quinta-feira, 11 de maio de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Relator faz bem em endurecer arcabouço fiscal

O Globo

Novo texto terá chance de êxito com imposição de cortes de despesas e manutenção de travas da LRF

É esperado que o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), relator do novo arcabouço fiscal, apresente hoje ou nos próximos dias seu substitutivo ao texto encaminhado ao Congresso pelo governo. Ele tem prometido avanços. A dúvida é se as melhorias serão suficientes para garantir que o arcabouço funcione. As regras para gestão e redução da dívida pública ao longo do tempo precisam, antes de tudo, ser confiáveis. Sem punições e travas por descumprimento de metas, serão inócuas.

Cajado vem defendendo cortes de despesas se a meta fiscal não for atingida por ao menos um ano. A proposta é que haja gradação. Quanto mais longe do objetivo, maior será o aperto exigido do governo. Idem em caso de reincidência. A lista de medidas em cogitação inclui proibição de reajuste aos servidores, contratação de pessoal, criação de cargos, concursos públicos, novas despesas obrigatórias, reajuste de gastos acima da inflação e renúncia fiscal. A ideia é excelente, mas será preciso analisar a versão final de Cajado para saber se os cortes sugeridos bastarão para incentivar o governo a seguir o caminho da responsabilidade fiscal.

Ele também acerta quando dá a entender que imporá maior frequência aos relatórios periódicos de gastos e receitas. Pelo projeto do governo, são quadrimestrais. Cajado quer uma publicação bimestral, como hoje. Ele deveria ir além, restaurando as obrigações impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Em particular, o mecanismo conhecido como “contingenciamento”, pelo qual gastos são bloqueados quando os relatórios revelam risco de descumprimento das metas.

Cajado mostra lucidez ao dizer que seu texto reduzirá a lista de exceções aos limites criados para despesas (caso do pagamento do piso da enfermagem por estados e municípios ou da capitalização de estatais). Uma nota técnica das consultorias legislativa e orçamentária da Câmara defende ainda a redução de R$ 23 bilhões na base de gastos usada como referência no arcabouço, inflada em razão de despesas criadas no ano passado pela PEC da Transição sem atribuição de receitas correspondentes, como manda a LRF. Todas essas mudanças no projeto apresentado pelo governo são desejáveis.

Outro ponto da LRF atacado pelo governo, mas necessário, é a punição ao presidente da República e aos gestores que não atingirem os objetivos traçados. Hoje o descumprimento é considerado crime de responsabilidade, e os críticos da LRF afirmam que isso tem tornado as metas menos ambiciosas. É um argumento frágil, já que a alternativa sugerida — uma sanção protocolar, sem nenhuma punição — seria um incentivo ainda maior à leniência fiscal.

A intenção declarada do governo é zerar o déficit em 2024 e alcançar superávits de 0,5% do PIB em 2025 e 1% em 2026. Mas o mecanismo anunciado para atingir esses resultados é deficiente, por depender demais do aumento na arrecadação. Com tudo o que o governo pretende gastar e a criação de regras débeis, tais metas são inatingíveis. Na prática, o arcabouço representaria uma licença para aumentar a gastança, sob as mais variadas justificativas, com o aumento do endividamento público e deterioração da economia.

Cajado pode mergulhar no faz de conta do governo, em que o céu é o limite para gastar e nada de ruim acontece. Ou pode dar o choque de realidade necessário para que o arcabouço tenha alguma chance de sucesso. Espera-se que escolha a segunda alternativa.

Acordo entre Google e New York Times aponta caminho virtuoso

O Globo

Plataforma digital aceitou pagar US$ 100 milhões pelo uso de conteúdo do jornal americano

Em plena campanha das plataformas digitais contra o PL das Fake News no Brasil, o jornal americano The New York Times fechou com o Google acordo para receber US$ 100 milhões durante três anos pelo uso de seu conteúdo, em especial na ferramenta Google News Showcase (Google Destaques, no Brasil). A iniciativa aponta um caminho virtuoso para o futuro do jornalismo no meio digital. Não é justo que os produtores do conteúdo que atrai audiência para as plataformas não sejam remunerados por isso, enquanto elas faturam bilhões com a venda de anúncios. Daí a razão para ter sido incluído no PL das Fake News um dispositivo prevendo a remuneração pelo uso de conteúdo jornalístico.

