sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Justiça acerta ao autorizar retirada de área de risco

O Globo

Manter a população vivendo em pontos sujeitos a novas tragédias equivale a uma sentença de morte

O Litoral Norte de São Paulo, atingido pelas chuvas mais fortes já registradas no Brasil, vive situação de calamidade pública. São impressionantes as imagens de ruas e casas soterradas por toneladas de lama descidas das montanhas. As tempestades não cessaram, e o solo permanece instável. O risco de novas tragédias é real. Por isso fez bem o Tribunal de Justiça de São Paulo ao atender a pedido da Procuradoria-Geral do Estado e da Prefeitura de São Sebastião, autorizando o governo paulista a retirar à força moradores que se recusam a deixar suas casas em locais sujeitos a novos deslizamentos e inundações.

Compreende-se a resistência deles em abandonar suas casas. Alguns alegam não ter para onde ir, outros temem prejuízos com saques e depredações. Mas nada justifica ficar em áreas condenadas pela Defesa Civil. A própria decisão judicial afirma que a remoção é preventiva e recomenda que os moradores sejam levados a abrigos. O governador paulista, Tarcísio de Freitas, afirmou que só haveria remoção forçada de moradores em último caso.

É preciso considerar que União, estado e prefeituras já erraram demais e não podem insistir nos erros diante de uma tragédia que provocou a morte de dezenas de moradores. A começar, permitindo que encostas vulneráveis fossem ocupadas de forma irregular e desordenada. Não faltam estudos, levantamentos e avisos sobre os perigos. Em 2020, uma inspeção do Ministério Público de São Paulo identificou as áreas sob risco de deslizamento na Vila do Sahy — área mais atingida pelo temporal. Em 2021, uma ação do MP paulista afirmou que a ocupação era uma “tragédia anunciada”. Dois dias antes do temporal, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) avisou o governo estadual e a prefeitura do risco iminente. Os alertas foram ignorados, e ficou tudo por isso mesmo.

O Estado tem o dever de proteger os cidadãos. Seria um crime permitir que moradores permanecessem em áreas suscetíveis a desastres tendo em vista avaliações técnicas dos órgãos responsáveis. Um estudo feito pelo IBGE e pelo Cemaden em 2018 mostrou que idosos e crianças são os mais vulneráveis entre a população que vive nas áreas de risco (9,5 milhões de brasileiros). Evidentemente, têm mais dificuldades para deixar as casas em situações de emergência.

A História mostra que os governos têm falhado na assistência a moradores removidos de áreas de risco. Após o dilúvio que devastou a Região Serrana do Rio em 2011, matando mais de 900 moradores, muitas famílias foram retiradas de suas casas em encostas ou beira de rios. Não tardou para que as construções condenadas voltassem a ser ocupadas. Faltam políticas públicas para atender esse contingente. Mesmo quando estados e prefeituras pagam aluguéis sociais, é comum o auxílio servir para bancar moradias noutras áreas de risco, perpetuando o problema.

A tragédia no Litoral Norte de São Paulo expôs de forma eloquente a dimensão do problema habitacional no Brasil. Autoridades precisam incluí-lo em suas agendas de prioridades. De imediato, é necessário evitar a perda de mais vidas. Isso significa impedir compulsoriamente que moradores permaneçam em casas prestes a desabar. Não fazer nada equivale a uma sentença de morte.

Coibir abuso na indicação a tribunais de contas depende do Congresso

O Globo

Além de nomeação na Bahia, mulheres de três ministros de Lula obtiveram cargo nas cortes estaduais

Os camarotes do carnaval de Salvador foram tomados neste ano por um tema político: a candidatura da ex-primeira-dama do estado Aline Peixoto a uma vaga de conselheira no Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia. Com o apoio do marido, Rui Costa, atual ministro da Casa Civil, a enfermeira Aline concorrerá ao cargo, com salário de R$ 35 mil e estabilidade até os 75 anos, em votação na primeira quinzena de março na Assembleia Legislativa. Mais uma vez, entra em ação uma prática comum: o uso do organismo responsável pela fiscalização do dinheiro público para beneficiar parentes de políticos.

