quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Rever meta de inflação é risco desnecessário

O Globo

Embora haja argumentos para elevar metas futuras, não tem nexo mexer no objetivo do ano que já começou

Está prevista para amanhã a primeira reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) deste governo. Em volta da mesa estarão o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Depois de repetidos ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao presidente do BC e dos acenos pacificadores de Campos Neto, Haddad retirou da pauta a discussão sobre mudanças nas metas de inflação para 2023 (3,25%), 2024 (3%) e 2025 (3%).

Em sua sucessão de diatribes contra a política monetária, Lula tem criticado as metas. Como o governo dispõe de dois votos no CMN, poderia, se quisesse, mudar os objetivos impostos ao BC. Em entrevista ao programa “Roda viva” na segunda-feira, Campos Neto tornou pública sua posição: afirmou que a eventual mudança traria prejuízos às expectativas de consumidores, empresários e investidores. Felizmente Haddad entendeu o aceno pacificador e, num gesto de reciprocidade, deixou de lado a discussão sobre as metas.

As razões de Campos Neto são procedentes. Ao verem que o governo Lula aceita mais inflação, os agentes econômicos passam a apostar na alta dos preços, tornando mais difícil combatê-la. Os mais prejudicados são os mais pobres. O melhor é deixar a discussão sobre novas metas para a reunião do CMN em junho, quando será decidido o objetivo de 2026. Há argumentos para elevar metas futuras, levando em conta o cenário inflacionário global, mas não há nexo em mexer em meta de 2023, ano que já começou.

Na entrevista, Campos Neto foi conciliatório, se pôs à disposição para encontrar Lula e explicar o que for preciso. É verdade que o Brasil tem os maiores juros reais do mundo — um freio aos investimentos. Mas, em dezembro, a meta era considerada viável, e a queda da Selic viria naturalmente a partir de junho, quando o novo governo tivesse consolidado sua credibilidade com reformas e uma nova âncora fiscal.

Em vez de cuidar disso, Lula e os cardeais do PT preferiram atacar Campos Neto misturando fatos e desinformação. Escolhido por Bolsonaro para comandar o BC, ele cometeu erros condenáveis, como ir votar em outubro com camisa da seleção brasileira ou participar de um grupo de mensagens com ministros do antigo governo. Mas, no mais importante, sua atuação técnica, manteve independência.

Não há como argumentar que ele tenha favorecido Bolsonaro. Pelo contrário. Em pleno ano eleitoral, com o então presidente desesperado para se reeleger, a Selic foi de 9,25% para os atuais 13,75%. Quando os bolsonaristas tentaram tirar proveito político do Pix, Campos Neto veio a público dizer que quem merecia aplauso era a equipe técnica do BC, que trabalhou anos no projeto. Por fim, as atas do Comitê de Política Monetária (Copom) criticaram de modo incisivo os riscos fiscais das investidas contra o teto de gastos.

Ao apelar à camisa amarela e ao grupo de mensagens, Lula encontra um bode expiatório conveniente para a incerteza econômica. O melhor que pode fazer para facilitar a queda dos juros agora não é mudar a meta de inflação, nem criticar o BC. O governo já deveria ter encaminhado ao Congresso propostas de uma âncora fiscal confiável e de reforma tributária. Se houvesse clareza sobre esses pontos, a queda da Selic seria mera consequência.

 Segurança no carnaval impõe desafio para estados e prefeituras

O Globo

Nos blocos que antecedem a folia, ladrões e golpistas têm se esbaldado em meio aos cortejos

Os milhões de foliões que deverão tomar as ruas do país nos próximos dias precisarão ficar atentos à segurança. Em metrópoles como Rio ou São Paulo, os concorridos blocos do pré-carnaval mostram que ladrões e golpistas têm se esbaldado em meio aos cortejos, aproveitando falhas nos esquemas de policiamento para agir. O repertório inesgotável de crimes inclui spray de pimenta para distrair as vítimas, golpes da maquininha e da pochete, abraços mal-intencionados e até beijos de falsos pierrôs para furtar celulares das colombinas.