O Google e as demais plataformas argumentam que suas ferramentas ajudam a dirigir o tráfego para sites da imprensa profissional, contribuindo para aumentar a audiência e o faturamento. É verdade, mas na prática as plataformas controlam a distribuição, ficando com uma fatia desproporcional da receita publicitária. Diversos veículos da imprensa, sobretudo de menor porte, foram à bancarrota no mundo todo em razão desse modelo predatório.

O acordo do Google com o New York Times vai além do Showcase. Inclui apoio da plataforma na busca por assinantes e uso de ferramentas digitais em ações de marketing do jornal. Bem mais do que acontece em países como o Brasil, onde a remuneração oferecida aos veículos pelo uso no Google Destaques é irrisória. “Para veículos equivalentes na Europa, os valores são múltiplas vezes os daqui”, diz Marcelo Rech, presidente executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ).

O jornalismo profissional merece atenção, pois exerce papel fundamental em qualquer democracia, como fiscal dos Poderes e ambiente de debate livre. Por isso é fundamental buscar outros modelos capazes de remunerá-lo, como tenta fazer o PL das Fake News.

Na Austrália, o Legislativo aprovou em 2021 uma lei obrigando as plataformas digitais a negociar pagamento pela veiculação de conteúdo jornalístico. Depois, o governo da França negociou um entendimento com as plataformas, sem êxito. Em 2020, o órgão regulador francês multou o Google em € 500 milhões por práticas monopolistas, e só depois a plataforma se entendeu com a aliança de jornais franceses.

A história se repete no Canadá, onde um Projeto de Lei aprovado em 2022 na Câmara espera votação no Senado. Google e Facebook ameaçam não veicular mais nada da imprensa profissional, mas o desfecho deverá ser o mesmo, pois a perda de conteúdos de qualidade cria problema para as plataformas.

O próximo teste será no Brasil. Pelas últimas negociações, o trecho relativo à remuneração de conteúdos jornalísticos deverá ser retirado do PL das Fake News para integrar um projeto separado, ao lado de conteúdos artísticos e outros protegidos por direito autoral. O essencial é que seja aprovado logo, para haver uma regulação justa para remunerar a imprensa. Quem mais perde são jornais e sites pequenos, que não têm o mesmo poder de negociação diante do Google que o New York Times.

Tema do Congresso

Folha de S. Paulo

Interferências do STF no debate legislativo sobre fake news devem ser evitadas

A maneira com que algumas autoridades brasileiras vêm lidando com a possibilidade de apertar-se a regulação das redes sociais descamba para a anomalia. O melhor é deixar que o Congresso Nacional resolva sobre esse tema espinhoso.

Pela segunda vez, uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, redunda em interferência indesejável da cúpula do Judiciário no processo.

No âmbito do prolongado inquérito das fake news, o magistrado obrigou a rede Telegram a tirar do ar uma mensagem a seus usuários que acusava o projeto de lei 2.630/2020, na Câmara, de constituir ameaça à democracia e à continuidade da internet no Brasil.

Tratava-se de rematada distorção dos fatos, como apontou de pronto reportagem desta Folha. O projeto não define um poder governamental de censura, como alardeava a empresa de troca de mensagens.

Mas desinformar e torcer a realidade, por si só, não implica crime. É a típica situação em que a exposição à luz solar na praça pública basta para fazer evaporar os factoides. A ousadia do Telegram, como a do Google dias antes, acabaria naturalmente por depor contra os interesses dessas corporações no debate público e legislativo.

Alexandre de Moraes invocou um duvidoso abuso do poder econômico e a suposta indução a constrangimentos e ameaças a autoridades para justificar as suas ordens. Seria melhor que uma interpretação como essa fosse submetida ao contraditório, à apreciação do Ministério Público e ao plenário do STF antes de tornar-se mandatória.

