Valor Econômico
PP, Republicanos e PL são responsáveis por
mais de um quarto dos votos a favor do Executivo na Câmara
Natural de Sertânia, no interior de
Pernambuco, Ulysses Lins de Albuquerque exerceu três mandatos de deputado
federal entre 1946 e 1959. Da discreta carreira política, pouco ficou de
relevante - embora tenha feito o filho, Etelvino Albuquerque, senador e governador.
A grande obra de Lins de Albuquerque talvez
seja seu livro de memórias, publicado pela Editora José Olympio em 1957. “Um
Sertanejo e o Sertão” é um compilado de lembranças e causos deliciosos que
retratam as relações políticas e sociais no Nordeste agrário entre o fim do
século XIX e a primeira metade do século XX. Relações ainda presentes no Brasil
atual - e que não são exclusivas do sertão nordestino.
Uma das histórias narradas no livro é a do coronel Manuel Inácio, líder político na então vila de Alagoa de Baixo desde a Monarquia. O velho coronel tinha duas características marcantes: a violência com que impunha a ordem na região e sua coerência política. Dizia ele: “Eu não tenho culpa de os governos mudarem, eu é que não mudo!”. E arrematava: “Estou sempre com o governo”.
Pesquisa recente da Quaest mostrou que,
numa amostra de 185 deputados federais, 40% se consideram apoiadores do governo
Lula, 28% afirmam ser independentes, e 27%, de oposição.
Embora 65% avaliem a gestão como boa ou
regular, 67% consideram que o presidente dá menos atenção do que deveria aos
congressistas. A mensagem é clara: se Lula se esmerar um pouco mais na
articulação política, distribuindo cargos e verbas, tem boas chances de ter um
mandato tranquilo até 2026.
É neste contexto que se situam as complexas
negociações envolvendo a distribuição de mais ministérios e uma maior fatia do
orçamento para o Centrão.
Na última década, Dilma, Temer e Bolsonaro
se tornaram reféns desse grupo, que é governista por natureza, mas tem cobrado
caro para garantir governabilidade.
A importância que o Centrão assumiu na
política brasileira pode ser medida pelas menções que ele recebe na imprensa.
Tomando o acervo do jornal “O Estado de S. Paulo” como balizador, é fácil notar
que o termo caiu em desuso após ser utilizado intensamente na época da
Constituinte. No biênio 1987-88, 599 reportagens citaram o grupo. Depois disso,
no intervalo de 20 anos entre 1990 e 2010, foram apenas 147 referências.
A palavra “Centrão” começa a ocupar
novamente relevância nos noticiários a partir da ascensão de Eduardo Cunha ao
comando da Câmara. De 2010 a 2015, a expressão apareceu em apenas 20
reportagens do Estadão. Depois de Cunha, as citações sobem para 286 em 2016. E
296 em 2017.
A queda de Cunha não arrefeceu o movimento.
Pelo contrário. As alusões ao bloco mudam de patamar no ano eleitoral de 2018
(422) e no primeiro ano do governo Bolsonaro (484).
No primeiro ano da pandemia, a expressão
alcançou 972 menções. E quando Arthur Lira assume o comando da Câmara, todos os
recordes são batidos: 1.350 referências em 2021; incríveis 1.766 citações em
2022.
O retorno de Lula ao poder, contudo, parece
ter abalado essa dominância. Seja pela sua habilidade política, pela
experiência de ter governado o país por dois mandatos ou pela expressiva
popularidade que goza, principalmente no Nordeste e Norte do país (redutos de
parte expressiva dos parlamentares que compõem o Centrão), o petista parece
estar conseguindo minar a força do bloco.
Nos primeiros sete meses de 2023, o termo
“Centrão” recebeu apenas 390 referências nas páginas do Estadão - média
bastante inferior à verificada nos três anos anteriores.
Para além da batalha na mídia, a disputa
que realmente interessa se dá no plenário e nas comissões do Congresso. No
primeiro semestre de 2023 houve 155 votações nominais na Câmara. O governo
conseguiu um bom desempenho de 68% de adesão dos parlamentares, indicador muito
próximo aos dados captados pela Quaest.
Do total de votos favoráveis ao desejado
pelo governo no primeiro semestre, 38,7% vieram dos partidos da aliança de
esquerda e centro-esquerda, com destaque para a federação PT / PCdoB / PV
(23,8%), PDT (4,8%), PSB (4%) e federação Psol / Rede (3,3%).
Outros 28,1% partiram da trinca de partidos
de centro-direita que embarcaram no governo logo no início: União Brasil
(10,3%), PSD (9,2%) e MDB (8,7%).
Dos dois partidos do Centrão que pleiteiam
ministérios hoje, PP contribuiu com 8,7% dos votos para o governo, e
Republicanos com 8,3%.
Mas a maior prova da força do governismo na
atual legislatura vem do PL. O partido do ex-presidente Jair Bolsonaro
contribuiu com 8,8% dos votos conseguidos pelo governo Lula até o momento.
Para boa parte do Congresso, portanto, vale
a máxima “se há governo, sou a favor”, o que é uma ótima notícia para Lula.
Porém, da mesma forma que os “coronéis
Inácios” da atualidade continuam governistas mesmo que o comando agora seja do
PT, o presidente Luiz Inácio também molda sua gestão quanto mais o Centrão faz
parte de seu governo.
Falaremos disso em breve.
*Bruno Carazza é professor
associado da Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Um comentário:
Pois é,nada muda.
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