Um levantamento da Transparência Brasil apontou em 2016 que, dos 233 conselheiros em exercício em 34 tribunais de contas, 32% haviam sido nomeados pelos próprios tios, primos ou irmãos governadores. No Tribunal de Contas da União (TCU), um dos casos mais rumorosos envolveu a conselheira Ana Arraes, eleita em 2011 quando seu filho, Eduardo Campos, era governador de Pernambuco.

Três ministros, todos ex-governadores, têm hoje a mulher em tribunais de contas. A ex-deputada federal Rejane Dias, casada com o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias (PT), foi eleita para o Tribunal de Contas do Piauí. Renata Calheiros, mulher de Renan Filho (MDB), foi escolhida para ocupar uma vaga no Tribunal de Contas de Alagoas. E a ex-deputada estadual Marília Góes, casada com o ministro do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes (licenciado do PDT), está no Tribunal de Contas do Amapá.

O país tem um problema. Os tribunais de contas não foram criados para distribuir empregos públicos a parentes dos poderosos. Não há cabimento em permitir que alguém ocupe cargo de tamanha responsabilidade graças ao empurrão de um familiar influente.

Indicar vereadores ou deputados em fim da carreira, muitos enrolados na Justiça, também é uma prática problemática. Quanto mais aumenta a partidarização, menor é a isenção nas decisões — algo grave num órgão com poder de tornar gestores públicos inelegíveis. Os tribunais de contas custam caro (R$ 10 bilhões por ano) e precisam ter caráter técnico.

A solução não virá da Justiça. Em 2008, quando governava o Paraná, Roberto Requião indicou o irmão conselheiro no Tribunal de Contas do estado. Por liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), a posse foi suspensa devido a uma ação que apontava nepotismo e desrespeito a prazos e ritos legais. Depois de mais de uma década de disputas, ele foi reconduzido ao cargo em dezembro. Embora o nepotismo no serviço público seja proibido, há controvérsia sobre a regra valer para tribunais de contas.

É por isso que o Parlamento deve arbitrar a questão. Há ao menos cinco propostas legislativas para dar um caráter técnico a nomeações de conselheiros, impondo exigências como ficha limpa e concursos públicos. Mas nenhuma tem avançado (três ainda nem relator têm). O Congresso precisa agir para acabar com os abusos.

Arautos da gastança

Folha de S. Paulo

Gestão da economia ficará melhor se protegida do assédio do grupo de Mercadante

A terceira encarnação do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) repetiu o estratagema de escalar equipes com orientações divergentes para administrar a economia.

Desse modo o presidente, que nunca tolerou quem lhe fizesse sombra por perto, fragmenta o poder de cada ministro e talvez espere beneficiar-se da variedade de opiniões na hora de tomar decisões.

Como toda fórmula pré-fabricada aplicada à dinâmica administrativa, essa também não garante por si só o sucesso. Em doses excessivas, semeia impasses que atravancam e desgastam toda a gestão.

Garantido mesmo é o conflito entre as equipes, que já mostra sua face quando o mandato nem sequer completou o segundo mês.

Há divergências de amplitude moderada entre os perfis da Fazenda, sob Fernando Haddad (PT), e os do Planejamento, sob Simone Tebet (MDB). E há a mãe de todas as clivagens, que se dá entre esses dois ministérios, de um lado, e o BNDES comandado por Aloizio Mercadante, do outro.

No primeiro grupo, pacificou-se o entendimento de que é necessário controlar o déficit e o endividamento público a fim de que a economia possa recobrar o crescimento sustentado, de que o governo e a popularidade presidencial seriam beneficiários diretos.

No segundo, repousa uma cogitação estapafúrdia, na contramão do acervo das evidências, de que não há problema em o governo torrar dinheiro a descoberto quando a sua dívida está denominada em moeda local. Tampouco faz sentido, alardeiam os arautos da gastança, o Banco Central aumentar os juros para controlar a inflação.

