sexta-feira, 26 de maio de 2023

Hélio Schwartsman - Símbolos importam

Folha de S. Paulo

Governo Lula adota pragmatismo em estado bruto e abandona meio ambiente e povos indígenas

Um bom político é um ser medularmente pragmático, mas que conserva a capacidade de manipular os simbolismos a seu favor.

Na parte do pragmatismo, Lula dá sinais de que entendeu os últimos recados. É a curva do aprendizado. A correlação de forças entre Executivo e Legislativo não é mais a mesma de 20 anos atrás. Depois de algumas barbeiragens, em que amargou derrotas vistosas, há indicações de que o governo se conformou com o fato de que sua base parlamentar programática é diminuta e aceitou a ideia de que, nas votações importantes, é refém de Arthur Lira e seu centrão, o que envolve acertos "ad hoc", projeto a projeto.

Mais do que isso, a administração parece ter decidido centrar toda sua atenção na pauta econômica. A avaliação, da qual não discordo, seria a de que, se as coisas desandarem nessa seara, o mandato de Lula ficaria irremediavelmente comprometido. Mobilizou-se até para enquadrar os parlamentares da esquerda do PT e os fez votar a favor do arcabouço fiscal.

No que diz respeito aos simbolismos, porém, a trajetória foi a oposta. O governo que fizera de sua cerimônia de posse uma apoteose de alegorias, com Lula subindo a rampa ao lado de minorias, agora não parece dar muita trela para temas emblemáticos como meio ambiente e povos indígenas. Eu pelo menos não vejo outra maneira de interpretar as votações dos últimos dias que, entre outros retrocessos, esvaziaram significativamente os dois ministérios responsáveis por essas questões.

Era mais ou menos inevitável que a administração sofresse reveses impostos por bancadas poderosas como a ruralista. Mas ver parlamentares do PT votando a favor de pautas reacionárias só para acelerar os trâmites foi para mim chocante. Governo e partido deveriam ter demonstrado alguma contrariedade, nem que fosse só para constar. Símbolos, afinal, importam.

Marina Silva tem todos os motivos para sentir-se traída e abandonada.