sexta-feira, 26 de maio de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Regime fiscal passa em meio a derrotas em série do governo

Valor Econômico

Encontrar um modo de convivência produtivo, sem ceder a chantagens e pautas-bomba, é uma tarefa inevitável que se coloca diante do Planalto

O governo petista tem demonstrado um amadorismo que não condiz com sua experiência de 13 anos no poder. Contradições e incoerências levam-no a colher votações desastrosas para seus interesses -nem sempre para os do país - no Congresso. O novo regime fiscal, cuja tramitação relativamente tranquila foi quase toda acertada antes da posse, por Lula e o presidente da Câmara, Arthur Lira, é a exceção que vai configurando uma regra - sem base governista relevante, o governo torna-se refém do deputado alagoano. Mais que isso, depende dos interesses imediatos e abrangentes que Lira representa para aprovar medidas em um Congresso dominado pelas legendas do Centrão, que saíram das urnas mais fortalecidas do que nunca.

Lula e o PT urdiram um esquema intermediário para a continuidade do orçamento secreto, em troca da aprovação da PEC da Transição, que lhes deram todo o dinheiro que precisavam para governar (R$ 168 bilhões extras). Com isso contavam com uma transição tradicional, em que o poder dado pela vitória nas urnas e pelos revigorados cofres públicos fossem suficientes para atrair, em número suficiente, os oportunistas de sempre, espalhados por todos os partidos no Congresso. Não foi o que aconteceu.

Em entrevista à Globonews, o presidente da Câmara fez mais uma avaliação didática sobre as agruras do governo Lula. Disse que já dera sinais “educados e claros” ao governo de que “o mundo de 2002 não é o mesmo de 2023”. A principal mudança sublinhada foi a de que “o Congresso não tinha tanto protagonismo”. Lira tem cobrado diálogo do governo e a formação de uma base de apoio, mas é claro que não lhe interessa lidar com uma maioria a favor do Planalto, salvo nos casos em que ele próprio a agenciar - como na votação do novo regime fiscal. Uma forte base pró-Lula torna prescindível a intermediação de Lira e lhe retira poder.

Lula venceu por pouco as eleições, e, como se previu, seu cacife político no início de governo foi muito diminuído. A tarefa de reconstruir um Estado arrasado pelo bolsonarismo é difícil e desvia energias da negociação política. Mas, além disso, Lula parece alheio a boa parte do que acontece ao seu redor, se empenha em batalhas erradas e aplica muito esforço em causas que lhe rendem pouco, se é que não prejudicam sua imagem, como a de mediador da guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Então o Congresso, com a ajuda do PT, colocou-lhe um enorme problema exatamente aonde o presidente poderia colher seus maiores trunfos domésticos e externos: na causa ambiental. Em uma sequência arrasadora, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, criticou Marina Silva pelo veto do Ibama às perfurações exploratórias da Petrobras na foz do Amazonas, o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues, rompeu com a Rede, sua legenda e rifou o Meio Ambiente na MP da reorganização ministerial, a Comissão Mista dessa MP, a 1154, presidida por Davi Alcolumbre, que prometeu lutar até o fim para derrubar o veto do Ibama, aprovou parecer do relator que retirou funções e responsabilidades que fazem a razão de ser do Meio Ambiente: Cadastro Ambiental Rural, política de recursos hídricos e resíduos sólidos. Além disso, os ruralistas da Câmara decidiram dar um salvo conduto legal para mais devastação na Mata Atlântica, aprovando dispositivos em MP que prorrogava o Programa de Reparação Ambiental (PAR).

Como se não fosse pouco, o poder de demarcar terras indígenas foi retirado do Ministério recém-criado e transferido ao da Justiça, quase que simultaneamente à aprovação do regime de urgência para o projeto de lei que estabelece como “marco temporal” para as demarcações a data da promulgação da Constituição de 1988. As imagens de Marina Silva, Amazônia e povos indígenas estão firmemente associadas à luta ambiental global. Um ataque em toda a linha aos três pode anular todo o esforço propagandístico que Lula fez como defensor intransigente do meio ambiente e pôr em xeque as evidentes credenciais que o Brasil possui para exercer um papel de primeira linha no combate ao aquecimento global.