Nas suas duas primeiras passagens pela Presidência, Lula soube manter Mercadante à distância das manivelas da política econômica. A sucessora, Dilma Rousseff, não teve o mesmo tirocínio, decerto porque concorda com as teses do economista do PT e as aplicou até as últimas consequências, que foram a profunda recessão de 2014-2016.

Sob Dilma, o atual presidente do BNDES foi mais longe e tornou-se auxiliar e conselheiro na área política da administração. Não evitou o impeachment. Na campanha de 2022, Mercadante coordenou um programa de governo que propôs a retomada de diretrizes que produziram o descalabro dilmista.

Com a falta de sutileza habitual, o petista abriga no banco de desenvolvimento próceres da farra orçamentária, que criticam o arcabouço vigente e a atuação do Banco Central. Enfiou o BNDES no debate da nova âncora fiscal, em que não é chamado, por meio de um seminário para avaliar a proposta da Fazenda, diretamente afrontada.

Seria melhor, para o país e o governo, que Lula freasse o assédio contra seus ministros da economia.

Batalha errada

Folha de S. Paulo

Mudar artigo da Carta sobre militares reavivaria teses insanas do bolsonarismo

Boa parte do golpismo bolsonarista se ampara em uma interpretação tresloucada do artigo 142 da Constituição, que trata das Forças Armadas e suas atribuições na democracia brasileira.

"As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem", reza o caput do artigo.

O texto, decerto, poderia ser mais sucinto e claro —o que é compreensível, dado que os constituintes de 1988 precisavam se equilibrar entre a necessidade de superar a ditadura e a de evitar crises com os militares que deixavam o poder.

Mas daí a entender que a Carta autoriza uma intervenção da caserna contra algum dos Poderes, como querem seguidores extremistas de Jair Bolsonaro (PL), há uma distância que só se percorre com fanatismo ou má-fé.

É preciso ignorar o espírito inequivocamente democrático de todo o texto constitucional para fazer a leitura de que o trecho em questão daria às Forças o papel de arbitrar eventuais conflitos entre os Poderes. Argumentos, porém, não convencerão os que rejeitam o resultado das urnas e querem impor sua vontade a qualquer custo.

Não se justifica, do mesmo modo, a intenção de parte da bancada do PT e de aliados à esquerda de trabalhar por uma emenda constitucional para reformular o artigo 142 —retirando, por exemplo, a menção à garantia da lei e da ordem.

Para as agremiações, a empreitada talvez tenha a utilidade de fomentar a polarização ideológica, que afinal as beneficia. Mesmo essa suposta vantagem, porém, não compensa os riscos envolvidos.

Se o texto da Carta não autoriza intervenção militar, não há por que alterá-lo. Uma eventual tentativa nesse sentido, se é que seria bem-sucedida em um Congresso de expressiva presença bolsonarista, reavivaria a babel de teses e interpretações estapafúrdias.

No que diz respeito às Forças Armadas, o aperfeiçoamento institucional mais relevante a ser buscado é restringir legalmente, de forma drástica, a presença de militares da ativa em postos de governo. Esse avanço depende de debate amadurecido e entendimento político, não de embates viscerais.

O País vive uma crise civilizacional

O Estado de S. Paulo.

Ataque a repórteres deve estimular reflexões sobre tanto ódio à imprensa livre.

Os repórteres Tiago Queiroz e Renata Cafardo foram covardemente atacados por um grupo de bolsonaristas enquanto trabalhavam na difícil cobertura da catástrofe que matou dezenas de pessoas no litoral norte de São Paulo. Moradores de um condomínio de luxo na praia de Maresias, em São Sebastião, derrubaram Renata no chão, tentaram roubar seu celular e a xingaram. De Tiago, também aos insultos, a súcia exigiu que apagasse o registro fotográfico da reportagem. Diante da recusa, os bárbaros tentaram tomar-lhe o equipamento à força.

