Folha de S. Paulo
Oposição tem incontrastável hegemonia para
decidir como será a lei básica do país
No domingo passado (7), os chilenos
consagraram nas urnas a extrema direita na disputa pelos 51 assentos no
Conselho Constituinte, ao qual incumbirá redigir
a nova Carta do país. Os republicanos de José Antonio Kast foram
premiados com cerca de 36% dos votos; somados aos recebidos pela coalizão da
direita tradicional, Chile Seguro, os opositores do governo de esquerda de
Gabriel Boric desfrutarão de incontrastável hegemonia para decidir como será a
lei básica da nação andina.
O resultado
das eleições é o ponto culminante de um processo que começou com a
revolta popular de 2019, que os nacionais chamam de "el
estallido" (o estrondo), abrindo caminho à vitória da esquerda
renovada contra as forças políticas tradicionais de centro-esquerda e direita
—tanto no pleito presidencial de 2021 como na disputa pela representação na
Assembleia Constituinte do ano seguinte.
Os vitoriosos provinham de uma coalizão
entre variados agrupamentos esquerdistas que compartilhavam compromissos com o
ambientalismo, a igualdade de gênero e o reconhecimento de direitos dos povos
originários. Coerentemente, o seu projeto de Constituição respaldava franquias
sociais extensas, diversos mecanismos de participação e aborto legal —além de
converter o Chile em estado plurinacional.
Faltou combinar com o povo.
Submetida a plebiscito, a proposta foi
rejeitada por 60% dos eleitores. A alternativa foi voltar ao ponto de partida,
delegando ao Conselho Constituinte a feitura de uma nova Carta —a ser
igualmente submetida ao crivo dos eleitores.
Vista de perto, a crise política é
tipicamente chilena. Só que compartilha traços semelhantes com outras tantas
que se repetem na vizinhança.
Como no Chile, partidos e coligações de
esquerda têm chegado ao poder graças à capacidade de colher votos além de suas
bases fiéis, mais bem aferidas pelos resultados no primeiro turno —foram, por
exemplo, 25,8% para Gabriel Boric e 18,9% para o peruano Pedro Castillo, em
2021, e 40,3% para o colombiano Gustavo Petro, em 2022.
São estreitas, assim, as margens para a
implementação de políticas da esquerda pura e dura. As tentativas de levá-las
adiante, na contramão da realidade, alimentam as alas direitistas mais
radicais, contemplando-as com protagonismo crescente em muitos países,
facilitando-lhes o trabalho de jogar lenha na fogueira da polarização política.
O resultado é a crispação crescente do jogo democrático.
Não virá da ultradireita a iniciativa de
pacificação dos ânimos. Esta só poderá partir das frondas da esquerda
conscientes do seu efetivo tamanho; logo, abertas ao diálogo com quem pensa
diferente.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
Um comentário:
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