As maquininhas de cartões viraram um dos adereços preferidos dos ladrões infiltrados nos blocos. Eles aproximam o aparelho dos bolsos e bolsas das vítimas para extrair créditos indevidamente. No golpe da pochete — acessório usado pelos foliões pela praticidade —, um bandido puxa o zíper e, logo em seguida, outro furta os pertences. No Rio, há vários relatos desses golpes. Em São Paulo, um folião foi comprar uma bebida e, ao não conseguir fazer o pagamento por aproximação, entregou o cartão ao vendedor, que aproveitou para trocá-lo sem que ele percebesse. Resultado: a conta da vítima foi zerada.

Crimes na folia são mais comuns do que se pensa. No pré-carnaval de 2020, último antes da pandemia, a média de roubos e furtos de celulares em São Paulo saltou de 600 por dia para mais de 2.300. No período de carnaval, ficou em torno de 1.700.

Manuais de sobrevivência nos blocos têm orientado foliões sobre a melhor forma de se proteger. As principais dicas: usar as conhecidas “doleiras” por dentro da roupa para guardar pertences de valor; não entregar o cartão ao vendedor; exigir senha para concluir transações eletrônicas; impor limites às transações; conferir o valor no visor do equipamento; andar sempre acompanhado etc.

São informações úteis, mas a responsabilidade pela segurança pública não pode ser lançada sobre os ombros do cidadão. Não está em questão deixar celulares e cartões em casa. Seria o cúmulo. Polícias e Guardas Municipais tiveram tempo suficiente para preparar seus esquemas de vigilância. Até quem odeia carnaval sabia que, depois de dois anos de recesso forçado pelo vírus, haveria blocos superlativos, que demandariam maior proteção. É verdade que existem ações engenhosas, como o uso de drones para vigiar os cortejos em São Paulo, mas, a julgar pela profusão de golpes, parecem não ser suficientes.

Além da diversão, o carnaval de rua significa emprego para muita gente e reforço de caixa para os municípios, especialmente Rio, Salvador, Recife, Olinda, São Paulo e Belo Horizonte. Estados e prefeituras têm obrigação de garantir que brasileiros e estrangeiros que vêm prestigiar a festa possam brincar em paz.

Centro, volver

Folha de S. Paulo

Histórico de votação na Câmara mostra que Lula deve fazer concessões ideológicas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até pode insistir em se mostrar mais à esquerda hoje do que em seu primeiro mandato, mas, pelo bem de seu governo, é bom que tenha planos de deslocar sua pauta mais para o centro da régua ideológica.

Não só porque o petista, durante a campanha no ano passado, alardeou uma frente ampla para derrotar Jair Bolsonaro (PL). Há, além desse dever de honestidade eleitoral, uma outra razão, bem mais pragmática, para Lula começar a fazer concessões na arena política.

É que o Congresso Nacional, em sua atual composição, tem pouca afinidade com os interesses do PT. E não se trata apenas de constatar que a base governista alcança meros 223 deputados na Câmara, número insuficiente para a aprovação de PECs (proposta de emenda à Constituição), que demanda 308 votos, ou mesmo de projetos de lei complementar (257 votos).

Como mostrou reportagem da Folha ao analisar o histórico de votação na Câmara nas últimas duas décadas, a dissintonia ocorre mesmo entre os aliados. PSD, MDB, Avante, Solidariedade e Pros, contabilizados no arco lulista, têm votado em sentido contrário ao do PT desde pelo menos o final do governo Dilma Rousseff (PT).

Embora esse comportamento passado não defina o futuro, ele no mínimo indica que não existe nenhuma proximidade ideológica entre essas agremiações e o PT.

Dito de outra forma, elas até podem votar em bloco com o governo Lula —como, aliás, já ocorreu na década de 2000—, mas não o farão por compatibilidade de princípios.

Situação semelhante, se bem que ainda mais acentuada, vivem legendas autodeclaradas independentes em relação ao governo Lula: União Brasil, PP e Republicanos.

