Relator faz bem em endurecer arcabouço fiscal
O Globo
Novo texto terá chance de êxito com
imposição de cortes de despesas e manutenção de travas da LRF
É esperado que o deputado Cláudio Cajado
(PP-BA), relator do novo arcabouço fiscal, apresente hoje ou nos próximos dias
seu substitutivo ao texto encaminhado ao Congresso pelo governo. Ele tem
prometido avanços. A dúvida é se as melhorias serão suficientes para garantir
que o arcabouço funcione. As regras para gestão e redução da dívida pública ao
longo do tempo precisam, antes de tudo, ser confiáveis. Sem punições e travas
por descumprimento de metas, serão inócuas.
Cajado vem defendendo cortes de despesas se a meta fiscal não for atingida por ao menos um ano. A proposta é que haja gradação. Quanto mais longe do objetivo, maior será o aperto exigido do governo. Idem em caso de reincidência. A lista de medidas em cogitação inclui proibição de reajuste aos servidores, contratação de pessoal, criação de cargos, concursos públicos, novas despesas obrigatórias, reajuste de gastos acima da inflação e renúncia fiscal. A ideia é excelente, mas será preciso analisar a versão final de Cajado para saber se os cortes sugeridos bastarão para incentivar o governo a seguir o caminho da responsabilidade fiscal.
Ele também acerta quando dá a entender que
imporá maior frequência aos relatórios periódicos de gastos e receitas. Pelo
projeto do governo, são quadrimestrais. Cajado quer uma publicação bimestral,
como hoje. Ele deveria ir além, restaurando as obrigações impostas pela Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF). Em particular, o mecanismo conhecido como
“contingenciamento”, pelo qual gastos são bloqueados quando os relatórios revelam
risco de descumprimento das metas.
Cajado mostra lucidez ao dizer que seu
texto reduzirá a lista de exceções aos limites criados para despesas (caso do
pagamento do piso da enfermagem por estados e municípios ou da capitalização de
estatais). Uma nota técnica das consultorias legislativa e orçamentária da
Câmara defende ainda a redução de R$ 23 bilhões na base de gastos usada como
referência no arcabouço, inflada em razão de despesas criadas no ano passado
pela PEC da Transição sem atribuição de receitas correspondentes, como manda a
LRF. Todas essas mudanças no projeto apresentado pelo governo são desejáveis.
Outro ponto da LRF atacado pelo governo,
mas necessário, é a punição ao presidente da República e aos gestores que não
atingirem os objetivos traçados. Hoje o descumprimento é considerado crime de
responsabilidade, e os críticos da LRF afirmam que isso tem tornado as metas
menos ambiciosas. É um argumento frágil, já que a alternativa sugerida — uma
sanção protocolar, sem nenhuma punição — seria um incentivo ainda maior à
leniência fiscal.
A intenção declarada do governo é zerar o
déficit em 2024 e alcançar superávits de 0,5% do PIB em 2025 e 1% em 2026. Mas
o mecanismo anunciado para atingir esses resultados é deficiente, por depender
demais do aumento na arrecadação. Com tudo o que o governo pretende gastar e a
criação de regras débeis, tais metas são inatingíveis. Na prática, o arcabouço
representaria uma licença para aumentar a gastança, sob as mais variadas
justificativas, com o aumento do endividamento público e deterioração da economia.
Cajado pode mergulhar no faz de conta do
governo, em que o céu é o limite para gastar e nada de ruim acontece. Ou pode
dar o choque de realidade necessário para que o arcabouço tenha alguma chance
de sucesso. Espera-se que escolha a segunda alternativa.
Acordo entre Google e New York Times aponta
caminho virtuoso
O Globo
Plataforma digital aceitou pagar US$ 100
milhões pelo uso de conteúdo do jornal americano
Em plena campanha das plataformas digitais
contra o PL das Fake News no Brasil, o jornal
americano The New York Times fechou com o Google acordo para receber US$ 100
milhões durante três anos pelo uso de seu conteúdo, em especial na
ferramenta Google News Showcase (Google Destaques, no Brasil). A iniciativa
aponta um caminho virtuoso para o futuro do jornalismo no meio digital. Não é
justo que os produtores do conteúdo que atrai audiência para as plataformas não
sejam remunerados por isso, enquanto elas faturam bilhões com a venda de
anúncios. Daí a razão para ter sido incluído no PL das Fake News um dispositivo
prevendo a remuneração pelo uso de conteúdo jornalístico.