A razão para tanto ódio? Os jornalistas seriam “comunistas e esquerdistas”, pasme o leitor, por trabalharem para o Estadão. Seria risível não fosse trágico.

Em primeiro lugar, este jornal presta total solidariedade aos seus colaboradores, ambos muito respeitados em suas áreas de atuação: Tiago como fotojornalista; Renata como repórter especializada em educação. O Estadão se solidariza ainda com os mais de 450 jornalistas profissionais que, nos últimos quatro anos, foram vítimas de violência física e emocional no País, agressões motivadas pela cólera de gente que despreza a democracia desde os seus atributos mais comezinhos, como a liberdade de imprensa.

Em segundo lugar, este jornal espera que as autoridades paulistas sejam capazes de identificar e processar todos os agressores. Se os brutos são infensos à civilidade pela via da educação familiar ou por respeito aos princípios democráticos, que aprendam a viver em sociedade sob o peso das leis.

Infelizmente, o ataque contra o jornalismo profissional no fim de semana passado não foi o primeiro nem tampouco será o último. Virou hábito agredir jornalistas no Brasil, pois jornalistas temos por dever de ofício guardar a verdade no sentido proposto por Hannah Arendt, qual seja, a “verdade dos fatos”. E, ao longo de todo seu trevoso mandato, Jair Bolsonaro não apenas torturou os fatos para moldá-los a seus desígnios, como estimulou a violência contra seus guardiões – jornalistas, acadêmicos, cientistas, entre outros –, quando não a cometeu em pessoa.

Nesse sentido, são muito pertinentes as questões formuladas pelo jornalista Eugênio Bucci em seu recente artigo publicado no Estadão (‘Comunista e esquerdista’, 23/2/2023): “Por que eles (os agressores) se comportam desse modo? O que lhes terá passado pela cabeça para dizer o que disseram e agir como agiram?”, questionou o professor da ECA-USP.

De fato, é estupefaciente notar que, em meio à devastação provocada pela tragédia, os algozes dos jornalistas do Estadão encontraram forças para atacá-los enquanto ambos apuravam informações para levá-las ao conhecimento da sociedade em um momento dramático. De onde brota tanto ódio?

A sociedade deve parar e refletir para tentar responder a essas perguntas, pois, a depender das respostas, o País encontrará o caminho para sair da crise civilizacional na qual foi jogado pelo bolsonarismo ou restará ainda mais vulnerável à ação insidiosa dos que pugnam pela volta a um estado de coisas em que a obliteração de requisitos mínimos para a paz social – o respeito ao contraditório, à liberdade de imprensa, etc. – é convertida em tática de dominação de um grupo político sobre outros.

O desafio é ainda maior quando se nota que, mesmo entre gente supostamente esclarecida, há espaço para a relativização das agressões ao jornalismo profissional a depender do veículo para o qual trabalham os agredidos. Entre as muitas manifestações de solidariedade que os jornalistas do Estadão receberam nas redes sociais, houve quem atribuísse a violência sofrida por eles à linha editorial deste jornal – como se a violência fosse, de certa forma, compreensível, a depender da opinião do veículo de comunicação para o qual o jornalista agredido trabalha. O que é isso senão outro ataque à liberdade de imprensa, desta feita praticado de forma velada por supostos “democratas”?

Só autoritários ouvem como barulho insuportável vozes dissonantes de suas ideias e crenças pessoais. Uma sociedade democrática é essencialmente plural e tolerante ao contraditório. Se a sociedade brasileira se pretende civilizada, saberá conviver com isso.

Um ano de uma guerra absurda

O Estado de S. Paulo.

A justiça e o restabelecimento da ordem global demandam que o Ocidente force uma resolução rápida. Mas, dada a disposição russa, é mais realista se preparar para uma guerra longa

A história do mundo é praticamente indistinguível da história da guerra. Após um hiato de 75 anos em que as nações desenvolvidas evitaram confrontos, a guerra voltou à Europa, o crisol das duas guerras mundiais. Vai esta guerra humilhar Vladimir Putin e desencorajar outros agressores, forjando uma nova paz? Ou intensificará os atritos entre potências, consolidando uma nova guerra fria que pode escalar para uma guerra quente e finalmente uma nova guerra mundial?