O alheamento do presidente, que mal fala em reforma tributária ou novo regime fiscal, e tem agenda passadista, poderia ser minimizado em outros tempos, mas agora pesa diante de uma oposição numerosa e ativa no Congresso. A sequência de ações do Planalto também incomoda pela incoerência. No dia seguinte ao da divulgação de lista de milhares de empresas que se beneficiam de subsídios legais, votados pelo Congresso, e logo após a vital aprovação do novo regime fiscal, que se apoia no crescimento da arrecadação, o presidente anuncia um pacote de corte de impostos para as montadoras ressuscitarem o carro popular.

O início de mandato tem sido inóspito e não se trata, ao que parece, de um período de adaptação, mas de uma condição “estrutural”: a Câmara é comandada pelo Centrão e as legendas fisiológicas já não se sentem atraídas, como foram no passado, por Lula e o PT. Encontrar um modo de convivência produtivo, sem ceder a chantagens e pautas-bomba, é uma tarefa inevitável que se coloca diante do Planalto.

Incentivar carro popular é insistir em erro conhecido

O Globo

Brasil sempre destinou bilhões a montadoras com retorno pífio. Prioridade é o transporte coletivo

A sucessão de equívocos do governo Luiz Inácio Lula da Silva repetindo políticas anteriores do PT inclui agora a tentativa de relançar o carro popular. As montadoras, privilegiadas com todo tipo de benefício e isenção fiscal ao longo de seis décadas, receberão novos descontos em impostos, apesar do acúmulo de evidências demonstrando que se trata de um erro. Por três motivos.

Primeiro, a criação de empregos que norteia essas políticas é uma ilusão. Os avanços tecnológicos e a automação reduziram brutalmente a necessidade de mão de obra nas montadoras. Mesmo nos anos 1990, quando o governo Itamar Franco lançou a ideia do carro popular, elas respondiam por apenas 6% das vagas na cadeia automotiva. “Embora a produção nacional de veículos tenha crescido quase quatro vezes entre 1990 e 2013, o emprego no setor de montadoras ficou relativamente estável no período”, escreveu o arquiteto e urbanista Roberto Andrés em artigo no jornal Folha de S.Paulo.

Apesar disso, as montadoras foram beneficiadas em todos os governos brasileiros. Entre 2000 e 2021, receberam quase R$ 70 bilhões em incentivos fiscais. Só no ano passado, foram R$ 10 bilhões, mais de 2% do total de subsídios do governo. Destinar mais dinheiro do contribuinte para subsidiar montadoras é insensatez, quando se poderia melhorar o orçamento da Saúde, da Educação ou liberar verbas para proteger a Amazônia. Ainda mais num momento de crise fiscal, em que o governo precisa rever os benefícios tributários para aumentar a arrecadação. “Como dizer ao empresário que perderá um desconto tributário que outro setor ganhará um desconto no mesmo momento?”, pergunta Andrés.

O segundo motivo são os efeitos do automóvel para a sociedade. De todos os custos externos associados aos veículos automotores, o transporte individual — carros e motos — responde por 90%, incluindo emissões de poluentes, doenças respiratórias, barulho e várias outras mazelas. Segundo cálculos citados por Andrés, num ano em que gerou R$ 57 bilhões em impostos (2016), a indústria automotiva custou perto de R$ 500 bilhões à sociedade.

O terceiro motivo é que, ao contrário do que o nome sugere, o carro popular não beneficia o povo. Em vez disso, os pobres são os mais penalizados com o estímulo ao transporte individual, como principais vítimas da poluição e das mortes no trânsito. A própria classe média, alvo das medidas, se viu nas últimas gestões petistas atolada em dívidas contraídas para financiar carros. Entre 2008 e 2013, a profusão de congestionamentos fez dobrar o tempo de deslocamento em ônibus em várias cidades. Não foi acaso que a rebelião popular de 2013 tenha começado pelo transporte.

