segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Bruno Carazza* - Votações mostram que Centrão já é governo

Valor Econômico

PP, Republicanos e PL são responsáveis por mais de um quarto dos votos a favor do Executivo na Câmara

Natural de Sertânia, no interior de Pernambuco, Ulysses Lins de Albuquerque exerceu três mandatos de deputado federal entre 1946 e 1959. Da discreta carreira política, pouco ficou de relevante - embora tenha feito o filho, Etelvino Albuquerque, senador e governador.

A grande obra de Lins de Albuquerque talvez seja seu livro de memórias, publicado pela Editora José Olympio em 1957. “Um Sertanejo e o Sertão” é um compilado de lembranças e causos deliciosos que retratam as relações políticas e sociais no Nordeste agrário entre o fim do século XIX e a primeira metade do século XX. Relações ainda presentes no Brasil atual - e que não são exclusivas do sertão nordestino.

Uma das histórias narradas no livro é a do coronel Manuel Inácio, líder político na então vila de Alagoa de Baixo desde a Monarquia. O velho coronel tinha duas características marcantes: a violência com que impunha a ordem na região e sua coerência política. Dizia ele: “Eu não tenho culpa de os governos mudarem, eu é que não mudo!”. E arrematava: “Estou sempre com o governo”.

Pesquisa recente da Quaest mostrou que, numa amostra de 185 deputados federais, 40% se consideram apoiadores do governo Lula, 28% afirmam ser independentes, e 27%, de oposição.

Embora 65% avaliem a gestão como boa ou regular, 67% consideram que o presidente dá menos atenção do que deveria aos congressistas. A mensagem é clara: se Lula se esmerar um pouco mais na articulação política, distribuindo cargos e verbas, tem boas chances de ter um mandato tranquilo até 2026.

É neste contexto que se situam as complexas negociações envolvendo a distribuição de mais ministérios e uma maior fatia do orçamento para o Centrão.

Na última década, Dilma, Temer e Bolsonaro se tornaram reféns desse grupo, que é governista por natureza, mas tem cobrado caro para garantir governabilidade.

A importância que o Centrão assumiu na política brasileira pode ser medida pelas menções que ele recebe na imprensa. Tomando o acervo do jornal “O Estado de S. Paulo” como balizador, é fácil notar que o termo caiu em desuso após ser utilizado intensamente na época da Constituinte. No biênio 1987-88, 599 reportagens citaram o grupo. Depois disso, no intervalo de 20 anos entre 1990 e 2010, foram apenas 147 referências.

A palavra “Centrão” começa a ocupar novamente relevância nos noticiários a partir da ascensão de Eduardo Cunha ao comando da Câmara. De 2010 a 2015, a expressão apareceu em apenas 20 reportagens do Estadão. Depois de Cunha, as citações sobem para 286 em 2016. E 296 em 2017.

A queda de Cunha não arrefeceu o movimento. Pelo contrário. As alusões ao bloco mudam de patamar no ano eleitoral de 2018 (422) e no primeiro ano do governo Bolsonaro (484).

No primeiro ano da pandemia, a expressão alcançou 972 menções. E quando Arthur Lira assume o comando da Câmara, todos os recordes são batidos: 1.350 referências em 2021; incríveis 1.766 citações em 2022.

O retorno de Lula ao poder, contudo, parece ter abalado essa dominância. Seja pela sua habilidade política, pela experiência de ter governado o país por dois mandatos ou pela expressiva popularidade que goza, principalmente no Nordeste e Norte do país (redutos de parte expressiva dos parlamentares que compõem o Centrão), o petista parece estar conseguindo minar a força do bloco.

Nos primeiros sete meses de 2023, o termo “Centrão” recebeu apenas 390 referências nas páginas do Estadão - média bastante inferior à verificada nos três anos anteriores.

Para além da batalha na mídia, a disputa que realmente interessa se dá no plenário e nas comissões do Congresso. No primeiro semestre de 2023 houve 155 votações nominais na Câmara. O governo conseguiu um bom desempenho de 68% de adesão dos parlamentares, indicador muito próximo aos dados captados pela Quaest.

Do total de votos favoráveis ao desejado pelo governo no primeiro semestre, 38,7% vieram dos partidos da aliança de esquerda e centro-esquerda, com destaque para a federação PT / PCdoB / PV (23,8%), PDT (4,8%), PSB (4%) e federação Psol / Rede (3,3%).

Outros 28,1% partiram da trinca de partidos de centro-direita que embarcaram no governo logo no início: União Brasil (10,3%), PSD (9,2%) e MDB (8,7%).

Dos dois partidos do Centrão que pleiteiam ministérios hoje, PP contribuiu com 8,7% dos votos para o governo, e Republicanos com 8,3%.

Mas a maior prova da força do governismo na atual legislatura vem do PL. O partido do ex-presidente Jair Bolsonaro contribuiu com 8,8% dos votos conseguidos pelo governo Lula até o momento.

Para boa parte do Congresso, portanto, vale a máxima “se há governo, sou a favor”, o que é uma ótima notícia para Lula.

Porém, da mesma forma que os “coronéis Inácios” da atualidade continuam governistas mesmo que o comando agora seja do PT, o presidente Luiz Inácio também molda sua gestão quanto mais o Centrão faz parte de seu governo.

Falaremos disso em breve.

*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Pois é,nada muda.