O Google e as demais plataformas argumentam
que suas ferramentas ajudam a dirigir o tráfego para sites da imprensa
profissional, contribuindo para aumentar a audiência e o faturamento. É
verdade, mas na prática as plataformas controlam a distribuição, ficando com
uma fatia desproporcional da receita publicitária. Diversos veículos da
imprensa, sobretudo de menor porte, foram à bancarrota no mundo todo em razão
desse modelo predatório.
O acordo do Google com o New York Times vai
além do Showcase. Inclui apoio da plataforma na busca por assinantes e uso de
ferramentas digitais em ações de marketing do jornal. Bem mais do que acontece
em países como o Brasil, onde a remuneração oferecida aos veículos pelo uso no
Google Destaques é irrisória. “Para veículos equivalentes na Europa, os valores
são múltiplas vezes os daqui”, diz Marcelo Rech, presidente executivo da
Associação Nacional de Jornais (ANJ).
O jornalismo profissional merece atenção,
pois exerce papel fundamental em qualquer democracia, como fiscal dos Poderes e
ambiente de debate livre. Por isso é fundamental buscar outros modelos capazes
de remunerá-lo, como tenta fazer o PL das Fake News.
Na Austrália, o Legislativo aprovou em 2021
uma lei obrigando as plataformas digitais a negociar pagamento pela veiculação
de conteúdo jornalístico. Depois, o governo da França negociou um entendimento
com as plataformas, sem êxito. Em 2020, o órgão regulador francês multou o
Google em € 500 milhões por práticas monopolistas, e só depois a plataforma se
entendeu com a aliança de jornais franceses.
A história se repete no Canadá, onde um
Projeto de Lei aprovado em 2022 na Câmara espera votação no Senado. Google e
Facebook ameaçam não veicular mais nada da imprensa profissional, mas o
desfecho deverá ser o mesmo, pois a perda de conteúdos de qualidade cria
problema para as plataformas.
O próximo teste será no Brasil. Pelas
últimas negociações, o trecho relativo à remuneração de conteúdos jornalísticos
deverá ser retirado do PL das Fake News para integrar um projeto separado, ao
lado de conteúdos artísticos e outros protegidos por direito autoral. O
essencial é que seja aprovado logo, para haver uma regulação justa para
remunerar a imprensa. Quem mais perde são jornais e sites pequenos, que não têm
o mesmo poder de negociação diante do Google que o New York Times.
Tema do Congresso
Folha de S. Paulo
Interferências do STF no debate legislativo
sobre fake news devem ser evitadas
A maneira com que algumas autoridades
brasileiras vêm lidando com a possibilidade de apertar-se a regulação das redes
sociais descamba para a anomalia. O melhor é deixar que o Congresso Nacional
resolva sobre esse tema espinhoso.
Pela segunda vez, uma decisão do ministro
Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, redunda em interferência
indesejável da cúpula do Judiciário no processo.
No âmbito do prolongado inquérito das fake
news, o magistrado obrigou a rede Telegram a tirar do ar uma mensagem a seus
usuários que acusava o projeto de lei 2.630/2020, na Câmara, de constituir
ameaça à democracia e à continuidade da internet no Brasil.
Tratava-se de
rematada distorção dos fatos, como apontou de pronto reportagem desta Folha.
O projeto não define um poder governamental de censura, como alardeava a
empresa de troca de mensagens.
Mas desinformar e torcer a realidade, por
si só, não implica crime. É a típica situação em que a exposição à luz solar na
praça pública basta para fazer evaporar os factoides. A ousadia do Telegram,
como a do Google dias antes, acabaria naturalmente por depor contra os
interesses dessas corporações no debate público e legislativo.
Alexandre de
Moraes invocou um duvidoso abuso do poder econômico e a suposta
indução a constrangimentos e ameaças a autoridades para justificar as suas
ordens. Seria melhor que uma interpretação como essa fosse submetida ao
contraditório, à apreciação do Ministério Público e ao plenário do STF antes de
tornar-se mandatória.
