quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Zeina Latif - Muita energia em lugar errado

O Globo

A obsessão do governo não deveria ser a taxa de juros. Ela é consequência, não causa dos problemas. Bom mesmo seria debater reformas

A artilharia contra o Banco Central revela as fraquezas do governo. O problema não é a crítica em si, mas o fato de ser pública, desrespeitosa institucionalmente e desprovida de base técnica.

Provavelmente, Lula não conseguirá ganhar todas as batalhas. Enfrentaria, por exemplo, oposição no Congresso ao tentar derrubar a autonomia do BC ou seu presidente. Poderá ganhar a guerra de mudar o rumo da política monetária no curto prazo, mas correndo risco elevado de ser uma Vitória de Pirro.

O coro do governo contra aos juros tão altos face a uma inflação em queda tem fragilidades.

Esse não é um quadro inédito; ele se repete sempre que a vitória contra a inflação ainda não está segura — vale lembrar que a inflação anual de preços livres está em 8,9%. Cortes prematuros da Selic já foram testados e saíram caro, como no BC de Alexandre Tombini, que precisou corrigir o erro de 2011-12, levando os juros para as alturas (14,25%) pouco tempo depois.

Ironicamente, um BC conservador agora é como um bilhete premiado. Além de entregar inflação baixa, abriria espaço relevante para cortes da Selic pelo próximo presidente da instituição, a ser indicado por Lula para o período 2025-28 — com eleição presidencial em 2026. Nessa linha, a correção de rota de Tombini ajudou no trabalho de Ilan Goldfajn.

Outro aspecto dos juros altos é que a chamada taxa de juros neutra (aquela que mantém o crescimento do PIB em linha com o potencial, sem acelerar ou frear a economia) é mais elevada no Brasil do que na experiência mundial. Boa parte da explicação pode estar na combinação de dívida pública mais elevada, em comparação com demais emergentes, e baixo potencial de crescimento (aumento lento da oferta).

Isso significa que qualquer barbeiragem na política fiscal (com estímulo à demanda e aumento da dívida), como foi no governo Dilma ou mesmo na pandemia, a inflação volta a dar as caras.

Para piorar, é provável que o juro neutro — estimado em 4% pelo BC — esteja em elevação por conta de tantos ruídos do governo e da falta de previsibilidade da política fiscal, ambos reduzindo a potência da política monetária.

A proposta de elevar a meta de inflação não é um desastre, mas é má ideia, pelo momento e pela forma.

Seria válido um debate qualificado, no âmbito do CMN. Não agora, mas depois de alguns anos de seu descumprimento e diante de um possível quadro de inflação mundial mais elevada, por conta da transição energética e da mudança do modelo de globalização, que implicam menor eficiência produtiva.

Avalio que a redução da meta deveria ter sido mais segura — antes de cada corte, seria necessário um período “probatório”, com entrega de inflação mais baixa. Ainda assim, isso não significa que ajustá-la agora traria juros mais baixos, como pretende o governo.

Naturalmente, as expectativas inflacionárias — variável importante na decisão de política monetária — vão convergir para o valor da nova meta, assim como ocorrido quando elas foram reduzidas. Mas não é só isso. As muitas incertezas quanto à agenda econômica aumentam as chances de as expectativas superarem a própria meta, como já ocorre agora. Cedo ou tarde, os juros ficarão mais altos do que se espera.

Para os que pensam que as expectativas inflacionárias, divulgadas no boletim Focus, refletem visões de antipetistas, vale explicar que elas são formadas em um ambiente de grande competição entre as instituições financeiras e de muita cobrança por boas previsões dos seus economistas.

Também é equivocado achar que são fetiche do mercado financeiro, sem maiores consequências na formação de preços no setor produtivo. Se as empresas identificam menor compromisso com a inflação baixa, tentam repassar custos aos preços finais.

Uma manifestação é o lento recuo da inflação de bens industrializados ao consumidor, apesar da forte descompressão no atacado. Outro exemplo são as recomposições salariais robustas — um exemplo é o aumento anual de 12,5% no custo da mão de obra da construção civil — e o risco de retroalimentarem a inflação.

A obsessão do governo não deveria ser a taxa de juros. Ela é consequência, não causa dos problemas. Bom mesmo seria debater reformas para fortalecer o potencial de crescimento e o ajuste fiscal — preferencialmente evitando o aumento da carga tributária, como proposto, até porque ele tende a ser repassado aos preços.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

"Entrega inflação baixa"....
Faxineira sofisticada, passando pano pro BC do Bob Fields Neto

Anônimo disse...

O País precisa de reformas, como sugere a articulista.