Rever meta de inflação é risco desnecessário
O Globo
Embora haja argumentos para elevar metas
futuras, não tem nexo mexer no objetivo do ano que já começou
Está prevista para amanhã a primeira
reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) deste governo. Em volta da mesa
estarão o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a ministra do Planejamento,
Simone Tebet, e o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Depois
de repetidos ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao presidente do
BC e dos acenos pacificadores de Campos Neto, Haddad retirou da pauta a
discussão sobre mudanças nas metas de inflação para 2023 (3,25%), 2024 (3%) e
2025 (3%).
Em sua sucessão de diatribes contra a política monetária, Lula tem criticado as metas. Como o governo dispõe de dois votos no CMN, poderia, se quisesse, mudar os objetivos impostos ao BC. Em entrevista ao programa “Roda viva” na segunda-feira, Campos Neto tornou pública sua posição: afirmou que a eventual mudança traria prejuízos às expectativas de consumidores, empresários e investidores. Felizmente Haddad entendeu o aceno pacificador e, num gesto de reciprocidade, deixou de lado a discussão sobre as metas.
As razões de Campos Neto são procedentes.
Ao verem que o governo Lula aceita mais inflação, os agentes econômicos passam
a apostar na alta dos preços, tornando mais difícil combatê-la. Os mais
prejudicados são os mais pobres. O melhor é deixar a discussão sobre novas
metas para a reunião do CMN em junho, quando será decidido o objetivo de 2026.
Há argumentos para elevar metas futuras, levando em conta o cenário
inflacionário global, mas não há nexo em mexer em meta de 2023, ano que já
começou.
Na entrevista, Campos Neto foi
conciliatório, se pôs à disposição para encontrar Lula e explicar o que for
preciso. É verdade que o Brasil tem os maiores juros reais do mundo — um freio
aos investimentos. Mas, em dezembro, a meta era considerada viável, e a queda
da Selic viria naturalmente a partir de junho, quando o novo governo tivesse
consolidado sua credibilidade com reformas e uma nova âncora fiscal.
Em vez de cuidar disso, Lula e os cardeais
do PT preferiram atacar Campos Neto misturando fatos e desinformação. Escolhido
por Bolsonaro para comandar o BC, ele cometeu erros condenáveis, como ir votar
em outubro com camisa da seleção brasileira ou participar de um grupo de
mensagens com ministros do antigo governo. Mas, no mais importante, sua atuação
técnica, manteve independência.
Não há como argumentar que ele tenha
favorecido Bolsonaro. Pelo contrário. Em pleno ano eleitoral, com o então
presidente desesperado para se reeleger, a Selic foi de 9,25% para os atuais
13,75%. Quando os bolsonaristas tentaram tirar proveito político do Pix, Campos
Neto veio a público dizer que quem merecia aplauso era a equipe técnica do BC,
que trabalhou anos no projeto. Por fim, as atas do Comitê de Política Monetária
(Copom) criticaram de modo incisivo os riscos fiscais das investidas contra o
teto de gastos.
Ao apelar à camisa amarela e ao grupo de
mensagens, Lula encontra um bode expiatório conveniente para a incerteza
econômica. O melhor que pode fazer para facilitar a queda dos juros agora não é
mudar a meta de inflação, nem criticar o BC. O governo já deveria ter
encaminhado ao Congresso propostas de uma âncora fiscal confiável e de reforma
tributária. Se houvesse clareza sobre esses pontos, a queda da Selic seria mera
consequência.
Segurança no carnaval impõe desafio para estados e prefeituras
O Globo
Nos blocos que antecedem a folia, ladrões e
golpistas têm se esbaldado em meio aos cortejos
Os milhões de foliões que deverão tomar as
ruas do país nos próximos dias precisarão ficar atentos à segurança. Em
metrópoles como Rio ou São Paulo, os concorridos blocos do pré-carnaval mostram
que ladrões e golpistas têm se esbaldado em meio aos cortejos, aproveitando
falhas nos esquemas de policiamento para agir. O repertório inesgotável de
crimes inclui spray de pimenta para distrair as vítimas, golpes da maquininha e
da pochete, abraços mal-intencionados e até beijos de falsos pierrôs para
furtar celulares das colombinas.
