Valor Econômico
Falta de solidariedade a Marina Silva,
acordo para mudar medida provisória e arcabouço fiscal mostram limites de Lula
O governo federal, em menos de cinco meses,
está na defensiva, em várias frentes no Congresso. Não se trata de situação
corriqueira enfrentar em tão pouco tempo duas CPIs potencialmente danosas (a
dos atos de 8 de janeiro e a do MST) e ter que engolir sem reclamar a
desfiguração da estrutura administrativa que armou para executar seu programa
de governo. É disso que se trata, de uma desfiguração, o relatório do deputado
Isnaldo Bulhões (MDB-AL) sobre a MP 1154, já aprovado em comissão.
A “realpolitik” se impõe, como reconhece um petista que não se notabiliza pelo pragmatismo, como o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, Rui Falcão (SP). “Somos um governo de minoria e precisamos entregar os anéis para salvar os dedos. É o tal do mal menor”, comentou.
Falcão observa que os alvos preferenciais
do parecer foram três ministérios que, de uma forma ou outra, atingem o direito
a propriedade: o do Desenvolvimento Agrário, enfraquecido ao ter que dividir as
atribuições da Conab com a pasta da Agricultura; o de Povos Indígenas, que
perde a sua razão de ser, que é a demarcação de terras indígenas; e sobretudo o
do Meio Ambiente, que tem seus poderes castrados para combater grilagem, impor
sanções a desmatadores e influir nas políticas de exploração de recursos
essenciais.
Marina Silva promete resistir, e como é de
seu estilo, sem sinalizar concessões ao Congresso. Dá a entender que o governo
e o agronegócio terão muito a perder com o seu desprestígio. Mas o fato é que
sobram sinais de que o governo a jogou no mar.
A fragilidade da ministra já havia ficado
patente na polêmica sobre a negativa do Ibama em autorizar a prospecção
da Petrobras na
Foz do Amazonas. O órgão tomou uma decisão técnica, semelhante à idêntica
decisão tomada pelo próprio Ibama em 2018, quando negou investimento da
francesa Total na mesma região, sem que na ocasião tenha havido reação
política. O que mudou? Na opinião da ex-presidente do Ibama, Suely Araujo
(2016-2018), a mudança é a disposição do Congresso em desfazer a legislação
ambiental existente. O movimento foi ofensivo, e não reativo, em suma.
Provocado pela imprensa, o presidente não foi categórico ao defender Marina, e
o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, partiu para o ataque contra
ela em audiência pública.
A preservação do direito à propriedade é
uma das pedras de toque em um Congresso com ampla hegemonia da bancada
ruralista. A submissão do direito à propriedade à função social é uma das
principais características do pensamento de esquerda. O resultado das votações
desta semana comprova que o limite ao governo Lula está dado, com anuência do
Palácio do Planalto, por uma questão de sobrevivência.
Essa lógica, na visão de Falcão, pode ser
aplicada também em relação ao projeto do arcabouço fiscal. O PT aceitou muito a
contragosto a proposta aprovada na Câmara depois de uma negociação conduzida
pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, por entender estar diante de um
limitador.
O mercado financeiro cobrava a apresentação
de um sucedâneo ao finado teto de gastos. Ainda que os investidores não tenham
ficado satisfeitos com um mecanismo que ajusta o resultado fiscal mais pela
busca de um aumento da receita do que pelo corte da despesa, o fato é que o
arcabouço fiscal foi outro movimento reativo, defensivo, para que um governo
que não fez uma “carta ao povo brasileiro” ganhe credibilidade. As concessões
que Lula não fez na campanha faz agora, para não ser mais emparedado do que já
está.
O veterano dirigente petista expõe a sua
angústia: “Além do combate à fome e da reinserção do Brasil no cenário
internacional temos projetos esparsos. O que embala este governo? Como trazer o
centro para o nosso lado sem entregar a administração? Ou a gente cria uma base
social para segurar este clima no Parlamento ou não vai dar certo”, comentou.
O governo, em resumo, passeia no fio da
navalha, como comentou um aliado de centro, o senador Otto Alencar (PSD-BA).
Ele ressalta que a alternativa ao relatório de Bulhões é que a MP caduque no
dia 1° de junho e que a estrutura administrativa do governo de Jair Bolsonaro
retorne. É pegar ou largar. E a visão do líder da maior bancada parlamentar no
Senado sobre o arcabouço fiscal é a seguinte: “O projeto está dentro do que o
governo queria, porque impõe a responsabilidade fiscal, mas dá dinheiro para
Lula gastar em programas sociais. Mas é uma lei complementar, pode ser
examinada aqui dentro do Senado sem ansiedade. Não é sangria desatada”, disse.
É um sinal de que os senadores não vão comprar sem ver o pacote acertado entre
Haddad e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Novos pontos podem ser
negociados.
Já há sinais da atenção do governo voltada
para o Senado, casa que analisará nos próximos dias tanto o arcabouço fiscal
como as MPs votadas pela Câmara. Parlamentares da oposição comentam que um
senador transita pela Casa oferecendo-se para intermediar a liberação de
pagamento de emendas ao Orçamento que eram parte do butim do chamado “orçamento
secreto” e que passaram para a discricionariedade dos ministérios.
No Senado, é um montante que ronda a cifra
de R$ 3 bilhões. O dinheiro atenderia tanto senadores da base como da oposição.
É a volta do “status quo ” do governo Bolsonaro por outros meios. Para salvar
seus dedos, o governo estaria cedendo o anel que lhe foi devolvido pela decisão
do STF de dezembro, que aumentou o poder do Executivo de dispor da peça
orçamentária.
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