Em favor da primeira opção, o assalto de Putin produziu o inverso de seu intento inicial: o mito do poderio russo desmoronou; as nações ocidentais reagiram com uma solidariedade sem precedentes, galvanizaram a Otan e isolaram como nunca a Rússia; os ucranianos estão mais inclinados a integrar o Ocidente e fortalecer sua democracia, e sua contraofensiva recuperou amplos pedaços de seu território.

Por outro lado, se o desempenho do exército russo foi pior do que o esperado, o de sua economia foi melhor. Suas exportações foram canalizadas para grandes mercados como China, Índia e outros na Ásia, África e América Latina. Já a economia ucraniana agoniza e depende de um Ocidente que dá sinais de dissensos sobre até onde deve manter seu apoio. O tempo está a favor da Rússia.

Como já dissemos nesta página em junho do ano passado: “Idealmente, Ucrânia e Rússia estariam provendo o mundo com energia e alimento abundantes. A Ucrânia seria uma ponte entre a Europa e a Rússia, a qual seria uma ponte entre o Ocidente, a China e o Oriente, em um mundo seguro e economicamente aberto. Mas esse ideal de paz, justiça e prosperidade nunca esteve tão distante”. Hoje, está ainda mais.

Idealmente, o conflito deveria terminar com paz e justiça. Mas essa combinação é impraticável por uma dissonância entre o poder e a legitimidade: as ambições de Putin são ilegítimas, mas ele tem poder para ferir a Ucrânia e ameaçar o mundo. Se a platitude esposada por muitos, como o presidente Lula, de que “quando um não quer, dois não brigam”, é equivocada ante uma invasão criminosa, o fato é que uma guerra só termina quando as duas partes querem. E não há sinal dessa disposição por parte da Rússia – e tampouco da Ucrânia, que, a exemplo do que faria qualquer país soberano, não aceitará passivamente a pilhagem de seu território por um regime delinquente.

Há um limite nos objetivos dos adversários dos russos: assegurar a soberania e a democracia da Ucrânia e restaurar as fronteiras pré-2022 – no máximo as de 1991. Os objetivos de Putin são ilimitados: retomar a Ucrânia e outras partes do império russo. Ele está mobilizando a Rússia para um confronto civilizacional contra o Ocidente que pode durar toda uma geração. Para tanto, busca o apoio da China e conta com o esmorecimento da resolução ocidental – meta que poderia ser atingida com uma eventual eleição de Donald Trump em 2024.

O Ocidente precisa se preparar para essa guerra longa, de imediato fornecendo mais armas para que a Ucrânia ganhe posições na batalha. Com tanques e eventualmente caças, isso é possível. Ainda assim, será preciso se preparar para as retaliações de Putin. Isso implica modernizar arsenais para dissuadi-lo de uma escalada e concertar meios de financiar e armar a Ucrânia para garantir sua resiliência, eventualmente integrando-a à União Europeia e mesmo à Otan. Mais do que isso, terá de vencer a batalha da opinião pública em seus países e no mundo. A resiliência ocidental pode afinal virar a mesa, levando o povo russo a se dar conta de que não pode vencer a guerra e a forçar o Kremlin a uma solução de compromisso.

Os dilemas atuais foram resumidos por Henry Kissinger: “A busca pela paz e a ordem tem dois componentes que são por vezes tratados como contraditórios: a busca de elementos de segurança e a exigência de atos de reconciliação. Se não pudermos conquistar ambos, não atingiremos nenhum”. Manter o equilíbrio desses elementos, balanceando a força e a diplomacia, é crucial neste momento em que o mundo está numa posição equidistante e volátil entre uma nova paz e uma nova guerra mundial.