As maquininhas de cartões viraram um dos
adereços preferidos dos ladrões infiltrados nos blocos. Eles aproximam o
aparelho dos bolsos e bolsas das vítimas para extrair créditos indevidamente.
No golpe da pochete — acessório usado pelos foliões pela praticidade —, um
bandido puxa o zíper e, logo em seguida, outro furta os pertences. No Rio, há
vários relatos desses golpes. Em São Paulo, um folião foi comprar uma bebida e,
ao não conseguir fazer o pagamento por aproximação, entregou o cartão ao
vendedor, que aproveitou para trocá-lo sem que ele percebesse. Resultado: a
conta da vítima foi zerada.
Crimes na folia são mais comuns do que se
pensa. No pré-carnaval de 2020, último antes da pandemia, a média de roubos e
furtos de celulares em São Paulo saltou de 600 por dia para mais de 2.300. No
período de carnaval, ficou em torno de 1.700.
Manuais de sobrevivência nos blocos têm
orientado foliões sobre a melhor forma de se proteger. As principais dicas:
usar as conhecidas “doleiras” por dentro da roupa para guardar pertences de
valor; não entregar o cartão ao vendedor; exigir senha para concluir transações
eletrônicas; impor limites às transações; conferir o valor no visor do
equipamento; andar sempre acompanhado etc.
São informações úteis, mas a
responsabilidade pela segurança pública não pode ser lançada sobre os ombros do
cidadão. Não está em questão deixar celulares e cartões em casa. Seria o
cúmulo. Polícias e Guardas Municipais tiveram tempo suficiente para preparar
seus esquemas de vigilância. Até quem odeia carnaval sabia que, depois de dois
anos de recesso forçado pelo vírus, haveria blocos superlativos, que
demandariam maior proteção. É verdade que existem ações engenhosas, como o uso
de drones para vigiar os cortejos em São Paulo, mas, a julgar pela profusão de
golpes, parecem não ser suficientes.
Além da diversão, o carnaval de rua
significa emprego para muita gente e reforço de caixa para os municípios,
especialmente Rio, Salvador, Recife, Olinda, São Paulo e Belo Horizonte.
Estados e prefeituras têm obrigação de garantir que brasileiros e estrangeiros
que vêm prestigiar a festa possam brincar em paz.
Centro, volver
Folha de S. Paulo
Histórico de votação na Câmara mostra que
Lula deve fazer concessões ideológicas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
até pode insistir
em se mostrar mais à esquerda hoje do que em seu primeiro mandato,
mas, pelo bem de seu governo, é bom que tenha planos de deslocar sua pauta mais
para o centro da régua ideológica.
Não só porque o petista, durante a campanha
no ano passado, alardeou uma frente ampla para derrotar Jair Bolsonaro (PL).
Há, além desse dever de honestidade eleitoral, uma outra razão, bem mais
pragmática, para Lula começar a fazer concessões na arena política.
É que o Congresso Nacional, em sua atual
composição, tem pouca afinidade com os interesses do PT. E não se trata apenas
de constatar que a base governista alcança meros 223 deputados na Câmara,
número insuficiente para a aprovação de PECs (proposta de emenda à
Constituição), que demanda 308 votos, ou mesmo de projetos de lei complementar
(257 votos).
Como mostrou reportagem da Folha ao
analisar o histórico de votação na Câmara nas últimas duas décadas, a
dissintonia ocorre mesmo entre os aliados. PSD, MDB, Avante,
Solidariedade e Pros, contabilizados no arco lulista, têm votado em sentido
contrário ao do PT desde pelo menos o final do governo Dilma Rousseff (PT).
Embora esse comportamento passado não
defina o futuro, ele no mínimo indica que não existe nenhuma proximidade
ideológica entre essas agremiações e o PT.
Dito de outra forma, elas até podem votar
em bloco com o governo Lula —como, aliás, já ocorreu na década de 2000—, mas
não o farão por compatibilidade de princípios.