Sociedades abertas preconizam que partes privadas, como indivíduos e organizações, defendam abertamente os seus interesses. Não há delito em as chamadas big techs exporem os seus argumentos contrários às propostas de regulamentação, ainda que eles contenham erros e omissões factuais.

Outros atores, com posicionamentos diversos e até opostos, hão de expressar as suas visões também, e nesse jogo outros vieses tenderão a aparecer. A imprensa profissional se debruçará sobre o conjunto de manifestações e interesses, com seu crivo crítico.

Espera-se da maioria dos congressistas que extraia desse confronto a peça de legislação que melhor atenda ao interesse público.

O Judiciário não tem papel a exercer nesse debate, até porque será a última instância, equidistante, a assegurar a aplicação da lei que porventura vier a ser promulgada.

Entende-se que a afronta direta dos arruaceiros de 8 de janeiro tenha tornado ministros do Supremo Tribunal Federal hipersensíveis a temas como a regulação da internet. Entretanto esse é um assunto a ser tratado no protocolo estrito do processo legislativo.

Sem tempo a perder

Folha de S. Paulo

Programa contra filas no SUS precisa ser contínuo e focar diferença regional

O Sistema Único de Saúde sempre apresentou filas para cirurgias eletivas —procedimentos agendados e sem urgência. Agora, o governo federal começa a ter a exata dimensão do problema.

O Programa Nacional de Redução das Filas (PNRF), instituído em janeiro, determina que cada estado deve apresentar suas demandas à União, com o número de pessoas em espera e as modalidades de cirurgia mais aguardadas.

Até agora, 18 deles, além do Distrito Federal, enviaram os dados, e as filas já abarcam 679,2 mil pacientes. Goiás, por enquanto, encabeça a lista com 125,9 mil pessoas na espera, seguido por Rio Grande do Sul (108,1 mil) e Minas Gerais (86,4 mil); já Roraima e Rondônia, estados menos populosos, tem 3,5 mil e 1.001, respectivamente.

Contudo a análise per capita revela diferenças regionais. A fila de Minas Gerais, que aparece em terceiro lugar em número absolutos, representa 0,4% da população do estado, numa situação melhor do que a do Acre, na 14ª posição, mas com 0,8% da população em espera.

No ranking das maiores demandas estão as cirurgias de catarata, abdominal, ortopédica, de aparelho digestivo e hérnia.

Segundo o Ministério da Saúde, R$ 600 milhões estão reservados para o auxílio a estados e municípios pelo PNRF, que também visa reduzir filas para consultas e exames, e R$ 200 milhões já estão sendo liberados para cirurgias eletivas com a aprovação dos relatórios fornecidos pelos gestores regionais.

O PNRF vem com atraso, já que o gargalo no SUS é histórico, mas em momento crucial. Com a pandemia de Covid-19, a espera aumentou, pois grande parte da estrutura material e pessoal da rede foi direcionada ao combate ao vírus.

Ações do ministério nesse sentido precisam, portanto, ser contínuas para que não se volte ao mesmo patamar de atrasos anterior à emergência sanitária.

Para isso, é imperioso levar em contas as desigualdades regionais. Em relação ao número de médicos, por exemplo, 55% estão no Sudeste, que tem 42% da população, enquanto 18% se encontram no Nordeste, que abriga 27% dos brasileiros. No Rio de Janeiro, há 3,7 médicos por mil habitantes, enquanto no Maranhão há apenas 0,8.

O problema é complexo, sem solução imediata. Mas ação contínua de longo prazo, que atenda necessidades das regiões pobres, é o caminho que o poder público deve seguir para enfrentar o gargalo.

Noção infame de democracia

O Estado de S. Paulo

Manifesto do Telegram expõe grave incompreensão sobre a democracia.

Na terça-feira, as plataformas digitais deram mais um passo em sua campanha contra o Projeto de Lei (PL) 2.630/2020, que trata da regulação das redes sociais. O Telegram enviou a seus usuários uma mensagem não apenas criticando a proposta em tramitação no Congresso, mas advertindo que, caso ela seja aprovada, “empresas como o Telegram podem ter que deixar de prestar serviços no Brasil”. É a tática do medo.

