quinta-feira, 11 de maio de 2023

Assis Moreira - Os subsídios emergentes

Valor Econômico

As subvenções representaram 14,8% em média da receita bruta dos agricultores chineses em 2019-2021

No começo de abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao participar de forma virtual da Cúpula Latino-Americana pela Segurança Alimentar, organizada pelo México, foi incisivo: “O sistema multilateral de comércio precisa se livrar dos vergonhosos subsídios agrícolas dos países ricos” que, segundo ele, “sabotam a incipiente agricultura dos países em desenvolvimento”.

A declaração de Lula tem todo sentido. Mas o que chamou atenção foi ele limitar o confronto a ricos e pobres, repetindo uma visão de 2003. E ignorar que os novos grandes fornecedores de subsídios agrícolas, e que podem ameaçar fatias brasileiras no comércio no futuro, são emergentes como Índia e China.

Basta ver que o G20 agrícola, o grande movimento tático que o Brasil preparou e liderou, se esvaziou completamente há alguns anos quando ficou evidente o conflito de interesse entre países exportadores e emergentes subsidiadores. Foi isso que fez o Brasil voltar a se aproximar do Grupo de Cairns, que reúne basicamente exportadores.

Os Estados Unidos e a União Europeia continuam dando tradicionais subvenções a seus agricultores e criam novos programas e barreiras, sob o argumento de sustentabilidade ambiental. Um exemplo é a Lei de Redução da Inflação dos EUA, um pacote de subsídios de US$ 391 bilhões para impulsionar a transição do país para a energia limpa, que destina quase US$ 40 bilhões à agricultura e ao desenvolvimento rural.

Mas não dá para ignorar os emergentes agora repetem distorções nos mercados, prejudicando o meio ambiente e não necessariamente resolvendo problemas de sua segurança alimentar. Na China, as ajudas ao setor agrícola aumentaram 204% entre 2011 e 2021, alcançando agora US$ 276,4 bilhões, mais que o total somado dos EUA e da UE. A ajuda chinesa a seus agricultores hoje já é três vezes maior do que em 2000-2002. As subvenções representaram 14,8% em média da receita bruta dos agricultores chineses em 2019-2021. Em comparação, na União Europeia o percentual é de 19%, nos EUA de 11% e de cerca de 5% em países como Brasil, Austrália, Nova Zelândia e Chile.

Pequim fez uma reforma que diminuiu as ajudas para alguns produtos. No entanto, os pagamentos baseados em área plantada continuam aumentando, sendo essa uma das formas que mais distorcem o comércio. As subvenções agrícolas crescem também na Indonésia, Tailândia, Filipinas e em outros emergentes.

Porém, nada é comparável com a Índia. Um documento apresentado por países exportadores como Austrália, Canadá e Nova Zelândia, na Organização Mundial do Comércio (OMC), mostra que, entre os maiores comerciantes globais de produtos agrícolas, a ajuda total da Índia para seus agricultores aumentou 81%, e, nos EUA, 71,5% entre 2014-2020. Com quase metade da população de 1,3 bilhão de habitantes precisando da agricultura para ganhar sua vida, embora o setor represente menos de 20% do Produto Interno Bruto (PIB), a Índia tem razão para ajudar seus agricultores pobres. O problema é que a forma como usa as subvenções provoca excesso de produção e impulsiona a exportação, atropelando acordos internacionais, sem falar que parte dos estoques oficialmente destinados a garantir a segurança alimentar costuma estragar.

A informação mais recente sobre a Índia na OMC aponta concessão de mais de US$ 44 bilhões de subsídios que distorcem o comércio internacional. Desde 2014, o país é o segundo maior produtor agrícola do mundo. Em 2020, suas exportações agrícolas totalizaram US$ 39 bilhões e foi o nono maior exportador agrícola global. O crescimento de 65% de suas exportações agrícolas entre 2010 e 2020 foi sustentado pelas exportações de arroz, que aumentaram 244% no período, representando 24% de todas as exportações agrícolas indianas, em valor. Desde 2012, a Índia exportou mais arroz do que qualquer outro país, respondendo anualmente por aproximadamente 40% das exportações mundiais.

Ocorre que, pelas regras da OMC, um país em desenvolvimento pode dar subsídios específicos a um produto em até 10% do valor total da produção da commodity. Excedendo os 10%, o país estará violando as regras internacionais. No caso da Índia, o suporte de preço de mercado para o arroz foi superior a 78% do valor da produção em cada um dos últimos sete anos, e 65% superior no caso do trigo, segundo países parceiros. E assim vai tomando mercados, incluindo do Brasil, como no caso do arroz no Senegal. Também se tornou o segundo maior exportador mundial de açúcar e já há algum tempo vende mais que o Brasil para a Indonésia, um enorme mercado para onde não vendiam antes, e para os Emirados Árabes, por exemplo.

Agora Nova Déli quer obter um novo padrão para os subsídios agrícolas, com um grupo que inclui a China, Indonésia e bom número de outros países, e que na prática representaria retrocesso nas regras globais. Quer autorização para que todos os países em desenvolvimento deem subsídios ilimitados para formação de estoques públicos por razões de segurança, para qualquer produto e sem limitação desses programas. Não proíbe que os países acabem exportando esses estoques formados para proteger suas populações. Também já defendeu poder exportar seus estoques públicos abaixo do preço mundial.

Em conferência ministerial da OMC no ano passado, o Brasil reagiu, com proposta para acomodar os subsídios para estoques de alimentos básicos tradicionais em países em desenvolvimento em situação de vulnerabilidade de segurança alimentar e importadores líquidos de alimentos, mas excluindo países como Índia e China, Indonésia, África do Sul, Turquia, México, Argentina, Filipinas e o próprio Brasil. Os estoques públicos não poderiam ser exportados.

Em governos anteriores do PT, o então Ministério do Desenvolvimento Agrário chegou a apoiar propostas indianas sobre estoque alimentar, em confronto com o Ministério da Agricultura. Agora é ver como o novo governo de Lula vai reagir já na conferência ministerial da OMC em fevereiro de 2024. Pedro Camargo Neto, um dos maiores especialistas brasileiros do agronegócio, recomenda ao governo atacar os subsídios dos ricos e dos emergentes, num mundo que muda também na agricultura.

 

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