Somando 149 dos 188 deputados federais ditos independentes, essas três agremiações evitaram vestir o figurino oposicionista, mas seu histórico na Câmara sugere grande distanciamento do PT.

A União Brasil, por exemplo, que até angariou três ministérios sob Lula, surgiu da fusão do PSL com o DEM —isto é, um partido que cresceu na esteira do bolsonarismo e outro que sempre votou com o sinal trocado dos petistas.

Se Lula quiser governar sem sofrer revés atrás de revés no Legislativo, precisará oferecer a esses partidos algo que os faça votar em consonância com o Planalto.

Há duas opções conhecidas: distribuir cargos e verbas; conduzir negociação programática. Enquanto a primeira não passa de resposta fisiológica, tão instável quanto rasteira, a segunda implica buscar solução de compromisso em torno de acordos republicanos.

Não há como ter dúvida quanto ao melhor caminho a escolher.

Ar quente

Folha de S. Paulo

Crise entre EUA e China acerca de balões espiões trava reaproximação dos rivais

Crises entre grandes potências podem ter motivações claras, como a oposição do Ocidente à Rússia devido à agressão contra a Ucrânia, ou descer a níveis de opacidade que, em outras circunstâncias, seriam vistos como farsescos.

É o caso da corrente disputa entre as duas maiores economias do mundo, Estados Unidos e China, devido ao suposto emprego de balões espiões por parte dos chineses.

Essa, ao menos, é a alegação dos americanos, que derrubaram um desses artefatos no dia 4 e, desde a sexta passada (10), abateram mais outros três menores.

Se no caso do primeiro balão a suspeita estava estabelecida por imagens que mostravam um objeto do tamanho de três ônibus, com equipamentos pendurados, nada se sabe sobre os demais abatidos.

O governo dos EUA apenas afirma que eles, objetos voadores não identificados que são, não pertencem a alguma raça alienígena. O fato de ter sido necessária tal declaração por parte do porta-voz da Casa Branca mostra o grau de surrealismo da atual contenda.

Pequim sustenta que o primeiro balão era de fato chinês, mas civil, e destinava-se a pesquisa meteorológica. Havia apenas saído de curso. Depois, acusou os EUA de fazer mais de dez incursões semelhantes no ano passado.

De lado a lado, a história soa imprecisa. Se chineses sofreram violações americanas de seu espaço aéreo, como não houve queixa formal, se, no ambiente de confronto estabelecido entre ambos, quase todos os temas viram contenciosos? O mesmo vale para os EUA, que alegam terem recalibrado seus radares, gerando a onda de avistamentos e derrubadas de óvnis.

O imbróglio mais parece remeter à paranoia dos anos 1950 —quando homens verdes de Marte e comunistas habitavam o mesmo escaninho na imaginação coletiva americana— do que coadunar com transparência governamental.

Talvez por um bom motivo: rivais geopolíticos se espionam desde sempre na história mundial.

O que é certo até aqui é que o caso fez com que o secretário de Estado americano, Antony Blinken, cancelasse uma ida a Pequim. A reaproximação aberta pelo regime de Xi Jinping no fim do ano passado, quando o líder chinês encontrou-se com o presidente Joe Biden, está emperrada.

Isso interessa a muitos nos EUA, a começar pela oposição republicana ao mandatário democrata, de olho nas eleições do ano que vem.

Mais realismo na diplomacia, presidente

O Estado de S. Paulo.

O saldo diplomático do governo é positivo, especialmente na questão ambiental. Mas Lula precisa parar de desperdiçar capital com temas que escapam à esfera de atuação do Brasil

O saldo diplomático do governo Lula tem sido positivo. Dentre as primeiras visitas, três são para os maiores parceiros comerciais do Brasil: Argentina, EUA e China. Lula tem dado preeminência à agenda ambiental, na qual o Brasil pode e deve ser um protagonista-chave. Mas o presidente precisa parar de gastar capital diplomático com questões que o País não tem condições de influenciar e que servem apenas ao seu apetite por autopromoção. O encontro com o presidente norte-americano, Joe Biden, ilustra esses aspectos da diplomacia lulista.