Nesta hora em que o governo concede novos benefícios à indústria automotiva, é fundamental lembrar tudo o que sociedade já lhe deu, com retornos pífios. A preferência pelo transporte individual no Brasil engarrafa as cidades, aumenta a poluição e contribui para o aquecimento global. “A experiência anterior mostra que incentivar montadoras não é bom negócio”, conclui Andrés. “Consome dinheiro público, gera poucos empregos qualificados, degrada a condição de vida nas cidades e contribui para a crise climática. A indústria de transporte do século XXI é de ônibus, trens, bondes e bicicletas.” São esses, diz ele, os meios de transporte que beneficiam os mais pobres e o planeta. Não há como discordar.

Esvaziamento da pauta ambiental e indígena terá repercussão mundial

O Globo

Reveses no Congresso colocam na mira acordo Mercosul-UE e bilhões destinados ao Fundo Amazônia

Depois da alta na devastação da Amazônia sob Jair Bolsonaro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito prometendo acabar com as sucessivas “boiadas” sobre a legislação ambiental e amparar populações indígenas deixadas à míngua. Cinco meses depois de assumir, porém, a imagem de Lula subindo a rampa do Palácio do Planalto de mãos dadas com representantes dos povos da floresta parece a cada dia mais onírica.

Marina Silva, ex-aliada que engoliu rancores para se engajar na campanha lulista, foi brindada com um superministério do Meio Ambiente e ganhou destaque internacional. Foi o cartão de visitas do novo Lula de figurino verde nas cúpulas ambientais e encontros bilaterais. Com ela à frente da política ambiental, o planeta acreditava saber o que esperar do Brasil. Já não sabe mais.

Marina atravessa uma espécie de inferno astral político. Não bastasse o fogo amigo depois que o Ibama negou licença para a Petrobras perfurar um poço na foz do Rio Amazonas, assiste ao esfacelamento de seu ministério. Assim como a titular do Ministério dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. No Congresso, o relatório da Medida Provisória (MP) que reestruturou a Esplanada, aprovado na comissão mista, retira poderes de ambas as pastas.

Pode-se argumentar que o relator da MP, Isnaldo Bulhões (MDB-AL), avança sobre atribuições do governo eleito, que deveria poder organizar os ministérios como lhe conviesse. Mas a reação do Planalto às mudanças, se houve, foi tíbia. Não está claro se o governo, para facilitar a aprovação do novo arcabouço fiscal, negociou o esvaziamento das pastas ou se fez vista grossa. Nenhuma das hipóteses o favorece.

O desmonte das pastas não foi a única medida do Congresso contra as agendas ambiental e indígena. Na quarta-feira, a Câmara afrouxou as exigências do Código Florestal, ignorou mudanças feitas pelo Senado e ressuscitou o jabuti que abranda as regras de proteção da Mata Atlântica. No mesmo dia, deputados aprovaram urgência para o projeto do marco temporal, que restringe a demarcação de terras indígenas às áreas já ocupadas em 5 de outubro de 1988, quando a Constituição foi promulgada, contrariando políticas do governo. Desde que assumiu, Lula homologou seis novas reservas.

Não há dúvida de que a investida do Congresso expõe o Brasil e o governo Lula no cenário internacional. A reação, inevitável, é só questão de tempo. Os danos não ficarão restritos à imagem. O acordo do Mercosul com a União Europeia, em que a questão ambiental é ponto-chave, pode virar fumaça. As robustas doações ao Fundo Amazônia, como os US$ 500 milhões prometidos pelos Estados Unidos, podem secar de uma hora para outra.

Ficou claro no encontro do G7, no Japão, que Lula, visto na diplomacia mundial como contraponto ao desastre Jair Bolsonaro, já não é tão celebrado, principalmente depois das declarações infelizes sobre a guerra na Ucrânia. Até aqui, ele escorava sua credibilidade na agenda de preservação ambiental e defesa dos povos indígenas. Agora esse pilar também está cedendo.