Situação semelhante, se bem que ainda mais
acentuada, vivem legendas autodeclaradas independentes em relação ao governo
Lula: União Brasil, PP e Republicanos.
Somando 149 dos 188 deputados federais
ditos independentes, essas três agremiações evitaram vestir o figurino
oposicionista, mas seu histórico na Câmara sugere grande distanciamento do PT.
A União Brasil, por exemplo, que até
angariou três ministérios sob Lula, surgiu da fusão do PSL com o DEM —isto é,
um partido que cresceu na esteira do bolsonarismo e outro que sempre votou com
o sinal trocado dos petistas.
Se Lula quiser governar sem sofrer revés
atrás de revés no Legislativo, precisará oferecer a esses partidos algo que os
faça votar em consonância com o Planalto.
Há duas opções conhecidas: distribuir
cargos e verbas; conduzir negociação programática. Enquanto a primeira não
passa de resposta fisiológica, tão instável quanto rasteira, a segunda implica
buscar solução de compromisso em torno de acordos republicanos.
Não há como ter dúvida quanto ao melhor
caminho a escolher.
Ar quente
Folha de S. Paulo
Crise entre EUA e China acerca de balões
espiões trava reaproximação dos rivais
Crises entre grandes potências podem ter
motivações claras, como a oposição do Ocidente à Rússia devido à agressão
contra a Ucrânia, ou descer a níveis de opacidade que, em outras
circunstâncias, seriam vistos como farsescos.
É o caso da corrente disputa entre as duas
maiores economias do mundo, Estados Unidos e China, devido ao suposto emprego
de balões espiões por parte dos chineses.
Essa, ao menos, é a alegação dos
americanos, que derrubaram
um desses artefatos no dia 4 e, desde a sexta passada (10), abateram mais
outros três menores.
Se no caso do primeiro balão a suspeita
estava estabelecida por imagens que mostravam um objeto do tamanho de três
ônibus, com equipamentos pendurados, nada se sabe sobre os demais abatidos.
O governo dos EUA apenas afirma que eles,
objetos voadores não identificados que são, não pertencem a alguma raça
alienígena. O fato de ter sido necessária tal declaração por parte do porta-voz
da Casa Branca mostra o grau de surrealismo da atual contenda.
Pequim sustenta que o primeiro balão era de
fato chinês, mas civil, e destinava-se a pesquisa meteorológica. Havia apenas
saído de curso. Depois, acusou os EUA
de fazer mais de dez incursões semelhantes no ano passado.
De lado a lado, a história soa imprecisa.
Se chineses sofreram violações americanas de seu espaço aéreo, como não houve
queixa formal, se, no ambiente de confronto estabelecido entre ambos, quase
todos os temas viram contenciosos? O mesmo vale para os EUA, que alegam terem
recalibrado seus radares, gerando a onda de avistamentos e derrubadas de óvnis.
O imbróglio mais parece remeter à paranoia
dos anos 1950 —quando homens verdes de Marte e comunistas habitavam o mesmo
escaninho na imaginação coletiva americana— do que coadunar com transparência
governamental.
Talvez por um bom motivo: rivais
geopolíticos se espionam desde sempre na história mundial.
O que é certo até aqui é que o caso fez com
que o secretário de Estado americano, Antony Blinken, cancelasse uma ida a
Pequim. A reaproximação aberta pelo regime de Xi Jinping no fim do ano passado,
quando o líder chinês encontrou-se com o presidente Joe Biden, está emperrada.
Isso interessa a muitos nos EUA, a começar pela oposição republicana ao mandatário democrata, de olho nas eleições do ano que vem.
Mais realismo na diplomacia, presidente
O Estado de S. Paulo.
O saldo diplomático do governo é positivo,
especialmente na questão ambiental. Mas Lula precisa parar de desperdiçar
capital com temas que escapam à esfera de atuação do Brasil
O saldo diplomático do governo Lula tem
sido positivo. Dentre as primeiras visitas, três são para os maiores parceiros
comerciais do Brasil: Argentina, EUA e China. Lula tem dado preeminência à
agenda ambiental, na qual o Brasil pode e deve ser um protagonista-chave. Mas o
presidente precisa parar de gastar capital diplomático com questões que o País
não tem condições de influenciar e que servem apenas ao seu apetite por
autopromoção. O encontro com o presidente norte-americano, Joe Biden, ilustra
esses aspectos da diplomacia lulista.