Que não tenha havido resoluções bilaterais concretas é natural. Com pouco mais de um mês de governo, o objetivo do encontro era simbólico: marcar a reaproximação após os atritos provocados por Jair Bolsonaro. Nesse contexto se deram as conversas sobre as ameaças à democracia e os compromissos genéricos contra a desigualdade e pelos direitos humanos.

Até certas omissões foram positivas. Mesmo que divergências, como, por exemplo, sobre a Organização Mundial do Comércio, tenham sido levantadas, o foram de passagem, evitando confrontos contraproducentes. Felizmente, Lula não insistiu em suas críticas aos embargos dos EUA a Cuba ou Venezuela, que dizem respeito às relações entre esses países e não têm relação direta com o Brasil. Mais importante, a China não foi assunto, o que sinaliza a prudência de Lula em manter equidistância entre as duas potências.

O resultado mais relevante foi o aceno dos EUA de integrar o Fundo Amazônia. As cifras sinalizadas (US$ 50 milhões) foram irrisórias, mas há um imenso espaço para cooperação: na campanha presidencial, Biden chegou a prometer US$ 20 bilhões para a Amazônia.

Como de hábito, porém, Lula perdeu uma oportunidade de ficar calado, ao embutir na conversa a guerra na Ucrânia. Biden se restringiu diplomaticamente a desconversar. Coube à repórter da CNN Christiane Amanpour enquadrá-lo: “O senhor fala muito sobre democracia, mas por que está tão comprometido com a democracia em seu país e não fora?”. Tão melíflua era a peroração de Lula sobre a “paz”, que Amanpour se viu obrigada a interrompê-lo: “Isso é legal, mas o senhor acredita que um país soberano, democrático e independente tem direito à legítima defesa?”. As respostas de Lula, recorrendo às mesmas platitudes, mais que uma demonstração de idealismo, foram um atestado de ingenuidade. Tudo se passa como um mal-entendido: “Precisamos explicar ao presidente (Vladimir) Putin o erro que cometeu”.

Mais importante que o quimérico “clube da paz” de Lula, seria tratar de oportunidades para o Brasil, como o ingresso na OCDE. Mas Lula não só evitou essa pauta, como a sabotou: a diplomacia americana ofereceu reforçar no comunicado oficial o apoio à entrada do Brasil, mas o trecho foi vetado pela comitiva brasileira. As gestões petistas deixaram na geladeira o ingresso na OCDE, desdenhada como o “clube dos ricos”. Na verdade, ela é um clube de boas práticas em políticas públicas. O ingresso implica adesão a instrumentos que garantam um ambiente de negócios amigável e transparência e racionalidade à governança pública. Por razões óbvias, tudo isso incomoda o PT.

Mesmo os pontos positivos do encontro, como a defesa da democracia ou do meio ambiente, foram maculados. Em nome do último, Lula traiu a primeira, deixando transparecer seus instintos autoritários ao conclamar Biden a fazer alguma coisa “para que a gente obrigue os países, os nossos Congressos, os nossos empresários, a acatar as decisões que nós tomamos a níveis globais”.

Após o nanismo diplomático de Bolsonaro, não seria difícil para qualquer presidente fazer boa figura no plano internacional, auferindo ganhos para o País. Seja por oportunismo ou convicção, Lula percebeu que o Brasil tem um grande ativo na questão ambiental. Mas, até para que não o desperdice, o presidente faria bem em traduzir para a diplomacia a atitude atribuída a São Francisco de Assis: “Senhor, dai-me coragem para mudar as coisas que posso mudar, serenidade para aceitar as que não posso, e sabedoria para distinguir umas das outras”.

A democracia resiste

O Estado de S. Paulo.