Sociedades abertas preconizam que partes
privadas, como indivíduos e organizações, defendam abertamente os seus
interesses. Não há delito
em as chamadas big techs exporem os seus argumentos contrários
às propostas de regulamentação, ainda que eles contenham erros e omissões
factuais.
Outros atores, com posicionamentos diversos
e até opostos, hão de expressar as suas visões também, e nesse jogo outros
vieses tenderão a aparecer. A imprensa profissional se debruçará sobre o
conjunto de manifestações e interesses, com seu crivo crítico.
Espera-se da maioria dos congressistas que
extraia desse confronto a peça de legislação que melhor atenda ao interesse
público.
O Judiciário não tem papel a exercer nesse
debate, até porque será a última instância, equidistante, a assegurar a
aplicação da lei que porventura vier a ser promulgada.
Entende-se que a afronta direta dos
arruaceiros de 8 de janeiro tenha tornado ministros do Supremo Tribunal Federal
hipersensíveis a temas como a regulação da internet. Entretanto esse é um
assunto a ser tratado no protocolo estrito do processo legislativo.
Sem tempo a perder
Folha de S. Paulo
Programa contra filas no SUS precisa ser
contínuo e focar diferença regional
O Sistema Único de Saúde sempre apresentou
filas para cirurgias eletivas —procedimentos agendados e sem urgência. Agora, o
governo federal começa a ter a exata dimensão do problema.
O Programa Nacional de Redução das Filas
(PNRF), instituído em janeiro, determina que cada estado deve apresentar suas
demandas à União, com o número de pessoas em espera e as modalidades de
cirurgia mais aguardadas.
Até agora, 18 deles,
além do Distrito Federal, enviaram os dados, e as filas já abarcam 679,2 mil
pacientes. Goiás, por enquanto, encabeça a lista com 125,9 mil
pessoas na espera, seguido por Rio Grande do Sul (108,1 mil) e Minas Gerais
(86,4 mil); já Roraima e Rondônia, estados menos populosos, tem 3,5 mil e
1.001, respectivamente.
Contudo a análise per capita revela
diferenças regionais. A fila de Minas Gerais, que aparece em terceiro lugar em número
absolutos, representa 0,4% da população do estado, numa situação melhor do que
a do Acre, na 14ª posição, mas com 0,8% da população em espera.
No ranking das maiores demandas estão as
cirurgias de catarata, abdominal, ortopédica, de aparelho digestivo e hérnia.
Segundo o Ministério da Saúde, R$ 600
milhões estão reservados para o auxílio a estados e municípios pelo PNRF, que
também visa reduzir filas para consultas e exames, e R$ 200 milhões já estão
sendo liberados para cirurgias eletivas com a aprovação dos relatórios
fornecidos pelos gestores regionais.
O PNRF vem com atraso, já que o gargalo no
SUS é histórico, mas em momento crucial. Com a pandemia de Covid-19, a espera
aumentou, pois grande parte da estrutura material e pessoal da rede foi
direcionada ao combate ao vírus.
Ações do ministério nesse sentido precisam,
portanto, ser contínuas para que não se volte ao mesmo patamar de atrasos
anterior à emergência sanitária.
Para isso, é imperioso levar em contas as
desigualdades regionais. Em relação ao número de médicos, por exemplo, 55%
estão no Sudeste, que tem 42% da população, enquanto 18% se encontram no
Nordeste, que abriga 27% dos brasileiros. No Rio de
Janeiro, há 3,7 médicos por mil habitantes, enquanto no Maranhão há apenas 0,8.
O problema é complexo, sem solução imediata. Mas ação contínua de longo prazo, que atenda necessidades das regiões pobres, é o caminho que o poder público deve seguir para enfrentar o gargalo.
Noção infame de democracia
O Estado de S. Paulo
Manifesto do Telegram expõe grave
incompreensão sobre a democracia.
Na terça-feira, as plataformas digitais
deram mais um passo em sua campanha contra o Projeto de Lei (PL) 2.630/2020,
que trata da regulação das redes sociais. O Telegram enviou a seus usuários uma
mensagem não apenas criticando a proposta em tramitação no Congresso, mas
advertindo que, caso ela seja aprovada, “empresas como o Telegram podem ter que
deixar de prestar serviços no Brasil”. É a tática do medo.