A reboque

Folha de S. Paulo

Derrota na área ambiental expõe fragilidade política e falta de rumos do governo

A reorganização do ministério, com criação ou extinção de pastas e remanejamento de órgãos subordinados, está sempre entre as primeiras providências dos presidentes no Brasil. Pode-se questionar se esse vaivém é benéfico para a gestão, mas o fato é que a prática se tornou rotineira desde a redemocratização do país.

Até um passado recente, a aprovação das medidas provisórias que promoviam tais mudanças era tida como mera formalidade. Não mais. Em 2019, o Congresso impôs dificuldades e reveses a Jair Bolsonaro (PL). Agora, é a vez de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —ou, mais particularmente, da ministra Marina Silva, do Meio Ambiente.

Uma comissão de deputados e senadores aprovou alterações expressivas na MP 1.154, de 1º de janeiro, que ampliou o número de ministérios de 23 para os atuais 37. Com o novo texto, Marina perdeu estruturas importantes para outros colegas de Esplanada.

Ademais, a recém-criada pasta dos Povos Indígenas viu a competência de demarcação de terras transferida para a Justiça.

Aí se nota, sem dúvida, a ação de forças retrógradas e adversárias da pauta ambiental. Não por acaso, o Congresso também aprovou normas que afrouxam a proteção da mata atlântica e a urgência de um projeto para limitar a homologação de terras indígenas.

Mas, não menos relevante, chama a atenção que o governo Lula tenha optado por aceitar sem maior enfrentamento a derrota legislativa —o que tem sua lógica política.

Num processo que se acentuou após o impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016, o Congresso tem assumido mais influência sobre as decisões de governo e poder sobre as verbas do Orçamento.

Sob Bolsonaro, um presidente de baixíssima capacidade de articulação e diálogo, Câmara e Senado conduziram a reforma da Previdência e a criação do auxílio emergencial durante a pandemia.

Lula, eleito por margem mínima de votos e apoiado por uma coalizão partidária frágil, parece ter entendido que o Planalto não é mais capaz de dar as cartas da administração como há 20 anos —quando todo o jogo se organizava em torno da distribuição de cargos e verbas por parte do Executivo.

É racional, pois, que o governo escolha as batalhas que precisa e que pode travar. O que não parece evidente, decorridos quase cinco meses de mandato, é se o presidente tem clareza de quais são elas.

Fora o relançamento de programas do passado, com direito aos arcaicos subsídios para automóveis, permanecem obscuros os rumos do governo —até mesmo na área ambiental, como se vê também no imbróglio em torno da exploração de petróleo na foz do Amazonas.

Redes de risco

Folha de S. Paulo

Danos para a saúde mental podem ser combatidos com ciência e educação midiática

Novas tecnologias de comunicação despertam fascínio quando surgem e, depois, preocupação, até pânico. Foi assim com o cinema, a televisão e, neste século 21, é o que se passa com as redes sociais.

Na quarta (24), o médico e secretário de Saúde dos EUA, Vivek Murthy, emitiu um alerta sobre os riscos dessas mídias. O relatório afirma que, apesar de a ciência ainda não ter alcançado consenso a respeito, há fortes indícios de que elas possam prejudicar a saúde física e mental dos mais jovens.

O aumento do uso das plataformas tem sido acompanhado por uma alta nos casos de ansiedade, depressão, automutilação e ideação suicida —mas ainda não se comprovou se a relação é causal.

Há pesquisas que mostram que o sistema de recompensa das redes sociais, por meio das chamadas "curtidas", estimulam processos neurológicos similares aos verificados em dependentes químicos; já outras revelam benefícios, como conexão emocional e comunitária entre os jovens.

A falta de consenso leva o relatório americano a pedir por um esforço científico de investigação. Enquanto isso, medidas vão sendo tomadas. Em março, Utah proibiu que menores de 18 anos tenham contas em redes sem a anuência de pais ou responsáveis.

Entretanto, em vez da proibição, especialistas apontam para a importância da educação digital.

O objetivo deve ser capacitar crianças e adolescentes para lidarem com a poluição informacional das redes: diferenciar textos opinativos de noticiosos, investigar a veracidade das informações, produzir conteúdos com responsabilidade, proteger a privacidade, reconhecer abusos e buscar ajuda, quando necessário.

