Folha de S. Paulo
Brasil votou como um país que merece ter
Ulysses Guimarães entre os fundadores de sua democracia
Com sua terceira vitória, Luiz
Inácio Lula da Silva se consagra como maior vencedor de eleições presidenciais
da história do Brasil. Lula também é o primeiro candidato a vencer
um presidente em exercício, na eleição em que a máquina pública, do orçamento
até a polícia rodoviária federal, foi aparelhada da forma mais vergonhosa da
história.
Sua aliança com
Alckmin foi a manobra política mais ousada da história de
nossas eleições presidenciais, e deu certo. Qualquer outro presidenciável teria
levado a virada de Bolsonaro quando o auxílio de 600 reais foi aprovado: Lula
não levou porque seus governos anteriores lhe deram um imenso capital de
credibilidade junto aos eleitores pobres. Enfim, é hora de a elite brasileira
admitir que o maior talento político da Nova República nasceu pobre.
Seria, entretanto, errado atribuir o sucesso de Lula apenas a suas características pessoais.
A vitória de
Lula aconteceu porque a democracia funcionou bem o suficiente,
por trinta anos, para permitir que um operário organizasse um partido de
sindicalistas, se tornasse presidente da república e reduzisse dramaticamente a
pobreza brasileira. Foi esse crédito de sucesso que a democracia tinha com os
eleitores pobres brasileiros que derrotou o
projeto autoritário de Jair Bolsonaro.
Os pobres salvaram a democracia brasileira
em 2022.
Todos os atores relevantes na construção da
democracia brasileira, do gigante
FHC até a novata Tabata Amaral, estiveram do lado de Lula no segundo
turno. Essa vitória é de todos eles, e torço para que o terceiro governo Lula
também seja. Isso não diminui em nada, é claro, o imenso feito do Partido dos
Trabalhadores, que sobreviveu à crise dos últimos anos melhor do que seus
rivais porque soube construir uma base na sociedade civil que lhe permite
sobreviver na oposição.
Finalmente, Lula se beneficiou de um erro
absolutamente simiesco e vagabundo da direita brasileira: bancar Jair Bolsonaro
em 2018. Quatro anos depois, em uma disputa entre um presidente e um
ex-presidente, a campanha foi sobre comparar mandatos. O governo de Bolsonaro é
muito mais comparável a um desastre natural ou à Peste Negra do que a qualquer
outro governo.
Esse ano descobrimos o que é preciso para
um presidente com a máquina na mão perder a reeleição no Brasil: centenas de
milhares de brasileiros assassinados durante a pandemia, repetidas tentativas
de golpe de Estado, quatro anos sem aumento real do salário mínimo, um
orçamento secreto bilionário, tiro na
polícia, confissão de "pintou um clima" com meninas de 14
anos e um adversário que era o ex-presidente mais popular da história. Aí ele
perde por pouco mais que 1%.
Minha coluna da semana do segundo turno de
2018 se chamava "Vote como Ulysses", lembrando que, em 1989, Ulysses
Guimarães apoiou um Lula muito mais à esquerda porque o achava melhor para a
jovem democracia brasileira. Foi minha coluna mais compartilhada até hoje, mas,
evidentemente, não convenceu gente suficiente.
Ontem o Brasil votou como Ulysses, votou
como um país que merece ter Ulysses Guimarães entre os fundadores de sua
democracia. Agora saberemos se Lula conseguirá governar como Ulysses gostaria
de ter feito, assegurando a democracia e colocando-nos de volta no caminho do
desenvolvimento.
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