Juízes militantes, juízes fora da lei

O Estado de S. Paulo.

Eles são minoria, mas causam grande mal sobre a imagem de todo o Judiciário, que não pode ter lado político

Não há nenhuma dúvida de que os juízes não podem exercer atividade políticopartidária. A Constituição de 1988 estabelece expressamente essa proibição (art. 95, § único, III). Instituído em 2008 pelo

Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Código de Ética da Magistratura tem um dispositivo específico sobre o tema: “A independência judicial implica que ao magistrado é vedado participar de atividade político-partidária” (art. 7.º).

Ao tratar em 2019 do uso das redes sociais pelos membros do Judiciário, o CNJ voltou ao assunto, lembrando que é vedado aos juízes “emitir opinião que demonstre atuação em atividade político-partidária ou manifestar-se em apoio ou crítica públicos a candidato, lideranças políticas ou partidos políticos” (Resolução 305/2019).

Em setembro do ano passado, diante da “singularidade do atual cenário político-democrático”, o CNJ emitiu um novo provimento, no qual reconhecia que “a manifestação de pensamento e a liberdade de expressão são direitos fundamentais constitucionais do magistrado”, mas destacava que a conduta dos juízes, mesmo “fora do âmbito estritamente jurisdicional, contribui para uma fundada confiança da sociedade na judicatura, o que impõe ao juiz restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral”. A preocupação do CNJ era evitar que magistrados divulgassem notícias falsas. Em concreto, o Provimento 135/2022 proibiu manifestações de juízes que “contribuam para o descrédito do sistema eleitoral brasileiro ou que gerem infundada desconfiança social acerca da justiça, segurança e transparência das eleições”.

No entanto, apesar de todas essas normas tão claras, há magistrados que continuam publicando, em suas redes sociais, opiniões e mensagens de caráter político-partidário. Segundo informou o Estadão, ao menos 18 juízes – de variadas orientações ideológicas – estão sendo acompanhados pelo CNJ em função de supostas condutas indevidas na internet. Até o momento, foram abertos 20 procedimentos: 15 reclamações disciplinares, 4 pedidos de providência e 1 sindicância. Dez juízes tiveram seus perfis banidos das plataformas e dois foram afastados de suas funções em razão de manifestações político-partidárias nas redes sociais.

Diante do total de magistrados no País – entre Justiça Estadual, Federal e do Trabalho, são mais de 18 mil juízes –, os casos de mau uso das redes sociais são uma reduzidíssima minoria. No entanto, causam um grande mal ao Poder Judiciário e precisam ser rigorosamente punidos.

O juiz deve cumprir exemplarmente a lei. Se, mesmo com todas essas normas proibitivas tão explícitas, um magistrado publica e difunde conteúdo político-partidário em suas redes sociais, ele deixa em evidência sua inadequação para o cargo no Judiciário. Não merece permanecer na função, como também não merece continuar recebendo salário pela função que não quis ou não soube desempenhar. A “punição” da aposentadoria compulsória é um acinte ao cidadão e agride o bom nome da imensa maioria dos juízes.

Guerra na Ucrânia não tem qualquer solução à vista

Valor Econômico

Se o conflito tem um alto preço para Moscou, ele é muito maior para a Ucrânia

Um ano após a invasão da Ucrânia por tropas russas, a guerra prossegue sem fim à vista. O primeiro conflito armado entre dois países em território europeu após a Segunda Guerra mudou a geopolítica global, o mapa do comércio e o nível de inflação global (para cima). Os prejuízos são difíceis de calcular - a OCDE os estima em US$ 2,8 trilhões a longo prazo -, assim como o número de mortos até agora. Há impasse total na frente militar e nenhuma negociação. A Rússia prepara nova ofensiva após o fim do inverno, daqui a poucas semanas. O presidente Vladimir Putin promete cumprir seus objetivos “passo a passo (...) com cautela e consistência”. Joe Biden, presidente dos EUA, disse que não haverá vitória russa na Ucrânia “nunca”.