Assim, busca-se a redução dos potenciais efeitos nocivos das fake news, do discurso de ódio, da superexposição e do cyberbullying —que podem gerar ou agravar transtornos mentais.

No Brasil, o Congresso discute uma regulamentação das redes repleta de dispositivos controversos, enquanto a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) já recomenda o chamado letramento midiático. Falta capacitar professores e colocar a orientação em prática.

Pela disseminação recente e pelas mudanças provocadas, é natural que o uso das redes sociais gere preocupação e até medo. Mas o conhecimento obtido pela ciência e pela educação é a forma mais sensata de lidar com as adversidades.

Choque de realidade

O Estado de S. Paulo

Lula nunca perdeu o sono em razão de questões ambientais, pois só se preocupa com o exercício do poder, razão pela qual permitiu que o Congresso desossasse o Ministério de Marina

Corria o ano de 2010 quando o então presidente Lula da Silva, com a verve que lhe é peculiar, entretinha plateias de seus comícios contando a história da perereca impertinente que atrasava obras. Segundo o petista, a obra de um túnel no Rio Grande do Sul ficou paralisada por seis meses enquanto órgãos de proteção ambiental avaliavam o impacto do projeto depois que foi encontrado ali um anfíbio ameaçado de extinção. “Não podemos parar tudo por causa de uma perereca”, dizia Lula, provocando gargalhadas.

Não foi uma queixa isolada. Lula sempre reclamou de quem atrapalhava suas obras a pretexto de proteção do meio ambiente, tema do qual jamais foi um entusiasta. Os tempos, contudo, são outros, e a questão ambiental se tornou decisiva no mundo, razão pela qual Lula teve que pelo menos fingir que se interessa pelo assunto. No seu terceiro mandato, tratou de restabelecer o Ministério do Meio Ambiente e de reatar com Marina Silva, a popstar do ambientalismo, anos depois de tê-la atropelado para construir a hidrelétrica de Belo Monte.

Mas o compromisso de Lula com Marina durou menos de seis meses. O presidente não mexeu um músculo enquanto o Congresso desossava a medida provisória (MP) que reestruturou os Ministérios e órgãos ligados à Presidência, devastando particularmente os Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, pastas caras à sua base de apoio popular. Tudo isso em troca da manutenção do poder do núcleo palaciano.

Restou evidente que a Lula falta tônus político até para impor a organização do primeiro escalão de seu governo. Mas que o leitor não se engane, pensando que Lula possa ter sido vítima de uma suposta ingerência do Congresso em suas prerrogativas constitucionais, como o ministro da Justiça, Flávio Dino, insinuou de forma marota em uma publicação no Twitter. Na realidade, o presidente, que de bobo não tem nada, decerto foi um dos avalistas desse arranjo.

Dos 15 votos favoráveis ao relatório da comissão mista encarregada de analisar a MP da reorganização do governo, nada menos que 14 foram dados por parlamentares da base governista. Marina Silva acordou no dia seguinte à votação contando apenas com a força de seu capital simbólico. Quase tudo o mais foi embora. Sua pasta perdeu o controle sobre o Cadastro Ambiental Rural (CAR) – documento voltado à regularização ambiental de propriedades rurais – para a ministra da Gestão, Esther Dweck, que não demonstra ter qualquer familiaridade com o assunto. O Meio Ambiente também perdeu a Agência Nacional de Águas (ANA) para o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, chefiado por Waldez Góes, afilhado político do senador Davi Alcolumbre (União-AP).

Os reveses na seara ambiental não ficaram circunscritos à alteração da MP que reorganizou os Ministérios. A Câmara também aprovou o regime de urgência para a votação do Projeto de Lei (PL) 490/07, que restringe a demarcação de terras indígenas àquelas já ocupadas pelos povos originários em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Os deputados também aprovaram flexibilizações na Lei da Mata Atlântica com potencial de aumentar o desmatamento de áreas do bioma protegidas pelo Código Florestal.