A recessão democrática que assombrou o mundo nos últimos anos aparentemente foi interrompida em 2022, aponta índice da Economist Intelligence Unit, mas o trabalho está só no começo

A democracia segue sob ataque, mas a situação parou de piorar, segundo a mais recente edição do Índice de Democracia elaborado pela Economist Intelligence Unit, divisão de pesquisas do grupo responsável pela revista britânica The Economist. De 2016 a 2021, esse indicador capaz de medir o vigor da democracia em 167 países e territórios havia descido gradativamente até o patamar mais baixo de sua série histórica, iniciada em 2006. Agora o índice mostra que o declínio democrático foi interrompido em 2022, um alívio em meio a tantas turbulências. Resta saber, porém, se o freio na escalada autoritária terá força para se impor daqui para a frente − ou se foi mero espasmo.

Na escala de 0 a 10, a média global do Índice de Democracia ficou em 5,29 no ano passado, um acréscimo de 0,01 em relação ao resultado de 2021. Essa mínima variação não chegou a ser classificada como aumento, mas estagnação, o suficiente para conter a espiral descendente dos últimos anos. A única região a apresentar avanços democráticos expressivos foi a Europa ocidental, cujo indicador cresceu de 8,22 para 8,36. Ao todo, 75 países subiram na tabela, bem mais que os 47 registrados em 2021.

Por outro lado, houve graves retrocessos. A Rússia foi a nação que mais perdeu posições em meio à onda de repressão e censura interna que se seguiu à criminosa e inaceitável invasão da Ucrânia. A China, por sua vez, fez valer seus poderes ditatoriais ao implementar uma política de tolerância zero em relação à covid-19, mantendo milhões de pessoas trancadas em casa no terceiro ano da pandemia. O norte da África e o Oriente Médio puxaram a média global para baixo, enquanto a América Latina e o Caribe tiveram nova queda no indicador: de 5,83 para 5,79.

O Índice de Democracia classifica os países em quatro grupos. No topo estão as chamadas “democracias plenas”, categoria que passou de 21 para 24 nações, com a reinclusão de Chile, Espanha e França em 2022. Vale notar que esse seleto grupo, liderado pela Noruega e formado majoritariamente por europeus, concentra apenas 8% da população mundial. Consideradas as “democracias falhas”, entre as quais se encontram Brasil e Estados Unidos, as democracias alcançam 72 países, respondendo por menos de metade da população mundial − um dado que diz muito sobre o déficit democrático. As demais categorias são a dos “regimes híbridos”, na qual o Peru acaba de ingressar, e a dos “regimes autoritários”, caso de Venezuela, Nicarágua, Cuba e Haiti.

O relatório da Economist Intelligence Unit faz referência à falta de consenso internacional acerca dos critérios para medir o grau de democracia de um país. O índice é calculado com base em 60 indicadores de 5 grandes áreas: processo eleitoral e pluralismo; liberdades civis; funcionamento do governo; participação política; e cultura política. Embora não esgotem o conceito de democracia, essas categorias jogam luz sobre diferentes aspectos a serem observados para que se possa falar, efetivamente, em regime democrático. Cabe destacar alguns dos parâmetros por trás do conceito de “democracias plenas”: existência de Poder Judiciário independente, sistema eficaz de freios e contrapesos, imprensa livre e uma cultura política que estimule a participação popular. Eleições justas e livres, claro, pressupõem respeito ao resultado das urnas e transferência pacífica de poder.

O Brasil perdeu quatro posições neste ano e aparece na 51.ª posição, com índice de 6,78, atrás de países como Argentina, Índia e África do Sul. O relatório assinala que a eleição presidencial brasileira foi a mais polarizada da América Latina em 2022 e menciona os ataques do então presidente Jair Bolsonaro às urnas eletrônicas, além dos atos golpistas do último dia 8 de janeiro − citados, corretamente, como um risco “para o futuro da democracia brasileira”. Risco esse, vale dizer, que deve ser desbaratado com a força das instituições do País.

O Índice de Democracia sinalizou que é possível frear a erosão democrática global, um alento para quem se opõe à escalada autoritária. Repetir tamanho passo em 2023 e nos próximos anos é um desafio para democratas no mundo inteiro.

