O Estado de S. Paulo
Uso de militares e de policiais em operações no dia da eleição mostra o tamanho do desafio do petista
A indefinição em torno da passagem do governo
Jair Bolsonaro para o de Luiz Inácio Lula da Silva vai além dos nomes dos 50
integrantes que o petista poderá nomear para a equipe de transição ou do acesso
às informações que eles terão nos ministérios e outros órgãos públicos. As
ações da Polícia Rodoviária Federal e do Exército para fazer blitze no dia da
eleição em lugares próximos aos que registraram grande votação para o petista
no primeiro turno mostram o grau de politização de parte da burocracia estatal,
que deveria ser apartidária, isenta e imparcial.
Se a PRF pôde justificar as blitze no Código Brasileiro de Trânsito, como o general André Luiz Novaes, comandante militar do Leste, vai justificar a presença de seus militares em cima da ponte Rio-Niterói? Petistas perguntam se havia razão para o Exército fazer o papel de guarda de trânsito. Na corporação, o general Novaes tem a fama de ser um dos mais ciosos da institucionalidade. É assim que retratam o general que fora obrigado por Jair Bolsonaro a transformar a comemoração do bicentenário da Independência em palanque eleitoral, provocando o cancelamento do desfile cívico-militar no Rio.
Para a oposição, mais do que a defesa da
ordem pública, a operação visava a defesa do governo Jair Bolsonaro, criando
embaraço ao voto de possíveis eleitores de Lula. Se até o primeiro turno
policiais e militares podiam escolher entre vários candidatos, no segundo turno
o antipetismo predominante nas Forças Armadas e na PRF levou a imensa maioria
de seus integrantes a votar em Bolsonaro – já no primeiro turno, a Vila
Militar, no Rio, registrou 81,7% dos votos válidos para o presidente e 14% para
Lula.
É verdade que os comandantes militares se
mantiveram em silêncio durante a campanha e distantes dos políticos e empresários.
Mas, ao mesmo tempo, o Ministério da Defesa, após ser convidado pela Justiça
Eleitoral, meteu-se na fiscalização do pleito e do funcionamento das urnas
eletrônicas. A pasta deixou de entregar um relatório sobre o primeiro turno das
eleições sob a alegação de que só concluiria o seu trabalho após o segundo
turno. No Plano de Trabalho entregue ao tribunal de Contas da União, a Defesa
diz que só concluirá seu trabalho 60 dias após a eleição. Ou seja, quando
Bolsonaro não estiver mais no cargo.
Despolitizar as duas instituições se tornou
uma prioridade para o petismo. O problema sobre como os integrantes das duas
instituições vão se comportar até janeiro tem relação com a excessiva presença
e força deles no governo Bolsonaro, um político com origem na caserna.
Nos EUA, o general Dwight Eisenhower, que vencera uma guerra na Europa na
qual foi responsável pelo desembarque na Normandia, nomeou apenas civis para o
Pentágono. Ele governou de 1953 a 1961 e teve três secretários da Defesa. O
primeiro era um diretor da General Eletric: o engenheiro Charles Erwin Wilson.
Eisenhower fez mais: nomeou o diplomata e advogado Allen Dulles para a CIA.
Dulles foi o primeiro civil a chefiar a agência, onde promoveu golpes de estado
no Irã e na Guatemala e a invasão da Baía dos Porcos, em Cuba, em 1961.
No Brasil, Bolsonaro fez um ministério
cheio de militares. Todo o Palácio do Planalto foi tomado por generais, além de
outras pastas civis, como a Saúde e a de Minas e Energia. Ao todo, mais de 6
mil deles foram nomeados para cargos de natureza civil, dos quais mais de 2 mil
estariam em situação irregular, segundo fiscalização feita pela Controladoria
Geral da União (CGU). A desmilitarização da Esplanada será um dos primeiros
pontos quentes da transição para Lula. A começar da intenção do petista de
voltar a nomear um civil para pasta da Defesa.
O ex-chanceler e ex-ministro da Defesa Celso Amorim, um dos principais
interlocutores de Lula para a área, disse ao Estadão que o
petista não vai mexer em nenhum dos quatro pontos que os militares consideram
sensíveis: não pretende retomar a Comissão Nacional da Verdade, não pretende
alterar a Lei de Anistia, nem mudar a forma de promoção dos generais ou alterar
o currículo de suas academias. A declaração de Amorim foi uma forma de
apaziguar os ânimos nas casernas, demonstrando disposição de virar a página na
relação conflituosa com os militares.
Amorim ainda acenou com o fato de Lula usar
o critério da antiguidade para escolher os futuros comandantes, afastando-se de
ações como a de Gustavo Petro, o presidente colombiano que escolheu para o
comando do Exército um general entre os mais modernos da tropa, forçando a
passagem para a reserva de parte do Alto Comando da Força. Dois nomes são
lembrados como possíveis comandantes do Exército: Tomás Ribeiro Paiva, atual
comandante militar do Sudeste e ex-ajudante de ordens de Fernando Henrique
Cardoso, e o chefe do Departamento de Engenharia de Construção, general Júlio
César de Arruda.
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