
Putin testa o mundo
O Estado de S. Paulo
Ao botar um pé na Ucrânia, autocrata russo expôs inequivocamente suas intenções imperialistas. As sanções precisarão ser igualmente inequívocas
A esperança de dissuasão de uma invasão
russa à Ucrânia ficou no passado, a dúvida agora é sobre sua escala. O
presidente russo, Vladimir Putin, expôs suas intenções. Mas a resposta do
Ocidente segue envolta em nuvens de incerteza.
Na segunda-feira, Putin, ao mesmo tempo que
negou o direito à independência da Ucrânia, reconheceu a independência dos
enclaves separatistas de Donetsk e Luhansk, anunciando o envio de tropas.
A Otan declarou que a Rússia está
fabricando um pretexto para assaltar Kiev. A Alemanha suspendeu a certificação
do gasoduto da Rússia Nord Stream 2. Os EUA e a União Europeia anunciaram
sanções aos separatistas e a alguns indivíduos e negócios russos. Mas tudo
ainda longe das tão prometidas “consequências massivas”.
Enquanto 190 mil soldados da Rússia seguem
instalados nas fronteiras da Ucrânia, seu aparato de propaganda e desinformação
avança. O entourage de Putin alega que os líderes ucranianos são “nazistas”,
que está em curso um “genocídio” da população russa na Ucrânia e que o país é
um fantoche usado pela Otan para “desmantelar a Federação Russa”.
Nas últimas semanas, Putin logrou
desestabilizar o governo ucraniano; reafirmou sua autocracia, desviando a
atenção das dificuldades econômicas e de figuras da oposição; ensaiou
exercícios com mísseis nucleares para intimidar os adversários; e estreitou a cooperação
com a China. Mas o sucesso estratégico desses avanços táticos dependerá da
resposta do Ocidente.
É plausível que Putin tenha calculado uma
repetição da invasão à Crimeia, em 2014, que pegou o Ocidente desprevenido. Mas
hoje as condições são outras.
A mídia ocidental está menos vulnerável à
desinformação russa, os serviços de inteligência puseram as manobras de Putin
sob holofotes, e atrocidades na Ucrânia seriam difundidas em tempo real de
smartphones para o mundo. A Otan expôs a intransigência de Putin e desarmou
suas acusações de intransigência da Otan, ao se oferecer para negociar
restrições a armamentos e exercícios militares. Os aliados prometem apoio
diplomático e militar sem precedentes à Ucrânia, e a ameaça galvanizou o
sentimento dos ucranianos de que seu destino está com o Ocidente.
A Rússia tem muito a perder, a começar pelo
sangue e dinheiro derramados em solo ucraniano em prol de um megalômano. O
isolamento comercial e financeiro da Rússia pode até favorecer os membros do
Politburo, que já sofrem sanções e controlam a “fortaleza econômica” erguida
desde 2014, mas feririam severamente os empresários russos e a população,
criando o risco de revoltas populares. O ônus seria lançar definitivamente
Putin nos braços de Xi Jinping, mas isso não compensaria as perdas econômicas e
condenaria a Rússia a ser um satélite diplomático menor e um exportador de
commodities baratas à China.
A debacle dos EUA no Afeganistão, o governo
de transição na Alemanha, o ano eleitoral na França e as agruras políticas do
premiê britânico, Boris Johnson, seguramente foram computados por Putin como
fraquezas a serem exploradas. Se são de fato, o mundo está para descobrir. A
dissuasão é possível, mas a retaliação econômica precisa ser mais enérgica.
“Não precisamos das sanções após o bombardeio e após nosso país ser alvejado ou
após não termos mais fronteiras e após não termos mais economia”, disse o
presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, a aliados reunidos em Munique. O
mesmo pode ser dito de apoio militar.
No pior dos cenários, Putin pode
desencadear uma blitzkrieg com a mesma brutalidade empregada na Chechênia e na
Síria. A guerra ameaça toda a ordem europeia pós-2.ª Guerra. Mas ela ainda pode
ser evitada se o Ocidente tiver aprendido com a história. Após a invasão da
Crimeia, também foram prometidos “danos massivos”, mas quatro anos depois a
Rússia recebia uma Copa do Mundo. O pretexto de invadir a Ucrânia em
solidariedade a etnias russas ecoa a anexação dos Sudetos pela Alemanha
hitlerista. Até agora as nações ocidentais mostraram mais força nas palavras do
que em seus atos, mas, se não quiserem ser mais uma vez reféns de um ditador,
precisarão galvanizar essas ameaças em ação.