O Judiciário deve voltar ao normal

O Estado de S. Paulo.

Não há mais qualquer razão objetiva a impedir que juízes e servidores voltem ao trabalho presencial

Os magistrados e demais servidores do Poder Judiciário devem voltar ao trabalho presencial a partir do próximo dia 16, como determina uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 17 de novembro do ano passado. Foram três meses de preparação para esse retorno aos fóruns.

Não obstante, associações de juízes e sindicatos de servidores têm resistido à ordem do CNJ. Não há, porém, qualquer razão objetiva para essa relutância, apenas o apego a certos confortos particulares. Há servidores que reclamam de eventuais “prejuízos à rotina” que a volta ao trabalho presencial poderia causar. Outros argumentam, pasme o leitor, que durante o trabalho remoto passaram a ter uma “vida organizada no exterior”, como se a natureza do serviço público que prestam não exigisse o vínculo territorial.

Quase três anos depois, o fato é que ainda não é possível dizer que a pandemia de covid-19 acabou. Mas, graças ao progresso da vacinação, o vírus não representa mais uma ameaça à saúde das pessoas a ponto de demandar o prolongamento do trabalho remoto para a prestação de serviços públicos. Tanto que a esmagadora maioria dos servidores dos Poderes Executivo e Legislativo também já voltou ao trabalho presencial.

Excetuando-se casos muito particulares, como, por exemplo, a prestação dos serviços de saúde e de transporte, praticamente todo o País já voltou àquela vida conhecida antes da eclosão da emergência sanitária. Por que só os servidores do Judiciário não haveriam de voltar?

Quando acorrem à Justiça, é aos magistrados que os cidadãos expõem suas maiores angústias, depositando nesses servidores toda a sua esperança por uma decisão que lhes seja favorável. A Justiça lida, primordialmente, com tudo que toca o humano. Nesse sentido, o contato presencial é fundamental.

Evidentemente, há casos e casos. Talvez esses três últimos anos tenham servido para mostrar que certos serviços podem continuar sendo prestados pela Justiça de forma remota sem qualquer prejuízo para os cidadãos. Decerto o CNJ sopesou perdas e ganhos ao tomar a decisão de impor a volta ao trabalho presencial.

Uma vez decidida a questão, não cabe mais às associações e sindicatos contestar a decisão colegiada; cabe cumpri-la. Uma das atribuições do CNJ é zelar pela eficiência na prestação dos serviços judiciais. A decisão de novembro passado leva em consideração essa missão do colegiado.

Enquanto servidores reclamam de supostos “prejuízos” causados pelo retorno ao trabalho presencial – como se essa não fosse a realidade com a qual todos estavam acostumados até bem pouco tempo atrás –, muitos advogados, segundo apurou o Estadão, não encontram juízes para despachar seus processos, que ficam dormitando nos escaninhos da Justiça, e reclamam de longa espera pela marcação de audiências.

Como bem disse o ministro relator da resolução do CNJ, Luiz Philippe de Mello Filho, do Tribunal Superior do Trabalho, “o retorno da magistratura aos seus respectivos locais de trabalho é imperativo inegociável neste momento em que toda a sociedade já voltou à situação de normalidade”.

Juros altos não se combatem com chavões inúteis

Valor Econômico

Não se pode brincar com a inflação, que não está domada. O debate sobre juros não é abstrato

A um chamado do presidente Lula, o PT e os que comungam de suas ideias políticas, econômicas ou sociais, em marcha unida, passaram a criticar a política monetária do Banco Central. Os juros estão parados desde setembro em 13,75%, mas se tornaram escorchantes e um veneno para o crescimento a partir do momento em que Lula disse que eles eram isso, o que diz muito sobre o estado do pensamento crítico da esquerda, que tornou-se oficialista.

