O desenho das novas regras para as contas públicas não está fechado, mas deve prever uma sinalização para a contenção de gastos públicos e para garantir sua previsibilidade
Por Manoel Ventura e Fernanda
Trisotto / O Globo
BRASÍLIA - O governo tem pressa para
concluir o novo conjunto de regras para as contas públicas não só para dar uma
sinalização ao mercado sobre responsabilidade fiscal, como para elaborar as
bases do Orçamento de 2024. O risco de construir a “prévia” da proposta
orçamentária com recursos escassos é um dos motivos que levaram o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, a adiantar a apresentação da nova âncora fiscal, que
ele pretende enviar ao Congresso em março.
O desenho das novas regras para as contas
públicas não está fechado, mas deve prever uma sinalização para a contenção de
gastos públicos e para garantir sua previsibilidade. Uma das intenções é
estabelecer algum tipo de trava para as despesas permanentes, como salários.
A ideia é evitar que um boom de arrecadação, por exemplo, seja usado para bancar gastos permanentes.
Em compensação, a equipe econômica também
desenha uma regra com um caráter mais “flexível”. Se, de um lado, ela deve ter
uma trava para impedir que os recursos sejam consumidos em despesas
permanentes, de outro deve autorizar aumento de investimento e gasto social em
momentos de crise. E também vai rever metas e parâmetros ao longo do tempo.
Sem meta de dívida
Uma crítica de auxiliares de Haddad é que
regras fiscais não podem acentuar momentos econômicos. Ou seja, elas deveriam
travar gastos em épocas de bonança e não permitir que eles se retraiam em períodos
de recessão.
Com a nova âncora fiscal, o governo quer
garantir e sinalizar para o mercado que a relação dívida/PIB ficará estável ou
entrará numa trajetória de redução. Porém, não está prevista uma meta de
dívida. A dívida bruta brasileira fechou o ano de 2022 equivalente a 73,5% do
PIB, o menor percentual desde 2017.
A intenção é que, com essas ações, o país
volte a ter o chamado grau de investimento das agências de classificação de
risco, uma espécie de selo de qualidade ao investidor, até o fim do mandato do
presidente Lula, em 2026.
Em abril de 2008, o Brasil ganhou o grau de
investimento pela primeira vez em sua História, conferido pela Standard &
Poor’s. A decisão foi seguida pelas outras agências: Fitch, no mês seguinte, e
Moody’s, em setembro de 2009. Esse “selo” foi retirado entre 2015 e 2016,
diante da deterioração do cenário fiscal brasileiro.
O Executivo pretende considerar a âncora
fiscal na elaboração da proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de
2024, mesmo que o texto ainda não tenha sido aprovado. A LDO será enviada ao
Congresso até 15 de abril e isso cria um problema para o governo, que a equipe
econômica pretende contornar.
A LDO é a base para o Orçamento. Não
estabelece a distribuição de recursos, mas dá as diretrizes gerais da proposta.
A nova regra fiscal vai substituir o teto
de gastos, aprovado em 2016 e que trava as despesas federais à inflação do ano
anterior. Apesar de ter sido alterado ao longo dos últimos anos, ele ainda está
em vigor.
Além disso, a “PEC da Transição” — que
ampliou os gastos no primeiro ano do governo Lula e R$ 168 bilhões — só vale em
2023. A nova regra vai permitir que os gastos cresçam acima da inflação.
Formalmente responsável por comandar o
processo de elaboração do Orçamento, o Ministério do Planejamento tem
acompanhando as discussões, mas considera que a liderança do debate sobre o
arcabouço fiscal é da Fazenda.
Também entre os técnicos do Planejamento, a
maior preocupação é não deixar programas cruciais ao governo, como é o caso do
Bolsa Família, com um orçamento aquém do necessário.
Para o time do Planejamento, é fundamental
manter esse monitoramento de perto, já que precisa ter conhecimento do desenho
do arcabouço com antecedência para calibrar a LDO e, mais a frente, o Plano
Plurianual (PPA), que é o principal instrumento de planejamento orçamentário de
médio prazo do governo.
Por isso, o Executivo pretende fazer um
mecanismo que permita considerar a âncora já na LDO, mesmo que ela ainda não
tenha sido aprovada. Seria um espécie de “transição”, nas palavras de
integrantes do governo.
Para Felipe Salto, economista-chefe da
Warren Rena, o novo arcabouço fiscal precisa contemplar a trajetória da dívida,
deixando espaço para que o controle de gastos seja definido nas leis
orçamentárias, mas respeitando uma referência.
— A LDO pode ser um bom momento para testar
as novas regras fiscais, aprimorando o que se fez no passado, mas mantendo duas
coisas essenciais: algum tipo de limitação da despesa, ainda que comporte certo
crescimento real, e um resultado primário bem estimado, com vistas a cumprir a
trajetória de dívida/PIB traçada — avalia.
A economista Juliana Inhasz, do Insper, diz
que a elaboração do Orçamento e a âncora fiscal são duas “bombas” na mão do
governo, por serem temas complexos que exigem discussão simultânea. Para ela, o
grande risco é o país abandonar o debate sobre a melhor formatação do arcabouço
fiscal a fim de aprovar uma medida a toque de caixa, apenas para garantir um
Orçamento exequível:
— O grande risco de levar ao Congresso tudo
junto é que você não consegue fazer a discussão de maneira adequada, nem de um,
nem de outro. Uma nova âncora que chega, vai ser pouco debatida e vai ajudar a
nortear a diretriz orçamentária do próximo ano. Ou seja: a LDO vai ficar
vinculada a uma nova âncora que ainda precisará ser entendida.
Enquanto o time econômico prepara as regras fiscais, o Congresso ainda define quais partidos comandarão as comissões, como a de Orçamento. A avaliação de parlamentares é que só depois da escolha destes nomes a discussão sobre a nova âncora vai deslanchar no Congresso.
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