Valor Econômico
As subvenções representaram 14,8% em média
da receita bruta dos agricultores chineses em 2019-2021
No começo de abril, o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, ao participar de forma virtual da Cúpula Latino-Americana
pela Segurança Alimentar, organizada pelo México, foi incisivo: “O sistema
multilateral de comércio precisa se livrar dos vergonhosos subsídios agrícolas
dos países ricos” que, segundo ele, “sabotam a incipiente agricultura dos
países em desenvolvimento”.
A declaração de Lula tem todo sentido. Mas
o que chamou atenção foi ele limitar o confronto a ricos e pobres, repetindo
uma visão de 2003. E ignorar que os novos grandes fornecedores de subsídios
agrícolas, e que podem ameaçar fatias brasileiras no comércio no futuro, são
emergentes como Índia e China.
Basta ver que o G20 agrícola, o grande
movimento tático que o Brasil preparou e liderou, se esvaziou completamente há
alguns anos quando ficou evidente o conflito de interesse entre países
exportadores e emergentes subsidiadores. Foi isso que fez o Brasil voltar a se
aproximar do Grupo de Cairns, que reúne basicamente exportadores.
Os Estados Unidos e a União Europeia continuam dando tradicionais subvenções a seus agricultores e criam novos programas e barreiras, sob o argumento de sustentabilidade ambiental. Um exemplo é a Lei de Redução da Inflação dos EUA, um pacote de subsídios de US$ 391 bilhões para impulsionar a transição do país para a energia limpa, que destina quase US$ 40 bilhões à agricultura e ao desenvolvimento rural.
Mas não dá para ignorar os emergentes agora
repetem distorções nos mercados, prejudicando o meio ambiente e não
necessariamente resolvendo problemas de sua segurança alimentar. Na China, as
ajudas ao setor agrícola aumentaram 204% entre 2011 e 2021, alcançando agora
US$ 276,4 bilhões, mais que o total somado dos EUA e da UE. A ajuda chinesa a
seus agricultores hoje já é três vezes maior do que em 2000-2002. As subvenções
representaram 14,8% em média da receita bruta dos agricultores chineses em
2019-2021. Em comparação, na União Europeia o percentual é de 19%, nos EUA de
11% e de cerca de 5% em países como Brasil, Austrália, Nova
Zelândia e Chile.
Pequim fez uma reforma que diminuiu as
ajudas para alguns produtos. No entanto, os pagamentos baseados em área
plantada continuam aumentando, sendo essa uma das formas que mais distorcem o
comércio. As subvenções agrícolas crescem também na Indonésia, Tailândia,
Filipinas e em outros emergentes.
Porém, nada é comparável com a Índia. Um
documento apresentado por países exportadores como Austrália, Canadá e Nova
Zelândia, na Organização Mundial do Comércio (OMC), mostra que, entre os
maiores comerciantes globais de produtos agrícolas, a ajuda total da Índia para
seus agricultores aumentou 81%, e, nos EUA, 71,5% entre 2014-2020. Com quase
metade da população de 1,3 bilhão de habitantes precisando da agricultura para
ganhar sua vida, embora o setor represente menos de 20% do Produto Interno
Bruto (PIB), a Índia tem razão para ajudar seus agricultores pobres. O problema
é que a forma como usa as subvenções provoca excesso de produção e impulsiona a
exportação, atropelando acordos internacionais, sem falar que parte dos
estoques oficialmente destinados a garantir a segurança alimentar costuma
estragar.
A informação mais recente sobre a Índia na
OMC aponta concessão de mais de US$ 44 bilhões de subsídios que distorcem o
comércio internacional. Desde 2014, o país é o segundo maior produtor agrícola
do mundo. Em 2020, suas exportações agrícolas totalizaram US$ 39 bilhões e foi
o nono maior exportador agrícola global. O crescimento de 65% de suas exportações
agrícolas entre 2010 e 2020 foi sustentado pelas exportações de arroz, que
aumentaram 244% no período, representando 24% de todas as exportações agrícolas
indianas, em valor. Desde 2012, a Índia exportou mais arroz do que qualquer
outro país, respondendo anualmente por aproximadamente 40% das exportações
mundiais.
Ocorre que, pelas regras da OMC, um país em
desenvolvimento pode dar subsídios específicos a um produto em até 10% do valor
total da produção da commodity. Excedendo os 10%, o país estará violando as
regras internacionais. No caso da Índia, o suporte de preço de mercado para o
arroz foi superior a 78% do valor da produção em cada um dos últimos sete anos,
e 65% superior no caso do trigo, segundo países parceiros. E assim vai tomando
mercados, incluindo do Brasil, como no caso do arroz no Senegal. Também se
tornou o segundo maior exportador mundial de açúcar e já há algum tempo vende
mais que o Brasil para a Indonésia, um enorme mercado para onde não vendiam
antes, e para os Emirados Árabes, por exemplo.
Agora Nova Déli quer obter um novo padrão
para os subsídios agrícolas, com um grupo que inclui a China, Indonésia e bom
número de outros países, e que na prática representaria retrocesso nas regras
globais. Quer autorização para que todos os países em desenvolvimento deem
subsídios ilimitados para formação de estoques públicos por razões de
segurança, para qualquer produto e sem limitação desses programas. Não proíbe
que os países acabem exportando esses estoques formados para proteger suas
populações. Também já defendeu poder exportar seus estoques públicos abaixo do
preço mundial.
Em conferência ministerial da OMC no ano
passado, o Brasil reagiu, com proposta para acomodar os subsídios para estoques
de alimentos básicos tradicionais em países em desenvolvimento em situação de
vulnerabilidade de segurança alimentar e importadores líquidos de alimentos,
mas excluindo países como Índia e China, Indonésia, África do Sul, Turquia,
México, Argentina, Filipinas e o próprio Brasil. Os estoques públicos não poderiam
ser exportados.
Em governos anteriores do PT, o então
Ministério do Desenvolvimento Agrário chegou a apoiar propostas indianas sobre
estoque alimentar, em confronto com o Ministério da Agricultura. Agora é ver
como o novo governo de Lula vai reagir já na conferência ministerial da OMC em
fevereiro de 2024. Pedro Camargo Neto, um dos maiores especialistas brasileiros
do agronegócio, recomenda ao governo atacar os subsídios dos ricos e dos
emergentes, num mundo que muda também na agricultura.
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