O PT de Lula da Silva deu votos decisivos para a aprovação de todas essas medidas, desmascarando a falácia eleitoral segundo a qual este seria um governo genuinamente comprometido com a preservação ambiental e com a qualidade de vida dos povos indígenas. Atropelada como a colega Marina Silva, a ministra Sonia Guajajara, que perdeu o poder de demarcar terras indígenas para a pasta da Justiça, hoje não é mais que figura decorativa na Esplanada.

Mudanças tão substanciais em um setor que Lula vendeu durante a campanha como o grande diferencial de seu governo, em contraste com a política de terra arrasada de seu adversário, Jair Bolsonaro, decerto serviram como um choque de realidade para todos os que acreditavam que Lula havia se tornado um herói da floresta. Ora, como todos deveriam saber a esta altura, o petista jamais se deixará manietar por imperativos que não sejam os do exercício do poder. A perereca gaúcha que o diga.

Uma corte constitucional contra a Constituição

O Estado de S. Paulo

Mais uma vez prorrogados, os inquéritos secretos do STF, que contrariam a Constituição e a jurisprudência da Corte, ameaçam o Estado Democrático de Direito que deveriam defender

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes prorrogou por mais 90 dias o Inquérito 4.874, aberto em julho de 2021 para investigar supostas milícias digitais. É a sétima vez que a conclusão do inquérito é protelada. Mais longevo é o inquérito 4.781, de abril de 2019. Ambos foram instaurados sob a justificativa de defender o Estado Democrático de Direito e a independência da Suprema Corte. Mas sua perpetuação está desmoralizando a autoridade da Corte e ameaçando a normalidade do Estado Democrático de Direito.

O inquérito 4.781 (das “fake news”) foi aberto para apurar ameaças na internet à Corte e seus ministros. Foi medida legítima, escorada na lei e no Regimento Interno do STF. Mas já então ela foi lanhada por um vício de origem. Sem justificativa razoável, o relator, Alexandre de Moraes, contrariou o princípio da publicidade e decretou sigilo sobre as investigações – o mesmo que impera sobre o inquérito das milícias digitais.

Desde então, acumularam-se irregularidades. Ainda em 2019, por exemplo, Moraes censurou reportagem da revista Crusoé por suposta injúria ao ministro Dias Toffoli. Pouco depois, o próprio Moraes corrigiu esse erro. Mas outros não tiveram a mesma sorte.

Todo poder emana do povo. O da Justiça também. Mas, ante a capa do sigilo, o povo não pode escrutinar a competência e a legalidade de diversas medidas excepcionais no âmbito desses inquéritos, como a prisão ou censura de representantes eleitos, jornalistas, empresários e influenciadores, quebras de sigilo, bloqueios de contas ou multas exorbitantes.

Além de início, meio e fim, toda investigação deve ter objeto certo e determinado. Mas, sob o pretexto de circunstâncias excepcionais, os inquéritos foram alargados a ponto de conferir à Corte uma espécie de juízo universal de defesa da democracia. Um inquérito de 2019 instaurado para investigar informações fraudulentas e ameaças ao STF foi empregado em 2023 para arbitrar o debate sobre o projeto de regulação das redes digitais, através da censura a manifestações críticas das plataformas. Até denúncias de falsificação do cartão de vacinação do ex-presidente da República e outras autoridades foram fagocitadas pelos intermináveis e indetermináveis inquéritos.

A excepcionalidade dos atentados do 8 de Janeiro também serviu de pretexto a toda sorte de discricionariedade. Contrariando a Lei Orgânica da Magistratura, Moraes se manifestou várias vezes fora dos autos em redes sociais, qualificando investigados como “terroristas” e ameaçando-os com punição implacável. Prisões preventivas foram decretadas de ofício e estendidas arbitrariamente. Prova disso foi a decisão de soltar, entre os presos por alegado envolvimento no 8 de Janeiro, apenas mulheres (149 no total) por ocasião do Dia Internacional da Mulher, como se sua liberdade não fosse um direito fundamental a ser garantido tão logo verificadas as condições legais, mas um beneplácito concedido pelo ministro em razão de uma efeméride.