Há diversas dúvidas sobre a legalidade da campanha das plataformas digitais contra o PL 2.630/2020; por exemplo, se a inscrição num serviço de mensagens significaria também uma automática autorização para receber material de cunho político produzido pela empresa. De toda forma, nenhuma dessas questões – que merecem cuidadosa reflexão e, se for o caso, uma adequada responsabilização pelo Judiciário – justifica a decisão de ofício do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinando a remoção de conteúdos críticos ao projeto de lei (ver o editorial O sr. Moraes não é juiz do debate público, de 4/5).

Mas, além das discussões a respeito de sua legalidade, a mensagem enviada pelo Telegram a seus usuários explicita uma enorme confusão sobre aspectos básicos do Estado Democrático de Direito. Talvez aqui esteja o aspecto mais preocupante de toda essa história. Empresas globais, com enorme influência sobre a vida de tantas pessoas, estão difundindo uma compreensão rigorosamente equivocada da lei e das liberdades civis.

O texto do Telegram começa dizendo que “a democracia está sob ataque no Brasil”. Eis a visão dessa turma: a discussão pelo Congresso brasileiro sobre um marco jurídico para as plataformas digitais estaria colocando em risco o regime democrático no País. Nada menos. Trata-se de acintoso ataque às instituições nacionais e aos próprios brasileiros, que elegeram os parlamentares que analisam o PL 2.630/2020.

Sem pudor, o aplicativo de mensagem explicita que, para seus donos, democracia não é o que está disposto na Constituição, mas apenas e tão somente o que eles acham que é a democracia. No caso, o PL 2.630/2020 – que contraria seus interesses comerciais e amplia suas responsabilidades – é tachado imediatamente de antidemocrático.

Segundo o Telegram, o projeto de lei que amplia as responsabilidades das plataformas “matará a internet moderna”. Nessa advertência, há mais do que simples sentença dramática, com o objetivo de despertar o temor de seus usuários. Há a visão de que a internet demanda um território sem lei, sem limites, sem responsabilidades. Mais: há a compreensão de que a própria liberdade demandaria a menor presença possível da lei. Sob essa lógica, toda a legislação relativa à internet deve ser a mais frouxa possível.

Entende-se, assim, a oposição ferrenha das plataformas contra o PL 2.630/2020. Não é apenas que o texto interfira em seus interesses comerciais e financeiros. O problema é mais grave. O projeto traz novas responsabilidades. Define limites para as empresas. Estabelece deveres de transparência. Nada disso é aceitável para o Telegram, que é explícito em sua ameaça. Se não continuar do jeito que está, a empresa promete interromper seus serviços no País.

Diante dessa atitude incivilizada, é necessário recordar alguns pontos. As leis não impedem o exercício das liberdades. Só num país onde há o império das leis – onde há limites e responsabilidades para todos – é que cada um pode exercer plenamente seus direitos e suas liberdades.

Sem lei, manda quem é o mais forte. E só o truculento exerce a “liberdade”, que se torna, na verdade, arbítrio. O restante tem de se adequar ao que o mais forte deseja. No mundo atual, não é difícil de identificar quem são os mais fortes que querem impor suas vontades aos demais – e que não desejam sequer ouvir falar em regulamentação.

Felizmente, há democracia. O debate público não é apenas o que alguns gostariam de impor. Ao analisar o PL 2.2630/2020, que o Congresso tenha a valentia de olhar o interesse público, sem se incomodar muito com os que querem ficar no País apenas se a lei for do jeito deles.

Golpismo como estado de espírito

O Estado de S. Paulo

É de estarrecer a banalidade com que se tramou um golpe de Estado no Brasil quando ficou evidente que a vontade popular não se alinhava com o projeto pessoal de poder de Bolsonaro

Golpismo era um estado de espírito no governo de Jair Bolsonaro. Durante quatro anos, a democracia esteve sob risco concreto no País. Trata-se de um fato, não de uma opinião. Nos últimos dias, para surpresa de ninguém, surgiram novas evidências de que o bolsonarismo estava disposto a promover um levante militar destinado a impedir a posse de Lula da Silva, eleito legitimamente para a Presidência da República.