Que não tenha havido resoluções bilaterais
concretas é natural. Com pouco mais de um mês de governo, o objetivo do
encontro era simbólico: marcar a reaproximação após os atritos provocados por
Jair Bolsonaro. Nesse contexto se deram as conversas sobre as ameaças à
democracia e os compromissos genéricos contra a desigualdade e pelos direitos
humanos.
Até certas omissões foram positivas. Mesmo
que divergências, como, por exemplo, sobre a Organização Mundial do Comércio,
tenham sido levantadas, o foram de passagem, evitando confrontos
contraproducentes. Felizmente, Lula não insistiu em suas críticas aos embargos
dos EUA a Cuba ou Venezuela, que dizem respeito às relações entre esses países
e não têm relação direta com o Brasil. Mais importante, a China não foi
assunto, o que sinaliza a prudência de Lula em manter equidistância entre as
duas potências.
O resultado mais relevante foi o aceno dos
EUA de integrar o Fundo Amazônia. As cifras sinalizadas (US$ 50 milhões) foram
irrisórias, mas há um imenso espaço para cooperação: na campanha presidencial,
Biden chegou a prometer US$ 20 bilhões para a Amazônia.
Como de hábito, porém, Lula perdeu uma
oportunidade de ficar calado, ao embutir na conversa a guerra na Ucrânia. Biden
se restringiu diplomaticamente a desconversar. Coube à repórter da CNN
Christiane Amanpour enquadrá-lo: “O senhor fala muito sobre democracia, mas por
que está tão comprometido com a democracia em seu país e não fora?”. Tão
melíflua era a peroração de Lula sobre a “paz”, que Amanpour se viu obrigada a
interrompê-lo: “Isso é legal, mas o senhor acredita que um país soberano,
democrático e independente tem direito à legítima defesa?”. As respostas de
Lula, recorrendo às mesmas platitudes, mais que uma demonstração de idealismo,
foram um atestado de ingenuidade. Tudo se passa como um mal-entendido:
“Precisamos explicar ao presidente (Vladimir) Putin o erro que cometeu”.
Mais importante que o quimérico “clube da
paz” de Lula, seria tratar de oportunidades para o Brasil, como o ingresso na
OCDE. Mas Lula não só evitou essa pauta, como a sabotou: a diplomacia americana
ofereceu reforçar no comunicado oficial o apoio à entrada do Brasil, mas o
trecho foi vetado pela comitiva brasileira. As gestões petistas deixaram na
geladeira o ingresso na OCDE, desdenhada como o “clube dos ricos”. Na verdade,
ela é um clube de boas práticas em políticas públicas. O ingresso implica
adesão a instrumentos que garantam um ambiente de negócios amigável e
transparência e racionalidade à governança pública. Por razões óbvias, tudo
isso incomoda o PT.
Mesmo os pontos positivos do encontro, como
a defesa da democracia ou do meio ambiente, foram maculados. Em nome do último,
Lula traiu a primeira, deixando transparecer seus instintos autoritários ao
conclamar Biden a fazer alguma coisa “para que a gente obrigue os países, os
nossos Congressos, os nossos empresários, a acatar as decisões que nós tomamos
a níveis globais”.
Após o nanismo diplomático de Bolsonaro,
não seria difícil para qualquer presidente fazer boa figura no plano
internacional, auferindo ganhos para o País. Seja por oportunismo ou convicção,
Lula percebeu que o Brasil tem um grande ativo na questão ambiental. Mas, até
para que não o desperdice, o presidente faria bem em traduzir para a diplomacia
a atitude atribuída a São Francisco de Assis: “Senhor, dai-me coragem para
mudar as coisas que posso mudar, serenidade para aceitar as que não posso, e
sabedoria para distinguir umas das outras”.
A democracia resiste
O Estado de S. Paulo.
