O Globo
No primeiro governo, petista contou com a
colaboração de líderes do agronegócio. Perdeu parte do apoio, mas tem como
recuperá-lo
Então somos quase todos democratas, pelo
Datafolha. Nada menos que 79% dos brasileiros, nível recorde, se declaram pela
democracia. Mas certamente não se entendem na questão essencial: de que regime
mesmo estamos falando?
Ocorre que 80% dos eleitores de Bolsonaro
dizem apoiar a democracia. Considerando os votos do primeiro turno, isso dá
quase 42 milhões. É claro que não todos, mas muitos desse grupo, a começar pelo
próprio presidente Bolsonaro, acham que já existe uma quase ditadura no Brasil,
a do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente quando se trata do ministro
Alexandre de Moraes.
Portanto, para essa turma, fechar o Supremo
ou afastar juízes dessa Corte seria defender a liberdade e, pois, a democracia.
Se alguém acha que isso faz sentido, pode
se incluir naquele grupo.
Entre os eleitores de Lula, 78% manifestam preferência pela democracia. Também pela votação do primeiro turno, são quase 45 milhões de eleitores. Em números absolutos, mais que entre os bolsonaristas. Em proporção, menos, mas está, digamos, na margem de erro. É claro que não todos, mas muitos do grupo lulista acham que quem vota no Bolsonaro é fascista.
Se alguém acha que isso faz sentido, tem
uma visão bem estreita de democracia.
Claro que estamos querendo criar confusão,
mas com um propósito. Se o pessoal não se entende nem sobre as bases da
democracia, não é de estranhar que o quadro esteja tão polarizado e tão quente.
Nem que grande parte dos votos não seja a favor de nada nem de ninguém, mas
contra muita coisa... dos outros.
Não é a melhor situação, mas no segundo
turno faz sentido votar contra. No primeiro, deve-se votar com o coração e as
convicções. Se no segundo turno nenhum candidato dá match com o eleitor, este
terá de decidir na base da exclusão.
Simples assim.
Quando há um candidato à reeleição, fica
até mais fácil. Há uma gestão em andamento que pode ser avaliada em tempo real.
Isso explica o comportamento recente do governo Bolsonaro. Não está preocupado
em fazer uma boa administração para o país. Bem ao contrário. Atropelando a lei
eleitoral e as regras básicas de uma eleição limpa, o presidente despeja
dinheiro público — de todos os eleitores, portanto — para beneficiar sua
clientela ou para pescar votos nos setores em que Lula tem maioria.
Há mesmo algumas barbaridades, como essa de
levar a Caixa a fornecer empréstimos a beneficiários do Auxílio Brasil.
Acrescente aí as ameaças ostensivas de golpe e resulta uma obra que não é
liberal, não é legítima, nem republicana, muito menos democrática.
Mas não é possível que todos os eleitores
de Bolsonaro sejam do mal, pró-torturadores e membros de uma sinistra
conspiração direitista. Muitos nem são bolsonaristas. São, na verdade,
anti-Lula. Sim, em muitos setores da sociedade, pessoas acham que um governo petista
seria pior que o atual.
O pessoal do agronegócio é em grande parte
moderno, civilizado, globalizado, importante para o futuro do país. No seu
primeiro governo, Lula contou com a colaboração de líderes empresariais do
agro. Possivelmente, perdeu parte desse grupo. Pode recuperá-los? Pode,
apresentando propostas e garantias para a continuidade do negócio: garantia
contra invasão de propriedade; garantia de herança, com impostos, claro, e vai
por aí.
Petistas de raiz dizem que querem lhes
impingir um programa das elites. Quer dizer que não é possível combinar
desenvolvimento capitalista com benefícios sociais e melhor distribuição de
renda e oportunidades? É possível. Se não quiserem olhar para os Estados
Unidos, então pensem na Europa desenvolvida e democrática.
Resumo: Bolsonaro está jogando seu arsenal.
Lula, que esperava um jogo mais fácil, pode fazer mais. Depende dele ir em
busca dos que não são bolsonaristas, mas pretendem votar no presidente por
exclusão. Com sua capacidade de persuasão, e considerando os flancos que
Bolsonaro deixa abertos, Lula pode ir atrás de votos fora de sua turma.
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