O avanço de uma investigação da Polícia Federal (PF) para apurar a suspeita de fraude na emissão do certificado de vacinação contra a covid de Bolsonaro só adicionou insulto à injúria. Mensagens que constam nesse inquérito, tornadas públicas, revelam quão desabridas foram as tramoias dos bolsonaristas contra o resultado das urnas.

Em uma dessas conversas, o coronel Élcio Franco Filho, ex-secretário executivo do Ministério da Saúde, tratou de como “organizar, desenvolver, instruir e equipar 1.500 homens” para uma tentativa de golpe de Estado com o major Ailton Barros, um delinquente que é tratado por Bolsonaro como “segundo irmão”. O plano mirabolante não foi adiante porque, como o próprio Franco deixou explícito, não tinha o menor respaldo do então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes. “O Freire não vai”, disse o coronel golpista, “você não vai esperar dele que tome à frente nesse assunto (a tentativa de golpe)”.

O desassombro com que bolsonaristas tramam um golpe não seria possível sem a inspiração de Bolsonaro, que, se não participou diretamente das articulações, algo que ainda resta ser provado, tampouco as desestimulou. A bem da verdade, Bolsonaro empenhou-se, ao longo de todo o seu mandato, em criar o clima em que tais conspirações fossem naturais. Todos os que articularam o levante o fizeram, sem sombra de dúvida, em nome de Bolsonaro.

A banalidade da sedição já havia ficado clara quando Valdemar Costa Neto, o notório chefão do PL, partido de Bolsonaro, confessou com espantosa tranquilidade que recebeu “várias propostas” de golpe de Estado, “tudo fora da lei”, para “tirar o Lula do governo”. Segundo Valdemar, vale lembrar, “na casa de todo mundo” havia documentos semelhantes à minuta do decreto, encontrada na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, que serviria para dar um verniz de legalidade ao golpe.

Se ainda não é possível imputar a Bolsonaro, criminalmente, ação ou omissão inequívoca para tentar abolir o Estado Democrático de Direito, não há a menor dúvida de que, do ponto de vista político, o ex-presidente é o maior responsável pelo golpismo latente – estimulado por seus discursos desrespeitosos às demais instituições, em particular ao Supremo Tribunal Federal, tratado por Bolsonaro como valhacouto de liberticidas, e às Forças Armadas, que o presidente pretendeu reduzir à condição de milícia pessoal.

A democracia afinal resistiu porque a sociedade civil reagiu à altura do descaramento de Bolsonaro para levar adiante seu plano golpista. Segundo, porque as instituições não se vergaram diante da maior ameaça ao Estado Democrático de Direito no Brasil desde o fim da ditadura militar. Por último, mas não menos importante, porque a majoritária ala legalista das Forças Armadas, absolutamente fiel à Constituição, não embarcou na loucura bolsonarista.

Sem prejuízo da responsabilização dos maus militares que desonraram a farda ao cerrar fileiras com um desqualificado como Bolsonaro em seus delírios de poder, ao fim e ao cabo, a firmeza das Forças Armadas em cumprir o papel que lhes foi atribuído pela Constituição matou no nascedouro as chances de sucesso de um golpe de Estado durante e após o governo Bolsonaro. Tanto foi assim que membros do Alto Comando do Exército e comandantes de tropas Brasil afora se tornaram alvos de pesadas ameaças e calúnias tão logo frustraram as expectativas de adesão nutrida pelos bolsonaristas insurgentes.

Essa reação cívico-institucional, é bom enfatizar, foi apenas a primeira parte da resposta do País ao golpismo estimulado por Bolsonaro. Haverá de chegar a hora da punição, dentro dos mais estritos limites legais – pois é assim que funciona na democracia que o bolsonarismo tanto despreza.

Novas regras para remessas de empresas

O Estado de S. Paulo

A julgar pela Ata do Copom, cortes estão mais distantes do que se previa e do que o governo desejava

Medida provisória aprovada no Senado regula o pagamento de IRPJ e CSLL sobre transações de empresas com o exterior. Governo espera arrecadar R$ 23 bilhões.