Em tempos trevosos e turbulentos, o STF prestou grandes serviços à Nação na defesa firme da Constituição. Particularmente importante para a restauração da ordem jurídica foram as retificações de abusos cometidos no âmbito da Operação Lava Jato em nome do combate à corrupção, como as competências extensivas autoatribuídas pela 13.ª Vara Federal de Curitiba, inquéritos sem prazo certo, prisões arbitrárias e outros atropelos do devido processo legal, muitas vezes motivados, como reconheceu a Corte, por parcialidade política.

Se não há no direito brasileiro competência universal para combater a corrupção, tampouco há para investigar todas as ocorrências relativas à Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. Exceto em condições excepcionalíssimas, inquéritos devem ser conduzidos com transparência e publicidade, e, sobretudo, devem ter objeto determinado e um desfecho, seja a denúncia, seja o arquivamento. É o que determina a Constituição, a lei e a jurisprudência da Corte. Mas, em nome da defesa da democracia, a própria Corte – guardiã da Constituição e instância máxima do Poder Judiciário – as está descumprindo.

Mais pressão sobre o Banco Central

O Estado de S. Paulo

Com arcabouço fiscal e inflação menor, empresários se unem ao governo para demandar queda nos juros

Com a rejeição dos destaques, a Câmara concluiu a votação do arcabouço fiscal. O projeto segue agora para o Senado, onde a expectativa é aprová-lo antes do recesso parlamentar. Na Câmara, o espaço extra para gastos foi reduzido de mais de R$ 80 bilhões para algo entre R$ 15 bilhões e R$ 28 bilhões, condicionado ao cumprimento do ambicioso objetivo de zerar o déficit em 2024. Mais rígido do que o governo queria e mais frouxo do que a oposição desejava, o sucesso do arcabouço dependerá fortemente do aumento de receitas.

Bem ou mal, trata-se da primeira vitória do governo Lula no Legislativo, e ainda que ela se deva menos à articulação política do petista e de seus ministros e mais à liderança do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e ao esforço do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é fato que o mercado financeiro reagiu bem à aprovação da proposta.

Mais do que o reconhecimento do compromisso fiscal do governo, da credibilidade das projeções, da perenidade do dispositivo e de sua capacidade para estabilizar a trajetória da dívida pública no médio prazo, o movimento foi um ajuste de posições de investidores diante da diminuição da percepção de risco. Afinal, bem ou mal, o País voltará a ter algum limite para o crescimento das despesas, o que não existia desde a completa desmoralização do teto de gastos.

Assim, as atenções se voltam imediatamente para o Banco Central (BC), alvo preferencial de Lula. O BC já havia afirmado, nas atas das reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), que a apresentação do arcabouço reduzia incertezas, embora não houvesse relação mecânica entre a aprovação da proposta e a convergência da inflação. A autoridade monetária havia reconhecido, no entanto, que um arcabouço sólido e crível poderia levar a um processo desinflacionário mais benigno, reduzindo as expectativas e, consequentemente, as projeções com as quais o Copom trabalha.

Horas antes da aprovação do arcabouço, no entanto, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, foi instado a levar em conta em suas decisões, além das expectativas do mercado, a percepção das empresas sobre a economia brasileira. Como mostrou o Estadão, em um almoço com a cúpula do Congresso, ele ouviu de alguns dos maiores empresários do País críticas sobre o patamar da taxa básica de juros e alertas sobre a situação delicada por que passa o setor produtivo.

Para completar o quadro, no dia seguinte à aprovação do arcabouço, o IPCA-15, prévia do índice oficial de inflação do mês de maio, subiu 0,51%, menos do que o esperado. Ainda assim, Campos Neto manteve o discurso. Disse que ainda é preciso ter certeza de que a inflação vai convergir à meta e mencionou a lentidão do ritmo do processo desinflacionário, um trabalho que requer “paciência e sinergia”.

Há dúvidas sobre se o arcabouço será capaz de estabilizar a dívida pública – e o endividamento, afinal, é um fator que contribui para manter os juros em níveis elevados. O que é certo é que a pressão sobre o BC deve aumentar ainda mais.

 

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