Desde que 190 mil soldados russos cruzaram as fronteiras ucranianas em 24 de fevereiro, as forças russas arrasaram a infraestrutura do país, bombardeando escolas, hospitais e, perto do inverno, estações de energia, estimando que causar os maiores sofrimentos à população civil enfraqueceria a determinação de Kiev de resistir a um poder militar muito mais poderoso e implacável. A estratégia de Putin era liquidar logo o assunto, ocupando o leste e o sul, em uma incursão rápida que obrigasse o presidente Volodymyr Zelenski a renunciar e ceder seu lugar a um preposto de Moscou. Nada disso aconteceu. Putin sequer conseguiu até agora assegurar predomínio a zonas invadidas a poucos quilômetros da fronteira russa.

Moscou aguardava baixa reação à invasão, fiando-se nas divergências entre aliados da Europa e os EUA. A ação russa, ao contrário, os reaproximou na defesa da Ucrânia e em uma ofensiva sem precedentes para isolar política, comercial e financeiramente Putin. O autocrata tem conseguido conviver com fortes perdas humanas e financeiras, por enquanto. Suas ações terão consequências permanentes para o país. A mais óbvia delas é que Moscou perdeu seu principal mercado de energia, o europeu.

Ao usar o gás como arma de intimidação, a Rússia revelou-se um fornecedor não confiável em uma commodity estratégica. Um inverno ameno e a busca de novos suprimentos fizeram com que a Europa passasse pelo primeiro teste sem o gás russo. Após disparar para € 300 por MWh, o preço do gás básico era cotado essa semana a € 49 - ainda assim, bem acima do preço histórico entre €10 e €30/MWh.

A Rússia viu parte de suas reservas internacionais bloqueadas (estima-se algo como US$ 300 bilhões), a inflação deu um salto e a economia recuou 2,1%. Esses efeitos foram muito menores do que previam os governos europeus. Putin passou a enviar petróleo, com descontos, para Índia e a aliada China em grandes volumes, o que lhe rendeu receita calculada em US$ 200 bilhões em 2022, mais que suficiente para prosseguir com o conflito. A economia pode crescer este ano e a inflação recuou.

A UE lança agora seu décimo pacote de represálias, vedando a venda de itens com utilidade militar, como circuitos integrados, semicondutores e partes usadas na fabricação de helicópteros e drones, por exemplo. Além disso, EUA e aliados europeus despejaram pelo menos US$ 110 bilhões em ajuda à Ucrânia, US$ 38 bilhões só em armamentos. Se queria impedir a suposta adesão da Ucrânia à Otan, Putin verá a aliança militar chegar às fronteiras russas, com a adesão da Finlândia, e da Suíça, que abandonou sua neutralidade histórica.

A união em torno da Ucrânia torna impossível a vitória de Putin, da mesma forma que é inimaginável a expulsão das tropas russas pelas ucranianas, selando um colapso militar ruinoso e, possivelmente, a carreira de Putin. Se o conflito tem um alto preço para Moscou, ele é muito maior para a Ucrânia, cujo PIB encolheu 55% em 2022, segundo a ministra da Economia, Yulia Svyrydenko. Mais meses de guerra e a Ucrânia será reduzida a uma montanha de escombros.

A Rússia se apoia na China, agente de outro tremor geopolítico, a disputa com os EUA. Pequim, de quem Putin depende cada vez mais, poderia ser elo vital na solução do conflito. Xi Jinping promete agora intermediação, cujo efeito seria separar governos europeus, que quer cortejar, dos EUA. Mas, com a escalada da guerra comercial dos EUA, Xi pouco teria a lucrar em dissuadir Putin. Putin foi mais longe agora e deixou o único acordo de controle de arsenais nucleares com os EUA (New Start). “Pela primeira vez na história uma potência nuclear faz uma guerra imperialista de agressão em solo europeu”, disse o chanceler alemão Olaf Scholz. Para tamanho desafio, não há ainda qualquer resposta viável.

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