Há diversas dúvidas sobre a legalidade da
campanha das plataformas digitais contra o PL 2.630/2020; por exemplo, se a
inscrição num serviço de mensagens significaria também uma automática
autorização para receber material de cunho político produzido pela empresa. De
toda forma, nenhuma dessas questões – que merecem cuidadosa reflexão e, se for
o caso, uma adequada responsabilização pelo Judiciário – justifica a decisão de
ofício do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF),
determinando a remoção de conteúdos críticos ao projeto de lei (ver o editorial
O sr. Moraes não é juiz do debate público, de 4/5).
Mas, além das discussões a respeito de sua
legalidade, a mensagem enviada pelo Telegram a seus usuários explicita uma
enorme confusão sobre aspectos básicos do Estado Democrático de Direito. Talvez
aqui esteja o aspecto mais preocupante de toda essa história. Empresas globais,
com enorme influência sobre a vida de tantas pessoas, estão difundindo uma compreensão
rigorosamente equivocada da lei e das liberdades civis.
O texto do Telegram começa dizendo que “a
democracia está sob ataque no Brasil”. Eis a visão dessa turma: a discussão
pelo Congresso brasileiro sobre um marco jurídico para as plataformas digitais
estaria colocando em risco o regime democrático no País. Nada menos. Trata-se
de acintoso ataque às instituições nacionais e aos próprios brasileiros, que
elegeram os parlamentares que analisam o PL 2.630/2020.
Sem pudor, o aplicativo de mensagem explicita
que, para seus donos, democracia não é o que está disposto na Constituição, mas
apenas e tão somente o que eles acham que é a democracia. No caso, o PL
2.630/2020 – que contraria seus interesses comerciais e amplia suas
responsabilidades – é tachado imediatamente de antidemocrático.
Segundo o Telegram, o projeto de lei que
amplia as responsabilidades das plataformas “matará a internet moderna”. Nessa
advertência, há mais do que simples sentença dramática, com o objetivo de
despertar o temor de seus usuários. Há a visão de que a internet demanda um
território sem lei, sem limites, sem responsabilidades. Mais: há a compreensão
de que a própria liberdade demandaria a menor presença possível da lei. Sob
essa lógica, toda a legislação relativa à internet deve ser a mais frouxa
possível.
Entende-se, assim, a oposição ferrenha das
plataformas contra o PL 2.630/2020. Não é apenas que o texto interfira em seus
interesses comerciais e financeiros. O problema é mais grave. O projeto traz
novas responsabilidades. Define limites para as empresas. Estabelece deveres de
transparência. Nada disso é aceitável para o Telegram, que é explícito em sua
ameaça. Se não continuar do jeito que está, a empresa promete interromper seus
serviços no País.
Diante dessa atitude incivilizada, é
necessário recordar alguns pontos. As leis não impedem o exercício das
liberdades. Só num país onde há o império das leis – onde há limites e
responsabilidades para todos – é que cada um pode exercer plenamente seus
direitos e suas liberdades.
Sem lei, manda quem é o mais forte. E só o
truculento exerce a “liberdade”, que se torna, na verdade, arbítrio. O restante
tem de se adequar ao que o mais forte deseja. No mundo atual, não é difícil de
identificar quem são os mais fortes que querem impor suas vontades aos demais –
e que não desejam sequer ouvir falar em regulamentação.
Felizmente, há democracia. O debate público
não é apenas o que alguns gostariam de impor. Ao analisar o PL 2.2630/2020, que
o Congresso tenha a valentia de olhar o interesse público, sem se incomodar
muito com os que querem ficar no País apenas se a lei for do jeito deles.
Golpismo como estado de espírito
O Estado de S. Paulo
É de estarrecer a banalidade com que se
tramou um golpe de Estado no Brasil quando ficou evidente que a vontade popular
não se alinhava com o projeto pessoal de poder de Bolsonaro
Golpismo era um estado de espírito no
governo de Jair Bolsonaro. Durante quatro anos, a democracia esteve sob risco
concreto no País. Trata-se de um fato, não de uma opinião. Nos últimos dias,
para surpresa de ninguém, surgiram novas evidências de que o bolsonarismo
estava disposto a promover um levante militar destinado a impedir a posse de
Lula da Silva, eleito legitimamente para a Presidência da República.
