Folha de S. Paulo
Arrocho dos juros faz efeito há mais de
ano, mas faltam dados novos para decretar ‘crise’
O espectro da "crise de crédito"
ronda a economia brasileira. O que é uma "crise de crédito"? O rumor
é impreciso. Não há números decisivos recentes. Ouvindo bancos maiores, as
perspectivas e avaliações são díspares.
O ruído aumentou depois do rolo
da Americanas. A seguir, apareceram notícias sobre renegociação de débitos
(algum nível de calote) de meia dúzia de empresas grandes. Agora, há estatísticas,
privadas, parciais e pouco conclusivas, de aumento
da procura de serviços de reestruturação de dívidas.
Mas o que é mesmo uma "crise de
crédito"?
Poderia ser, por exemplo, uma parada súbita
das concessões de crédito bancário. Isto é, uma redução grande da quantidade de
empréstimos novos para empresas de uma hora para outra.
Por qual motivo? Alguns calotes grandes levariam os bancos a rever sua carteira de empréstimos a fim de procurar riscos e a repensar o planejamento de novas concessões.
Os números gerais mais recentes e
confiáveis a respeito de crédito são de dezembro de 2022. São os dados do Banco Central que
consolidam e detalham todas as informações sobre crédito, taxas de juros e
inadimplência.
Pelas estatísticas do Banco Central, há uma
espécie de "crise de crédito" desde junho de 2022. Trocando em
miúdos, o ritmo de variação trimestral das concessões de crédito para pessoas
jurídicas (com ajuste sazonal) passou a cair desde então (a subir menos). No trimestre
encerrado em dezembro (em relação a setembro), aconteceu uma ligeira queda. A
julgar pela série desses dados, a baixa ainda não foi de impressionar.
A taxa básica de juros (a Selic, na prática
definida pelo Banco Central) começou a subir em março de 2021, quando
passou de 2% ao ano para 2,75%. A alta foi rápida e violenta, mas até
dezembro de 2021, quando foi a 9,25%, estaria em nível que não faria cócegas na
inflação (pelo menos segundo modelos convencionais melhores), dadas as
expectativas de carestia.
Nos bancos, as taxas de juros começaram a
salgar decisivamente a partir de setembro de 2021. A taxa média de financiamento
imobiliário "de mercado" ficou na casa dos 7% ao ano de dezembro de
2019 a setembro de 2021, por exemplo. Em dezembro de 2022, estava em 11,75% ao
ano, a maior desde novembro de 2017 (embora fosse muito maior do que isso nos
anos de crescimento bom do país, pré-Grande Recessão).
A inadimplência média geral, pessoas
físicas e jurídicas, também começou a subir em janeiro de 2022, de leve. Mas,
no caso de empresas grandes, caiu. Na média das pessoas jurídicas, a taxa de
inadimplência aumentava até janeiro passado, mas era menor do que a registrada
de 2011 até a epidemia.
Uma conversa com alguns bancos não é
conclusiva. Ninguém está otimista, até porque a economia vai desacelerar e
todos dizem que o caso da Americanas terá impacto em concessões e juros, bidu.
Além do mais, a perspectiva varia, de mais ou menos negativa, ou até neutra, de
acordo com o tipo de clientela de cada um.
A Febraban publica uma estimativa mensal do
movimento do crédito (a do Banco Central sai no dia 27 de fevereiro). Em
janeiro, o total de concessões continuaria a desacelerar. Uma conta baseada nos
dados da entidade indica que haveria queda trimestral nas concessões, mas nada
de arrepiar (houve baixas maiores em fevereiro e março do ano passado).
O resumo da ópera não é tranquilizador.
Além de dados, faltam até indícios recentes, em especial de fevereiro. Além do
mais, os efeitos do arrocho monetário são visíveis faz mais de ano. É bom que
governo, BC e bancos conversem para evitar acidentes maiores, claro. Mas, por
ora, sabemos mesmo de pouca coisa.
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