Justiça deve ser e parecer imparcial
O Estado de S. Paulo
A imparcialidade da Justiça é exigência da
Constituição. Além das causas de impedimento e suspeição, existe a quarentena
de três anos para ex-juiz atuar na mesma vara
Ao tratar dos direitos fundamentais, a
Constituição estabeleceu, no art. 5o, que “não haverá juízo ou tribunal de
exceção” e que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente”. Trata-se de importante limitação do poder do Estado, que assegura
duas características indispensáveis da atividade judicial. O órgão julgador
deve ser independente e imparcial.
O cuidado da Constituição com a
imparcialidade do juiz confirma que o assunto, longe de ser formalidade
burocrática, é requisito essencial da administração da Justiça. O Estado só tem
direito a estabelecer uma decisão judicial sobre determinada questão por meio
de um órgão julgador “competente, independente e imparcial, estabelecido
anteriormente por lei”, como expressamente previu a Convenção Americana de
Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.
Além disso, em defesa da independência da
Justiça, evitando situações de conflito de interesses, a reforma do Judiciário
de 2004 estabeleceu uma quarentena para os magistrados. “Aos juízes é vedado
exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de
decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração”,
dispôs a Emenda Constitucional (EC) 45/2004.
Esse marco jurídico cristalino contrasta,
no entanto, com algumas condutas de magistrados em processos de falência e de
recuperação judicial. Alguns dos casos foram ou estão sendo investigados pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo o Estado apurou, juízes pediram
demissão e, logo depois, integraram bancas e consultorias que atendem empresas
em dificuldades financeiras, cujos processos antes tramitavam sob sua
jurisdição.
Por exemplo, em maio de 2021, um mês depois
de sua exoneração, um exjuiz de falências e recuperações judiciais de São Paulo
já atuava como representante da Laspro Consultoria, uma das maiores
administradoras judiciais do Estado de São Paulo. Antes, havia indicado esse
escritório em pelo menos três processos que conduziu como juiz. O ex-magistrado
não viu, no entanto, conflito de interesses. “Quando das nomeações, a minha ida
à Laspro não era sequer uma hipótese”, disse ao Estado.
Noutro caso, também um ex-juiz de falências
e recuperações judiciais de São Paulo associou-se a um escritório de advocacia
que defende clientes em processos da mesma vara em que tinha sido juiz. Em pelo
menos um processo, houve procuração ao ex-magistrado para atuar na defesa do
credor de uma empresa cujo processo de falência foi conduzido pelo então juiz.
Questionado pelo jornal, o ex-magistrado disse que essa procuração era fruto de
um equívoco, que, tão logo descoberto, foi corrigido.
Tanto o CNJ como os tribunais têm sido
instados a se manifestar sobre suspeita de parcialidade de juízes. Num caso, o
Tribunal de Justiça do Espírito Santo determinou a aposentadoria compulsória de
um juiz, acusado de atuar indevidamente ao lado de um administrador judicial.
Segundo a Corregedoria do tribunal, o filho do juiz teria uma sociedade
informal com esse administrador.
Também não se pode ignorar que existem
falsas denúncias perante o CNJ, com o objetivo de constranger os magistrados e,
assim, limitar sua independência. Os órgãos de controle precisam ser
criteriosos, para evitar tanto impunidades como injustiças. Para isso, é
fundamental exigir o cumprimento dos requisitos constitucionais e legais da
magistratura, evitando dúvidas desnecessárias sobre a independência e a
imparcialidade do juiz.
Nessa trajetória de fortalecimento
institucional do Judiciário, é também importante prover uma compreensão mais
qualificada – mais constitucional e rigorosa – das hipóteses de impedimento e
suspeição do juiz. Acertadamente, o Congresso ampliou, com o Código de Processo
Civil de 2015, as causas de impedimento, fixando critérios mais precisos para a
avaliação das situações em que a imparcialidade do juiz é descaracterizada. A
todos, juízes e jurisdicionados, interessa que a Justiça pareça e seja de fato
imparcial.
Tensão na Ucrânia piora quadro
inflacionário global
Valor Econômico
O precário quadro fiscal e as incertezas
eleitorais deixam pouco espaço para o BC ser flexível
Além dos sérios e preocupantes impactos
humanitários, as tensões na Ucrânia devem ter repercussões econômicas
importantes. Agravam o já complicado quadro inflacionário global e se somam a
outras forças que atuam para desacelerar o crescimento mundial.