O avanço de uma investigação da Polícia
Federal (PF) para apurar a suspeita de fraude na emissão do certificado de
vacinação contra a covid de Bolsonaro só adicionou insulto à injúria. Mensagens
que constam nesse inquérito, tornadas públicas, revelam quão desabridas foram
as tramoias dos bolsonaristas contra o resultado das urnas.
Em uma dessas conversas, o coronel Élcio
Franco Filho, ex-secretário executivo do Ministério da Saúde, tratou de como
“organizar, desenvolver, instruir e equipar 1.500 homens” para uma tentativa de
golpe de Estado com o major Ailton Barros, um delinquente que é tratado por
Bolsonaro como “segundo irmão”. O plano mirabolante não foi adiante porque,
como o próprio Franco deixou explícito, não tinha o menor respaldo do então
comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes. “O Freire não vai”,
disse o coronel golpista, “você não vai esperar dele que tome à frente nesse
assunto (a tentativa de golpe)”.
O desassombro com que bolsonaristas tramam
um golpe não seria possível sem a inspiração de Bolsonaro, que, se não
participou diretamente das articulações, algo que ainda resta ser provado,
tampouco as desestimulou. A bem da verdade, Bolsonaro empenhou-se, ao longo de
todo o seu mandato, em criar o clima em que tais conspirações fossem naturais.
Todos os que articularam o levante o fizeram, sem sombra de dúvida, em nome de
Bolsonaro.
A banalidade da sedição já havia ficado
clara quando Valdemar Costa Neto, o notório chefão do PL, partido de Bolsonaro,
confessou com espantosa tranquilidade que recebeu “várias propostas” de golpe
de Estado, “tudo fora da lei”, para “tirar o Lula do governo”. Segundo
Valdemar, vale lembrar, “na casa de todo mundo” havia documentos semelhantes à
minuta do decreto, encontrada na casa de Anderson Torres, ex-ministro da
Justiça de Bolsonaro, que serviria para dar um verniz de legalidade ao golpe.
Se ainda não é possível imputar a
Bolsonaro, criminalmente, ação ou omissão inequívoca para tentar abolir o
Estado Democrático de Direito, não há a menor dúvida de que, do ponto de vista
político, o ex-presidente é o maior responsável pelo golpismo latente –
estimulado por seus discursos desrespeitosos às demais instituições, em
particular ao Supremo Tribunal Federal, tratado por Bolsonaro como valhacouto
de liberticidas, e às Forças Armadas, que o presidente pretendeu reduzir à
condição de milícia pessoal.
A democracia afinal resistiu porque a
sociedade civil reagiu à altura do descaramento de Bolsonaro para levar adiante
seu plano golpista. Segundo, porque as instituições não se vergaram diante da
maior ameaça ao Estado Democrático de Direito no Brasil desde o fim da ditadura
militar. Por último, mas não menos importante, porque a majoritária ala
legalista das Forças Armadas, absolutamente fiel à Constituição, não embarcou
na loucura bolsonarista.
Sem prejuízo da responsabilização dos maus
militares que desonraram a farda ao cerrar fileiras com um desqualificado como
Bolsonaro em seus delírios de poder, ao fim e ao cabo, a firmeza das Forças
Armadas em cumprir o papel que lhes foi atribuído pela Constituição matou no
nascedouro as chances de sucesso de um golpe de Estado durante e após o governo
Bolsonaro. Tanto foi assim que membros do Alto Comando do Exército e
comandantes de tropas Brasil afora se tornaram alvos de pesadas ameaças e
calúnias tão logo frustraram as expectativas de adesão nutrida pelos
bolsonaristas insurgentes.
Essa reação cívico-institucional, é bom
enfatizar, foi apenas a primeira parte da resposta do País ao golpismo
estimulado por Bolsonaro. Haverá de chegar a hora da punição, dentro dos mais
estritos limites legais – pois é assim que funciona na democracia que o
bolsonarismo tanto despreza.
Novas regras para remessas de empresas
O Estado de S. Paulo
A julgar pela Ata do Copom, cortes estão mais distantes do que se previa e do que o governo desejava
Medida provisória aprovada no Senado regula
o pagamento de IRPJ e CSLL sobre transações de empresas com o exterior. Governo
espera arrecadar R$ 23 bilhões.
