Folha de S. Paulo
As duas faces da corrupção e suas
consequências políticas
Em coluna publicada em 2019 afirmei que
"a exposição da grande corrupção favoreceu
Bolsonaro; a da pequena poderá fraturar sua base". A conjetura mostrou-se
acertada. Na atual conjuntura o caso das joias está levando o ex-mandatário a
uma bancarrota política inédita.
A literatura especializada distingue a petty corruption
(corrupção de pequena escala) da grand corruption (de grande escala). A primeira
diferencia-se por ser transações singulares, individualizadas, e não
institucionalizadas; a segunda por ser institucionalizada, envolvendo
burocracias públicas, partidos políticos, estatais, sendo recorrente e de elevado valor.
Referia-me na coluna às rachadinhas e ao
papel que a exposição na opinião pública do mensalão e
petrolão teve na ascensão de Bolsonaro. O caso teve pelo menos dois
desdobramentos institucionais –no Coaf e na Polícia Federal— nos quais teve
participação ativa com custos políticos e derrotas no STF. A fratura na
base acarretou a defecção dos setores que apoiavam a Lava Jato da coalizão que
levou Bolsonaro ao Planalto. Seu símbolo foi a saída de Moro do governo. Ao que
se seguiu o rapprochement do governo com o centrão e a marginalização de
olavistas e militares.
A pequena corrupção no país é uma das menores da América Latina e similar à média da OCDE. Já no pioneiro Barômetro da Corrupção (2011) a percentagem de brasileiros que declaravam ter pago propina (a policiais, fiscais, provedores de serviço etc.) foi de 4%, baixa comparada aos 12% da Argentina, 21% do Chile e 31% do México. Em 2019, continuou a menor da região (11%).
Os dados sobre "tentativas de obtenção
de propina" são mais fidedignos. No Lapop (2021), a percentagem de pessoas
que responderam positivamente à pergunta "alguma vez nos últimos 12 meses
algum funcionário público lhe pediu uma propina" foi 4,8% (Brasil), 26,2%
(México), 19% (Paraguai), 13,9 (Peru) e 7,7% (Argentina); Chile (2,0%)
supera o Brasil.
A grande corrupção, ao contrário da
pequena, não pode ser aferida por pesquisas. É clandestina: não podemos
divisá-la salvo em conjunturas excepcionais. O Brasil foi o epicentro de evento
raro em que seus tentáculos puderam ser vistos. O affair Odebrecht chegou tardiamente à Colômbia —cuja Procuradoria indiciou nesta
semana 60 pessoas após pedido do presidente Gustavo Petro— e depois de ter
derrubado três presidentes no Peru.
A bancarrota política de Bolsonaro é assim a crônica de uma morte anunciada já na sua investidura quando foi assombrado pelos desmandos de seu entorno familiar; só que agora encarna o personagem principal. Institucionalmente, o caso salpica nas Forças Armadas.
*Professor
da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da
Universidade Yale (EUA).
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