Folha de S. Paulo
Forças lideradas pelo presidente desde 2018
se consolidam no cenário político nacional
Rei morto, rei posto? Como tudo que se
refere à ascensão e queda de Jair
Bolsonaro (PL), previsões muito assertivas são sujeitas a escrutínio
prévio inevitável. Isso dito, sua derrota
apertada para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) gera duas certezas
imediatas.
Primeiro, que serão dias, semanas ou talvez
meses em que o golpismo
decantado pelo presidente ao longo de seus quase quatro anos no cargo ganhará
primazia no noticiário. Bolsonaro sempre teve como ídolo Donald Trump, sem
esconder.
O ex-presidente americano, como se sabe, escreveu um roteiro pronto de sedição quando levou seus apoiadores a investir contra o Capitólio de Washington, em 6 de janeiro do ano passado, após um mês e meio de contestação da vitória de Joe Biden.
Como Bolsonaro nem disfarçou que iria na
mesma linha, está certo que haverá confusão daqui para a frente. A primeira
reação do presidente, de se recolher, não dá garantias de que o roteiro será
diferente.
Mas como as chances institucionais de o
país cair em
alguma entropia devido a isso são baixas, em algum momento haverá um
presidente resignado ou em surto —e aí estamos falando de território não
coberto até aqui.
Fora do poder, Trump conseguiu manter o
trumpismo bem vivo nos EUA. Não se sabe, contudo, se ele pessoalmente estará na
disputa de 2024, como sua base defende. Mas é irrelevante: como força política,
o ex-presidente segue em plena forma.
Como no Brasil, os EUA foram cindidos entre
os apoiadores do republicano e de Biden, que enfrenta dura eleição congressual
de meio de mandato agora em novembro. A evolução da
rejeição inaudita da Bolsonaro, associada ao antipetismo que o
ajudou a levar à Presidência em 2018, criou uma campanha eleitoral baseada na
rejeição dos rivais.
Esse trato da
antipolitica se mostrou forte neste ano, mas não como há quatro
anos. Lá atrás, houve uma amálgama entre a rejeição ao PT e à política por ele
encarnada devido ao tempo de serviço no Planalto com demandas que fervilhavam
na sociedade desde o junho de 2013, passando pelo impeachment de Dilma Rousseff
(PT) em 2016.
Assim, como a vigorosa votação da derrota
de Bolsonaro mostra, esse é um eleitorado que não voltará a outras freguesias.
O bolsonarismo se consolidou como opção popular de direita num país dividido,
apesar de sua ficha corrida de má governança e todas as bizarrices
ideológicas resumidas nas ações armadas de aliados nesta semana que passou.
Com o líder em modo Trump, resta pensar o
futuro. Bolsonaro pode, tendo 67 anos, seguir em campanha constante até 2026.
Mas agora ele gerou herdeiros potenciais, na forma de dois governadores.
Em São Paulo, houve a ascensão fulminante
de Tarcísio de
Freitas (Republicanos) ao governo. Matou o restante do tucanato
paulista e agora está em condições de herdar o conservadorismo paulista. É
candidato a liderança nacional de saída.
Vitória de
Gilberto Kassab (PSD), que bancou a candidatura apadrinhada por um
desafeto, Bolsonaro. Ficou com o melhor de dois mundos: voto bolsonarista em
São Paulo para um proverbial forasteiro e grande influência.
Caberá saber qual Tarcísio adentrará o
Palácio dos Bandeirantes. Tudo indica que, com Bolsonaro abatido, ele aderne
para o PSD, talvez com uma filiação. Ocorrendo, será o grande distanciamento a
marcar a disputa pelo espólio do presidente derrotado.
O outro líder a emergir nesse contexto se
chama Romeu Zema
(Novo), o governador reeleito de Minas Gerais. A seguir o
padrão de seu primeiro governo, a separação do bolsonarismo mais raiz parece
certa. É um candidato natural a tentar a Presidência em 2026.
Não se fala
aqui de Cláudio Castro (PL), do Rio, porque a chance de projeção
nacional do governador reeleito é próxima de zero, como ocorreu com seus
antecessores. Ele tenderá a ser um porto para a máquina federal que será
expulsa de Brasília com a saída de Bolsonaro, dadas as relações do clã
presidencial com as minúcias do estado de onde saiu.
Ao fim, a derrota de Jair Messias Bolsonaro
não altera o fato de que as forças sociais liberadas por ele em 2018 fazem
parte do cenário político nacional. A composição do Congresso, que certamente
comporá com Lula ao fim, mostra que há um caminho grande à frente desse campo.
Quem herdará seu controle é algo ainda a ver.
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