Tudo pode e deve ser discutido em relação aos juros, mas há modos e maneiras. Uma das piores formas de fazê-lo é, antes de apresentar qualquer argumento, desmoralizar a autoridade monetária e desqualificar o presidente do BC, um jeito manjado de a torcida organizada dizer que a instituição deveria estar nas mãos de um petista, que faria a coisa certa - obedeceria ao chefe. No governo de Dilma Rousseff, houve algo parecido e o país afundou em uma de suas maiores recessões.

Roberto Campos Neto é bolsonarista, não petista. Provar que pretende arruinar o governo de Lula por isso é tarefa ingrata. Os juros subiram às vésperas das eleições, o que não condiz com atitudes alinhadas ao da escória da direita brasileira. Resta abrir uma discussão serena sobre o assunto, o que por princípio implica afastar ruídos indesejáveis, ainda que próprios das democracias, como os discursos e atos da presidente do PT, Gleisi Hoffmann e do líder do partido na Câmara, Zeca Dirceu, que nada têm a oferecer além de chavões inúteis.

Lula não disse até hoje qual será o regime fiscal que pretende seguir em seu governo, após anos de ataques ao teto de gastos. É estranho que quem nunca teve a menor dúvida daquilo que detesta não saiba dizer ainda, muito tempo depois, o que deseja. Desconfia-se com razão, pela inclinação do partido que levou à debacle econômica da última década, que Lula pretende eliminar todos os obstáculos para gastar o que quiser como bem entender.

A meta de inflação de 3,25% com intervalo de 1,5 ponto percentual é inexequível? Pode ou não ser. Faz sentido perseguir 3,25% quando não se conseguiu no ano anterior atingir 3,5%? Talvez. Deve-se reduzir a meta a 3% quando nem 3,25% nem 3,5% foram viáveis? Provavelmente não. Os juros de hoje são altos? Nenhuma dúvida sobre isso. A questão é complexa e o momento, delicado.

Campos Neto pode ser chamado ao Congresso ou a conversar sobre isso com o presidente da República, mas não terá muito mais a dizer além dos argumentos oficiais que estão expressos nas atas e comunicados do Copom. O governo legitimamente os contesta, mas não deveria fazê-lo com a grosseria e a indigência utilizadas.

Juros altos desaquecem a economia, aumentam o desemprego, encarecem o crédito e trazem uma série de consequências nefastas para a economia com o objetivo de debelar a inflação. Essa política vai na direção contrária da que o governo almeja. Mas Lula, em seu primeiro mandato, sancionou juros bem mais altos que os de agora. Em um ano, arrumou a área, derrubou a inflação e abriu a via do crescimento.

Até o fim de 2022, as expectativas coletadas no Focus eram que os juros poderiam cair a partir do primeiro semestre deste ano. Por que o presidente não aceita agora a carência necessária para que o aperto monetário faça efeito quando a aceitou antes? Não se sabe.

Lula tem conhecimento que o BC não é independente, mas autônomo, e que a única forma de colocá-lo a serviço da política de governo é mudar a meta de inflação por meio do Conselho Monetário Nacional. Para isso, não é preciso espicaçar o presidente do BC, nem a independência da instituição, basta tomar uma decisão política. O BC tem de executar a meta determinada pelo Conselho.

É o momento de mudar a meta? Há bons argumentos para um lado e outro. Seria melhor fazê-lo em tempos normais, fora de um período de inflação alta que desafia todos os BCs - nem o Fed americano, o Banco Central Europeu e muitos outros conseguem atingir suas metas há alguns anos. Há polêmica também sobre se a elevação da meta reduziria os juros ou teria um efeito contrário, obrigando-os a subir ainda mais pela deterioração das expectativas.

Não se pode brincar com a inflação, que não está domada. O debate sobre juros não é abstrato. Bolsonaro foi eleito após a gastança e a grande recessão provocadas pelas políticas do governo de Dilma Rousseff. A suspeita é que Lula, pelo que diz, pode seguir o mesmo caminho, com idênticos resultados - trazer de volta ao primeiro plano a alta da inflação e, depois, os inimigos da democracia.

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