Aprincipal mensagem da Ata do Comitê de Política Monetária (Copom) deve preocupar empresários e consumidores que sofrem com o alto nível das taxas de juros no Brasil. E pode alimentar as críticas do presidente Lula da Silva e seu time à atual política monetária.

O recado do Copom é que não se deve esperar uma redução da taxa Selic nos próximos meses. Mesmo as previsões recentes de economistas do mercado financeiro poderão ser contrariadas porque alguns passaram a prever corte nos juros no terceiro trimestre deste ano, o que parece pouco provável agora.

O entendimento dos diretores do Banco Central (BC), na reunião da semana passada, foi de que os índices anuais de inflação vão, sim, apresentar uma redução “relevante” neste segundo trimestre de 2023. O informe aumenta, desta forma, a expectativa em relação ao índice oficial – o IPCA – que será divulgado na sexta-feira. Mas esse respiro nos preços não deve ser encarado como tendência porque a partir de julho a inflação vai se elevar, preveem os técnicos do BC. Os altos e baixos da inflação neste período são explicados pelo BC como resultado, em parte, pelo término da vigência da retirada de impostos sobre combustíveis, adotada pelo governo Jair Bolsonaro, e ainda pelos efeitos de medidas tributárias deste ano.

Boa parte do comunicado do Copom, divulgado ontem, é dedicada a elencar pontos de pressão sobre a inflação e circunstâncias que podem contribuir para essa desaceleração. Pesa, de um lado, o fato de as expectativas de inflação seguirem desancoradas das metas, “tendo havido uma pequena deterioração na margem”. Conta a favor da desinflação o comportamento benigno dos preços no atacado de alimentos e produtos industriais, além de menor pressão das tarifas de energia elétrica por causa das chuvas abundantes. E chamam a atenção as menções ao ritmo mais lento de queda dos preços, apesar dos juros de 13,75% vigentes no País. Essa “resiliência” da inflação está sendo observada também por outros bancos centrais.

A conclusão que se tira do comunicado do Copom, enfim, é que a questão dos juros é – e continuará sendo por mais um tempo – um aparente nó górdio. É uma situação complexa e delicada para consumidores e o mundo corporativo, e para o governo do presidente Lula. Mas é complicado também para a diretoria do BC, em constante ataque, muitas vezes expresso de forma deselegante, por decisões que eles consideram técnicas e corretas. É preciso paciência e serenidade, como enfatiza o BC, para que as medidas já tomadas reduzam, de fato, a inflação.

É preciso também uma atuação mais contundente de Brasília para que seja implementado o mais rapidamente possível o arcabouço fiscal. Sem uma base comprovadamente sólida no Parlamento, os ministros da área política e o próprio Lula deveriam arregaçar as mangas e ajudar a equipe econômica para que as normas sejam aprovadas. Não é o plano fiscal desejado por muitos economistas, mas é o que temos. E outros tantos especialistas – inclusive o time do BC – acreditam nos seus efeitos positivos, abrindo caminho, aí sim, para um ciclo consistente de cortes nos juros.

Inadimplência tende a se estabilizar em nível alto

Valor Econômico

A estabilização da inadimplência foi fruto do esgotamento da renda e do pé no freio das instituições financeiras

A inadimplência das famílias se estabilizou em níveis altos, após dívidas assumidas em empréstimos de mais alto custo, em especial no cartão de crédito. As empresas, que mostram redução da capacidade de pagamento de juros, viram encarecer suas opções de captação no mercado de capitais depois que a Americanas pediu recuperação judicial, um dos efeitos que ainda se prolongam no ano. As conclusões são do Relatório de Estabilidade Financeira do Banco Central do segundo semestre de 2022, mas com dados se estendem para além do primeiro trimestre do ano.

O relatório tem como objetivo principal avaliar a saúde dos bancos brasileiros, que continua ótima, e faz, ao mesmo tempo, um minucioso raio X das condições de oferta de crédito para, e das dívidas assumidas por, empresas e pessoas físicas. O BC se empenhou em medir todas as consequências da débacle das Americanas para o sistema financeiro - para sua solvência, o impacto é “irrelevante”, mesmo se ocorressem o default da empresa e de centenas de companhias mais dependentes dos negócios da varejista.