A recessão democrática que assombrou o
mundo nos últimos anos aparentemente foi interrompida em 2022, aponta índice da
Economist Intelligence Unit, mas o trabalho está só no começo
A democracia segue sob ataque, mas a situação
parou de piorar, segundo a mais recente edição do Índice de Democracia
elaborado pela Economist Intelligence Unit, divisão de pesquisas do grupo
responsável pela revista britânica The Economist. De 2016 a 2021, esse
indicador capaz de medir o vigor da democracia em 167 países e territórios
havia descido gradativamente até o patamar mais baixo de sua série histórica,
iniciada em 2006. Agora o índice mostra que o declínio democrático foi
interrompido em 2022, um alívio em meio a tantas turbulências. Resta saber,
porém, se o freio na escalada autoritária terá força para se impor daqui para a
frente − ou se foi mero espasmo.
Na escala de 0 a 10, a média global do
Índice de Democracia ficou em 5,29 no ano passado, um acréscimo de 0,01 em
relação ao resultado de 2021. Essa mínima variação não chegou a ser
classificada como aumento, mas estagnação, o suficiente para conter a espiral
descendente dos últimos anos. A única região a apresentar avanços democráticos
expressivos foi a Europa ocidental, cujo indicador cresceu de 8,22 para 8,36.
Ao todo, 75 países subiram na tabela, bem mais que os 47 registrados em 2021.
Por outro lado, houve graves retrocessos. A
Rússia foi a nação que mais perdeu posições em meio à onda de repressão e
censura interna que se seguiu à criminosa e inaceitável invasão da Ucrânia. A
China, por sua vez, fez valer seus poderes ditatoriais ao implementar uma
política de tolerância zero em relação à covid-19, mantendo milhões de pessoas
trancadas em casa no terceiro ano da pandemia. O norte da África e o Oriente
Médio puxaram a média global para baixo, enquanto a América Latina e o Caribe
tiveram nova queda no indicador: de 5,83 para 5,79.
O Índice de Democracia classifica os países
em quatro grupos. No topo estão as chamadas “democracias plenas”, categoria que
passou de 21 para 24 nações, com a reinclusão de Chile, Espanha e França em
2022. Vale notar que esse seleto grupo, liderado pela Noruega e formado
majoritariamente por europeus, concentra apenas 8% da população mundial.
Consideradas as “democracias falhas”, entre as quais se encontram Brasil e
Estados Unidos, as democracias alcançam 72 países, respondendo por menos de
metade da população mundial − um dado que diz muito sobre o déficit
democrático. As demais categorias são a dos “regimes híbridos”, na qual o Peru
acaba de ingressar, e a dos “regimes autoritários”, caso de Venezuela,
Nicarágua, Cuba e Haiti.
O relatório da Economist Intelligence Unit
faz referência à falta de consenso internacional acerca dos critérios para
medir o grau de democracia de um país. O índice é calculado com base em 60
indicadores de 5 grandes áreas: processo eleitoral e pluralismo; liberdades
civis; funcionamento do governo; participação política; e cultura política.
Embora não esgotem o conceito de democracia, essas categorias jogam luz sobre
diferentes aspectos a serem observados para que se possa falar, efetivamente,
em regime democrático. Cabe destacar alguns dos parâmetros por trás do conceito
de “democracias plenas”: existência de Poder Judiciário independente, sistema
eficaz de freios e contrapesos, imprensa livre e uma cultura política que
estimule a participação popular. Eleições justas e livres, claro, pressupõem
respeito ao resultado das urnas e transferência pacífica de poder.
O Brasil perdeu quatro posições neste ano e
aparece na 51.ª posição, com índice de 6,78, atrás de países como Argentina,
Índia e África do Sul. O relatório assinala que a eleição presidencial
brasileira foi a mais polarizada da América Latina em 2022 e menciona os
ataques do então presidente Jair Bolsonaro às urnas eletrônicas, além dos atos
golpistas do último dia 8 de janeiro − citados, corretamente, como um risco
“para o futuro da democracia brasileira”. Risco esse, vale dizer, que deve ser
desbaratado com a força das instituições do País.
