O Estado de S. Paulo
O ‘salvador’ da democracia brasileira são
suas sofisticadas instituições políticas
Escrevo do avião, em direção a Paris, onde
vou viver pelos próximos seis meses como professor visitante da Université
Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Com a vitória de Lula em uma das mais competitivas
eleições da história e a derrota de Bolsonaro, espera-se que finalmente acabe a
ladainha delirante de que a democracia brasileira está sob risco. Afinal de
contas, o “democrata” venceu e a nossa democracia foi salva,
supostamente...ufa...por puro lance de sorte!
É bem possível que ainda persistam
pesadelos persecutórios de que o “bolsonarismo” não morreu mesmo com a derrota
eleitoral de seu líder. Mas esses tendem a se diluir, assim como se diluiu a
crença de “golpe” atribuída ao impeachment de Dilma.
Desde a eleição surpreendente de um típico populista de extrema direita como Bolsonaro em 2018, muitos alardearam que a nova onda de autocratização que varreu vários países do mundo a partir de 2010 (Turquia, Polônia, Venezuela, EUA são alguns exemplos) teria definitivamente se instalado no Brasil.
O diagnóstico dominante entre a grande
maioria dos cientistas e analistas políticos foi o de que a democracia brasileira
enfrentaria retrocessos institucionais ou mesmo sucumbiria. Esta percepção foi
reforçada pela postura adversarial de Bolsonaro que, em várias ocasiões,
incluiu ameaças truculentas contra as instituições políticas, especialmente a
Suprema Corte.
O equívoco desse argumento reside no fato
de interpretar que tais ameaças seriam críveis. Como se Bolsonaro tivesse
condições políticas para concretizá-las dada as restrições institucionais. É
evidente que a democracia viveu sob estresse quase constante em seu governo,
mas as instituições políticas e a sociedade brasileira foram muito mais fortes
e resilientes a ponto de domesticarem Bolsonaro, inclusive forçando-o ao jogo
do presidencialismo de coalizão. Na realidade, o Brasil não experienciou um
único retrocesso institucional.
O sistema político brasileiro, composto de
múltiplos pontos de veto institucionais e partidários, tem a virtude de evitar
saídas extremas e punir, politicamente e/ou judicialmente, quem exagera. Da
mesma forma como restringiu ameaças iliberais de Bolsonaro, também oferecerá
fortes restrições ao novo governo Lula para que não volte a se comportar de
forma desviante. O fato de nenhuma força política ter alcançado maioria no
Legislativo é uma indicação de que Lula, se quiser governar, não vai poder
ignorar a preferência mediana do Congresso.
A democracia brasileira, na realidade, tem
sido “salva” não pela vitória de Lula, mas pelas interações de suas
sofisticadas instituições políticas.
*Cientista político e professor titular da
Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE)
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