quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Hélio Schwartsman - A pulverização do poder

Folha de S. Paulo

Até que ponto autoridades não eleitas podem se contrapor a planos de eleitos?

Guardadas as proporções, há semelhança entre o que acontece no Brasil e em Israel. Nos dois países, os governantes entraram em rota de choque com outras esferas de poder do Estado, provocando uma discussão sobre o sistema de freios e contrapesos que caracteriza as democracias.

O caso israelense é muito mais grave que o brasileiro. Ali, o premiê Binyamin Netanyahu, que lidera uma coalizão de extrema direita, propôs uma reforma do Judiciário que, se aprovada, reduzirá drasticamente o poder da Suprema Corte. O projeto não só dá ao Parlamento poderes para anular decisões da corte como ainda altera as regras para a nomeação de seus magistrados, ampliando as indicações de políticos. Não à toa, a proposta está sendo vista como um ataque à repartição dos Poderes e, portanto, à democracia.

No Brasil, Lula, que foi eleito com a promessa de restaurar a institucionalidade vandalizada por Bolsonaro, vem se indispondo com o presidente do Banco Central e atacando a autonomia legal da autarquia. Ao que tudo indica, é um jogo de pressão política, pois não há plano sério para rever a autonomia.

Tanto os partidários de Netanyahu como os de Lula alegam que autoridades não eleitas não podem tornar-se empecilhos aos projetos de dirigentes legitimamente eleitos. Será?

Como se sabe desde a Antiguidade, o caminho para evitar a tirania é justamente espalhar obstáculos institucionais que impeçam a concentração excessiva do poder. Aristóteles já falava na necessidade de uma constituição híbrida. Outros teóricos como Locke e, principalmente, Montesquieu desenvolveram mais essa ideia, que ganhou lugar central na Constituição americana. Mais recentemente, agências reguladoras e outras autarquias ampliaram ainda mais essa pulverização do poder.

Obstáculos institucionais são frustrantes quando você simpatiza com o governante de turno, mas são a boia de salvação quando o dirigente exibe apetites totalitários.

 

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