O Índice de Democracia sinalizou que é
possível frear a erosão democrática global, um alento para quem se opõe à
escalada autoritária. Repetir tamanho passo em 2023 e nos próximos anos é um
desafio para democratas no mundo inteiro.
O Judiciário deve voltar ao normal
O Estado de S. Paulo.
Não há mais qualquer razão objetiva a impedir que juízes e servidores voltem ao trabalho presencial
Os magistrados e demais servidores do Poder
Judiciário devem voltar ao trabalho presencial a partir do próximo dia 16, como
determina uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 17 de novembro
do ano passado. Foram três meses de preparação para esse retorno aos fóruns.
Não obstante, associações de juízes e
sindicatos de servidores têm resistido à ordem do CNJ. Não há, porém, qualquer
razão objetiva para essa relutância, apenas o apego a certos confortos
particulares. Há servidores que reclamam de eventuais “prejuízos à rotina” que
a volta ao trabalho presencial poderia causar. Outros argumentam, pasme o
leitor, que durante o trabalho remoto passaram a ter uma “vida organizada no
exterior”, como se a natureza do serviço público que prestam não exigisse o
vínculo territorial.
Quase três anos depois, o fato é que ainda
não é possível dizer que a pandemia de covid-19 acabou. Mas, graças ao
progresso da vacinação, o vírus não representa mais uma ameaça à saúde das
pessoas a ponto de demandar o prolongamento do trabalho remoto para a prestação
de serviços públicos. Tanto que a esmagadora maioria dos servidores dos Poderes
Executivo e Legislativo também já voltou ao trabalho presencial.
Excetuando-se casos muito particulares,
como, por exemplo, a prestação dos serviços de saúde e de transporte,
praticamente todo o País já voltou àquela vida conhecida antes da eclosão da
emergência sanitária. Por que só os servidores do Judiciário não haveriam de
voltar?
Quando acorrem à Justiça, é aos magistrados
que os cidadãos expõem suas maiores angústias, depositando nesses servidores
toda a sua esperança por uma decisão que lhes seja favorável. A Justiça lida,
primordialmente, com tudo que toca o humano. Nesse sentido, o contato
presencial é fundamental.
Evidentemente, há casos e casos. Talvez
esses três últimos anos tenham servido para mostrar que certos serviços podem
continuar sendo prestados pela Justiça de forma remota sem qualquer prejuízo
para os cidadãos. Decerto o CNJ sopesou perdas e ganhos ao tomar a decisão de
impor a volta ao trabalho presencial.
Uma vez decidida a questão, não cabe mais
às associações e sindicatos contestar a decisão colegiada; cabe cumpri-la. Uma
das atribuições do CNJ é zelar pela eficiência na prestação dos serviços
judiciais. A decisão de novembro passado leva em consideração essa missão do
colegiado.
Enquanto servidores reclamam de supostos
“prejuízos” causados pelo retorno ao trabalho presencial – como se essa não
fosse a realidade com a qual todos estavam acostumados até bem pouco tempo
atrás –, muitos advogados, segundo apurou o Estadão, não encontram juízes para
despachar seus processos, que ficam dormitando nos escaninhos da Justiça, e
reclamam de longa espera pela marcação de audiências.
Como bem disse o ministro relator da resolução do CNJ, Luiz Philippe de Mello Filho, do Tribunal Superior do Trabalho, “o retorno da magistratura aos seus respectivos locais de trabalho é imperativo inegociável neste momento em que toda a sociedade já voltou à situação de normalidade”.
Juros altos não se combatem com chavões
inúteis
Valor Econômico
Não se pode brincar com a inflação, que não
está domada. O debate sobre juros não é abstrato
A um chamado do presidente Lula, o PT e os
que comungam de suas ideias políticas, econômicas ou sociais, em marcha unida,
passaram a criticar a política monetária do Banco Central. Os juros estão
parados desde setembro em 13,75%, mas se tornaram escorchantes e um veneno para
o crescimento a partir do momento em que Lula disse que eles eram isso, o que
diz muito sobre o estado do pensamento crítico da esquerda, que tornou-se
oficialista.