Ainda é cedo para delimitar o tamanho do
estrago, mas parece certo que o custo de energia será mais alto. A Rússia é o
terceiro maior produtor de petróleo do mundo, e está na segunda posição na
exploração de gás natural. Ontem, a cotação do petróleo brent encostou perto de
US$ 100 dólares o barril.
A alta dos custos de energia ocorre a
despeito de, neste momento, os Estados Unidos e a Europa terem imposto sanções
apenas moderadas, sem limitar as exportações atuais. As sanções mais pesadas
ficaram para depois, na esperança de forçar uma negociação e evitar que as
tensões na Ucrânia evoluam para uma guerra.
O presidente americano, Joe Biden, anunciou
o bloqueio de duas grandes instituições financeiras russas nos mercados ocidentais,
além de limites à negociação da dívida soberana do país. O chanceler alemão,
Olaf Scholz, suspendeu a certificação do gasoduto Nord Stream 2, que fará uma
ligação direta entre a Rússia e a Alemanha, sem passar pela Ucrânia. O projeto,
porém, ainda não está operando, e a medida basicamente limita a oferta futura
de gás.
Os mercados financeiros mundiais, no
entanto, já precificam uma boa parte dos riscos de uma escalada no conflito,
com a queda das Bolsas, movimento de fuga de investidores para ativos de menor
risco e alta de preços de commodities, incluindo agrícolas, metais e energia.
O resultado mais provável de tudo isso é um
novo impulso na inflação, num momento em que os bancos centrais de países
desenvolvidos enfrentam dificuldades para reinar sobre a carestia criada pela
pandemia.
No caso das economias ricas, o que preocupa
sobretudo é a alta dos custos de energia. Economias de renda média e baixa
devem sofrer também com a alta de preços de alimentos. A Rússia e a Ucrânia são
importantes produtores de trigo. Há impactos indiretos: a alta de preços do gás
deve encarecer os fertilizantes, que são muito dependentes desta fonte de
energia.
Ainda não está completamente claro como o
Federal Reserve (Fed) e o Banco Central Europeu (BCE) vão reagir. De um lado, a
inflação tende a se acelerar. Mas, de outro, o crescimento econômico tende a
perder vigor, com a maior aversão a risco e a corrosão da renda das famílias,
provocada pela alta de preços de alimentos e de energia.
Os juros mais longos dos Estados Unidos
expressam um pouco desse dilema. O retorno do título de 10 anos do Tesouro
americano recuou. Esse movimento pode refletir apenas uma fuga dos investidores
para o porto seguro dos papéis do governo dos EUA. Pode ser também uma
indicação de que o aperto monetário sinalizado pelo Fed será temporário - e as
forças recessivas tenderiam a prevalecer, demandando novos estímulos.
No Brasil, a cotação do dólar caiu 1,09%
ontem, para R$ 5,05, transmitindo a falsa impressão de que a nossa economia
está alheia aos impactos da crise geopolítica na Ucrânia. Quem mostra a verdade
dos fatos é a curva de juros futuros, que registrou alta, também no pregão da
terça-feira.
A taxa de câmbio reflete vários fatores.
Alguns meramente técnicos, como o fim do chamado “overhedge” em 2021, que fazia
os bancos comprarem dólares em excesso no mercado futuro. Há ainda uma rotação
de carteiras de investimentos, com a migração de capitais estrangeiros das
ações superavalorizadas de tecnologia para ativos mais baratos em países
emergentes. A alta das commodities favorece o real. Os juros em dois dígitos
também são uma poderosa força atratora de capitais voláteis.
O recado que o mercado de juros dá, porém,
é que o ganho obtido com a valorização do real é insuficiente para cobrir os
custos mais altos de produtos importados. O principal é o petróleo, mas pode
haver impactos também nos preços de alimentos, com a alta das cotações do
trigo, milho e soja.
Ao contrário dos banqueiros centrais de países desenvolvidos, por aqui a política monetária é calibrada com olho exclusivamente na inflação. O precário quadro fiscal e as incertezas eleitorais deixam pouco espaço para o Banco Central ser flexível, daí os mercados colocarem prêmios na curva de juros. O desdobramento mais provável será mais inflação e menos crescimento econômico.
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