Os bancos tiveram pequena perda ocasional de rentabilidade em 2022 mas, “descontados os efeitos do caso Americanas, ela teria se mantido praticamente estável em relação a 2021”, aponta o relatório. Os efeitos da quebra, no entanto, se estenderam a todo o mercado de crédito ao se associar à alta generalizada da inadimplência e à desaceleração da economia, e assim redobrar o movimento de cautela na concessão de empréstimos já em curso no segundo semestre do ano passado.

Para os bancos, a interrupção de pagamentos das Americanas provocou uma elevação das provisões de 25% no período entre o terceiro e o último trimestre de 2022. Para as empresas, o custo de captação de recursos via debêntures não incentivadas ficou mais alto. O spread desses papéis subiu de 1,39% para 1,65% em relação aos ligados a depósitos interfinanceiros (DI) e de 1% para 1,42% em relação aos títulos do Tesouro IPCA de quatro anos. As taxas se mantiveram até abril e agora apresentam um ligeiro recuo. Os bancos também adotaram uma atitude mais firme nas “operações de risco sacado”, cujas irregularidades na contabilização, no caso das Americanas, levou-a a rombo bilionário.

O caso Americanas reforçou o movimento de contração do crédito, que ocorria, porém, a um ritmo ainda moderado e não em todos os segmentos do mercado. O endividamento das pessoas físicas já causara preocupação e vigilância dos bancos maiores do que a que mantinham nos empréstimos para empresas. Nessas, houve aumento da “materialização do risco”, ou seja, falta de pagamento, com a redução da capacidade de pagamento decorrente, entre outros fatores, da desaceleração da economia. Mesmo assim, a um nível abaixo dos observados no período pré-pandemia.

A inadimplência das famílias estabilizou-se em um patamar elevado, registra o relatório, mas abaixo do pico da pandemia. Ela está concentrada nos segmentos de renda até 5 salários mínimos e nos empréstimos de mais alto custo, como o rotativo e o parcelamento com juros do cartão de crédito. O comprometimento da renda individual atingiu 34% para quem ganha até 2 salários mínimos e 32% para quem ganha até 5 mínimos. A percentagem de engajamento de renda em dívidas com o cartão de crédito chegou a um auge em dezembro de 2022, com 29,3%, a maior desde 2018, e 24,4% superior à de 2021. Um em cada seis pessoas que contraíram débitos o fez no crédito não consignado, com taxas um pouco menos proibitivas, mas elevadas de qualquer forma.

A estabilização da inadimplência foi fruto do esgotamento da renda, por um lado, e do pé no freio das instituições financeiras - as exceções ocorreram no crédito imobiliário e rural. A maior taxa de crescimento dos ativos problemáticos ocorreu nas “entidades digitais”, que ampliaram sua oferta de crédito via cartão para pessoas físicas e empréstimos para pequenas e médias empresas. Os bancos digitais avançaram significativamente no crédito às famílias, saindo de pouco menos de 1% das operações totais do sistema em fim de 2018 para 5,8% no ano passado. Nos empréstimos às pessoas jurídicas, sua fatia continua irrelevante.

O aperto no crédito prosseguirá, revela pesquisa constante do relatório feita com 98 instituições financeiras, que somam 90% dos ativos sob supervisão do BC. Elas “reduziram a disposição para tomar risco e inverteram a percepção sobre a atividade econômica de ‘em recuperação’, em agosto de 2022, para ‘em contração’, em fevereiro de 2023”. 63% das instituições consideram que houve uma expansão forte das concessões, aumentando o hiato amplo do crédito, ou seja, além do que seria compatível com o crescimento da economia. Além disso, 72% delas revelaram disposição baixa de tomar risco e a imensa maioria (96%) avaliou que a alavancagem das famílias é alta. A mesma percepção sobre as dívidas das empresas é compartilhada por 66%.

A frágil interrupção da piora da inadimplência pode impedir a prevista deterioração do risco de crédito ao longo do ano. A queda da inflação e o início da queda dos juros tendem a reforçar esse cenário.

 

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