Tudo pode e deve ser discutido em relação
aos juros, mas há modos e maneiras. Uma das piores formas de fazê-lo é, antes
de apresentar qualquer argumento, desmoralizar a autoridade monetária e
desqualificar o presidente do BC, um jeito manjado de a torcida organizada
dizer que a instituição deveria estar nas mãos de um petista, que faria a coisa
certa - obedeceria ao chefe. No governo de Dilma Rousseff, houve algo parecido
e o país afundou em uma de suas maiores recessões.
Roberto Campos Neto é bolsonarista, não
petista. Provar que pretende arruinar o governo de Lula por isso é tarefa
ingrata. Os juros subiram às vésperas das eleições, o que não condiz com
atitudes alinhadas ao da escória da direita brasileira. Resta abrir uma
discussão serena sobre o assunto, o que por princípio implica afastar ruídos
indesejáveis, ainda que próprios das democracias, como os discursos e atos da
presidente do PT, Gleisi Hoffmann e do líder do partido na Câmara, Zeca Dirceu,
que nada têm a oferecer além de chavões inúteis.
Lula não disse até hoje qual será o regime
fiscal que pretende seguir em seu governo, após anos de ataques ao teto de
gastos. É estranho que quem nunca teve a menor dúvida daquilo que detesta não
saiba dizer ainda, muito tempo depois, o que deseja. Desconfia-se com razão,
pela inclinação do partido que levou à debacle econômica da última década, que
Lula pretende eliminar todos os obstáculos para gastar o que quiser como bem
entender.
A meta de inflação de 3,25% com intervalo
de 1,5 ponto percentual é inexequível? Pode ou não ser. Faz sentido perseguir
3,25% quando não se conseguiu no ano anterior atingir 3,5%? Talvez. Deve-se
reduzir a meta a 3% quando nem 3,25% nem 3,5% foram viáveis? Provavelmente não.
Os juros de hoje são altos? Nenhuma dúvida sobre isso. A questão é complexa e o
momento, delicado.
Campos Neto pode ser chamado ao Congresso
ou a conversar sobre isso com o presidente da República, mas não terá muito
mais a dizer além dos argumentos oficiais que estão expressos nas atas e
comunicados do Copom. O governo legitimamente os contesta, mas não deveria
fazê-lo com a grosseria e a indigência utilizadas.
Juros altos desaquecem a economia, aumentam
o desemprego, encarecem o crédito e trazem uma série de consequências nefastas
para a economia com o objetivo de debelar a inflação. Essa política vai na
direção contrária da que o governo almeja. Mas Lula, em seu primeiro mandato,
sancionou juros bem mais altos que os de agora. Em um ano, arrumou a área,
derrubou a inflação e abriu a via do crescimento.
Até o fim de 2022, as expectativas
coletadas no Focus eram que os juros poderiam cair a partir do primeiro
semestre deste ano. Por que o presidente não aceita agora a carência necessária
para que o aperto monetário faça efeito quando a aceitou antes? Não se sabe.
Lula tem conhecimento que o BC não é
independente, mas autônomo, e que a única forma de colocá-lo a serviço da
política de governo é mudar a meta de inflação por meio do Conselho Monetário
Nacional. Para isso, não é preciso espicaçar o presidente do BC, nem a
independência da instituição, basta tomar uma decisão política. O BC tem de
executar a meta determinada pelo Conselho.
É o momento de mudar a meta? Há bons
argumentos para um lado e outro. Seria melhor fazê-lo em tempos normais, fora
de um período de inflação alta que desafia todos os BCs - nem o Fed americano,
o Banco Central Europeu e muitos outros conseguem atingir suas metas há alguns
anos. Há polêmica também sobre se a elevação da meta reduziria os juros ou
teria um efeito contrário, obrigando-os a subir ainda mais pela deterioração
das expectativas.
Não se pode brincar com a inflação, que não
está domada. O debate sobre juros não é abstrato. Bolsonaro foi eleito após a
gastança e a grande recessão provocadas pelas políticas do governo de Dilma
Rousseff. A suspeita é que Lula, pelo que diz, pode seguir o mesmo caminho, com
idênticos resultados - trazer de volta ao primeiro plano a alta da inflação e,
depois, os inimigos da democracia.
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