Aprincipal mensagem da Ata do Comitê de
Política Monetária (Copom) deve preocupar empresários e consumidores que sofrem
com o alto nível das taxas de juros no Brasil. E pode alimentar as críticas do
presidente Lula da Silva e seu time à atual política monetária.
O recado do Copom é que não se deve esperar
uma redução da taxa Selic nos próximos meses. Mesmo as previsões recentes de
economistas do mercado financeiro poderão ser contrariadas porque alguns
passaram a prever corte nos juros no terceiro trimestre deste ano, o que parece
pouco provável agora.
O entendimento dos diretores do Banco
Central (BC), na reunião da semana passada, foi de que os índices anuais de
inflação vão, sim, apresentar uma redução “relevante” neste segundo trimestre
de 2023. O informe aumenta, desta forma, a expectativa em relação ao índice
oficial – o IPCA – que será divulgado na sexta-feira. Mas esse respiro nos
preços não deve ser encarado como tendência porque a partir de julho a inflação
vai se elevar, preveem os técnicos do BC. Os altos e baixos da inflação neste
período são explicados pelo BC como resultado, em parte, pelo término da
vigência da retirada de impostos sobre combustíveis, adotada pelo governo Jair
Bolsonaro, e ainda pelos efeitos de medidas tributárias deste ano.
Boa parte do comunicado do Copom, divulgado
ontem, é dedicada a elencar pontos de pressão sobre a inflação e circunstâncias
que podem contribuir para essa desaceleração. Pesa, de um lado, o fato de as
expectativas de inflação seguirem desancoradas das metas, “tendo havido uma
pequena deterioração na margem”. Conta a favor da desinflação o comportamento
benigno dos preços no atacado de alimentos e produtos industriais, além de
menor pressão das tarifas de energia elétrica por causa das chuvas abundantes.
E chamam a atenção as menções ao ritmo mais lento de queda dos preços, apesar
dos juros de 13,75% vigentes no País. Essa “resiliência” da inflação está sendo
observada também por outros bancos centrais.
A conclusão que se tira do comunicado do
Copom, enfim, é que a questão dos juros é – e continuará sendo por mais um
tempo – um aparente nó górdio. É uma situação complexa e delicada para
consumidores e o mundo corporativo, e para o governo do presidente Lula. Mas é
complicado também para a diretoria do BC, em constante ataque, muitas vezes
expresso de forma deselegante, por decisões que eles consideram técnicas e
corretas. É preciso paciência e serenidade, como enfatiza o BC, para que as
medidas já tomadas reduzam, de fato, a inflação.
É preciso também uma atuação mais contundente de Brasília para que seja implementado o mais rapidamente possível o arcabouço fiscal. Sem uma base comprovadamente sólida no Parlamento, os ministros da área política e o próprio Lula deveriam arregaçar as mangas e ajudar a equipe econômica para que as normas sejam aprovadas. Não é o plano fiscal desejado por muitos economistas, mas é o que temos. E outros tantos especialistas – inclusive o time do BC – acreditam nos seus efeitos positivos, abrindo caminho, aí sim, para um ciclo consistente de cortes nos juros.
Inadimplência tende a se estabilizar em
nível alto
Valor Econômico
A estabilização da inadimplência foi fruto
do esgotamento da renda e do pé no freio das instituições financeiras
A inadimplência das famílias se estabilizou
em níveis altos, após dívidas assumidas em empréstimos de mais alto custo, em
especial no cartão de crédito. As empresas, que mostram redução da capacidade
de pagamento de juros, viram encarecer suas opções de captação no mercado de
capitais depois que a Americanas pediu
recuperação judicial, um dos efeitos que ainda se prolongam no ano. As
conclusões são do Relatório de Estabilidade Financeira do Banco Central do
segundo semestre de 2022, mas com dados se estendem para além do primeiro
trimestre do ano.
O relatório tem como objetivo principal
avaliar a saúde dos bancos brasileiros, que continua ótima, e faz, ao mesmo
tempo, um minucioso raio X das condições de oferta de crédito para, e das
dívidas assumidas por, empresas e pessoas físicas. O BC se empenhou em medir
todas as consequências da débacle das Americanas para o sistema financeiro -
para sua solvência, o impacto é “irrelevante”, mesmo se ocorressem o default da
empresa e de centenas de companhias mais dependentes dos negócios da varejista.
