Folha de S. Paulo
Governo não fez as contas do custo de
subsidiar automóveis, que não beneficia pobres
O presidente Luiz Inácio Lula
da Silva
(PT) lançou o seu programa de carro
dito popular. O desconto chegaria a até 11%. Assim, os carros mais
baratos viriam a custar R$ 61 mil, o equivalente a 21 meses do salário médio
nacional ou a 46 meses de salário mínimo.
O governo avisou que o plano ainda terá de passar pela avaliação do Ministério da Fazenda. Não se sabe, pois, qual o tamanho do subsídio (dinheiro de impostos) que será dado a quem comprar carro. É improvável que o ministro Fernando Haddad diga a Lula "esquece, não tem dinheiro". Mas causa consternação que nem o governo saiba de custos e benefícios (que vão além de dinheiro).
Esqueça-se por ora que políticas de
subsídio para carros são fracassadas em termos econômicos, tecnológicos,
ambientais e sociais. Dê-se uma olhada em certos números do negócio.
Cerca de 50% dos domicílios brasileiros
tinham um carro em 2019, dado mais recente do IBGE. É razoável
especular que não são as casas mais pobres. A mera observação da desigualdade
regional da propriedade automobilística dá uma pista das diferenças.
No Nordeste,
havia carros em cerca de 29% dos domicílios; no Norte, 27,7%. No estado de São
Paulo, 63,4%. Em Santa Catarina, 75,3%. No Mato Grosso do Sul, 60,5%.
Difícil dizer quanto vai custar o
"Mais Carros". Considere-se que o desconto de preço será o da média
da faixa de redução de impostos,
que as vendas aumentem na mesma proporção dessa baixa de preços e que se leve
em conta o emplacamento em abril dos dez carros mais baratos (dados da Fenabrave).
A coisa poderia custar uns R$ 200 milhões
por mês. Em um ano, mais de R$ 2 bilhões, desconsiderada uma variação de vendas
por outros motivos. É uma conta no guardanapo. Aliás, só o varejo terá
desconto? Quase metade das vendas são
diretas, para frotas de empresas, por exemplo. Terão desconto?
Dada a enormidade dos gastos do governo,
mais de R$ 2 trilhões neste ano, parece ninharia. Não é bem assim. O governo
estima que deve ter déficit de R$ 136 bilhões neste ano. Pelo plano do
arcabouço fiscal, o déficit seria de R$ 50 bilhões. Por uma estimativa anterior
de Haddad,
de R$ 100 bilhões. Seja qual for a conta, o ministro terá de cortar gastos ou
aumentar a arrecadação de impostos em pelo menos R$ 36 bilhões. Quem paga a
conta?
O pico recente da produção trimestral de
carros foi em outubro-dezembro de 2022 (520 mil). De fevereiro a abril, foram
422 mil. O número de empregos diretos nas montadoras ficou na mesma, cerca de
101 mil trabalhadores. A indústria trabalha com capacidade ociosa de uns 40%.
Se tudo der certo, haveria um ganho marginal em negócios conexos. Talvez
aumente um pouco a oferta de carros usados. Mas considere-se que a taxa média
de financiamento de
carro está em quase 29% ao ano (ante 21% de março de 2019).
Esse plano do carro popular é versão
demagógica e mais caricata dos primeiros ensaios de política industrial do
governo, que acaba de anunciar empréstimos mais baratos do BNDES para indústria
e exportadores —em parte menor, pode até ser boa coisa, mas faltam detalhes. No
passado recente, houve erros ou desastres.
Enfim, o governo se contradiz com esse
plano de subsídios e incentivos à atividade econômica de curto prazo. Perde
dinheiro, mas promete superávits. Cria mais subsídio setorial, o contrário da
proposta reforma tributária e da tentativa de Fazenda e Planejamento de reduzir
tais benefícios. Vai na contramão da política monetária (de juros, do Banco
Central) de reduzir a atividade, pois expande o gasto de modo indireto
(para nem falar da expansão direta e grande). O ministro Haddad vinha dizendo
que é preciso conciliar política monetária e fiscal. Hum.
Um comentário:
Eu pensava que o carro dito popular custava mais barato,quer dizer,não há carro popular no Brasil.
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