Os bancos tiveram pequena perda ocasional
de rentabilidade em 2022 mas, “descontados os efeitos do caso Americanas, ela
teria se mantido praticamente estável em relação a 2021”, aponta o relatório.
Os efeitos da quebra, no entanto, se estenderam a todo o mercado de crédito ao
se associar à alta generalizada da inadimplência e à desaceleração da economia,
e assim redobrar o movimento de cautela na concessão de empréstimos já em curso
no segundo semestre do ano passado.
Para os bancos, a interrupção de pagamentos
das Americanas provocou uma elevação das provisões de 25% no período entre o
terceiro e o último trimestre de 2022. Para as empresas, o custo de captação de
recursos via debêntures não incentivadas ficou mais alto. O spread desses
papéis subiu de 1,39% para 1,65% em relação aos ligados a depósitos
interfinanceiros (DI) e de 1% para 1,42% em relação aos títulos do Tesouro IPCA
de quatro anos. As taxas se mantiveram até abril e agora apresentam um ligeiro
recuo. Os bancos também adotaram uma atitude mais firme nas “operações de risco
sacado”, cujas irregularidades na contabilização, no caso das Americanas,
levou-a a rombo bilionário.
O caso Americanas reforçou o movimento de
contração do crédito, que ocorria, porém, a um ritmo ainda moderado e não em
todos os segmentos do mercado. O endividamento das pessoas físicas já causara
preocupação e vigilância dos bancos maiores do que a que mantinham nos
empréstimos para empresas. Nessas, houve aumento da “materialização do risco”,
ou seja, falta de pagamento, com a redução da capacidade de pagamento
decorrente, entre outros fatores, da desaceleração da economia. Mesmo assim, a
um nível abaixo dos observados no período pré-pandemia.
A inadimplência das famílias estabilizou-se
em um patamar elevado, registra o relatório, mas abaixo do pico da pandemia.
Ela está concentrada nos segmentos de renda até 5 salários mínimos e nos
empréstimos de mais alto custo, como o rotativo e o parcelamento com juros do
cartão de crédito. O comprometimento da renda individual atingiu 34% para quem
ganha até 2 salários mínimos e 32% para quem ganha até 5 mínimos. A percentagem
de engajamento de renda em dívidas com o cartão de crédito chegou a um auge em
dezembro de 2022, com 29,3%, a maior desde 2018, e 24,4% superior à de 2021. Um
em cada seis pessoas que contraíram débitos o fez no crédito não consignado,
com taxas um pouco menos proibitivas, mas elevadas de qualquer forma.
A estabilização da inadimplência foi fruto
do esgotamento da renda, por um lado, e do pé no freio das instituições
financeiras - as exceções ocorreram no crédito imobiliário e rural. A maior
taxa de crescimento dos ativos problemáticos ocorreu nas “entidades digitais”,
que ampliaram sua oferta de crédito via cartão para pessoas físicas e
empréstimos para pequenas e médias empresas. Os bancos digitais avançaram
significativamente no crédito às famílias, saindo de pouco menos de 1% das
operações totais do sistema em fim de 2018 para 5,8% no ano passado. Nos
empréstimos às pessoas jurídicas, sua fatia continua irrelevante.
O aperto no crédito prosseguirá, revela
pesquisa constante do relatório feita com 98 instituições financeiras, que
somam 90% dos ativos sob supervisão do BC. Elas “reduziram a disposição para
tomar risco e inverteram a percepção sobre a atividade econômica de ‘em
recuperação’, em agosto de 2022, para ‘em contração’, em fevereiro de 2023”.
63% das instituições consideram que houve uma expansão forte das concessões,
aumentando o hiato amplo do crédito, ou seja, além do que seria compatível com
o crescimento da economia. Além disso, 72% delas revelaram disposição baixa de
tomar risco e a imensa maioria (96%) avaliou que a alavancagem das famílias é
alta. A mesma percepção sobre as dívidas das empresas é compartilhada por 66%.
A frágil interrupção da piora da
inadimplência pode impedir a prevista deterioração do risco de crédito ao longo
do ano. A queda da inflação e o início da queda dos juros tendem a reforçar
esse cenário.
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