Valor Econômico
A redução das incertezas fiscais é o melhor
caminho caso o ambiente externo se mostre mais complicado
O segundo semestre se mostra mais complicado para a economia brasileira. Enquanto o cenário internacional se tornou menos benigno para países emergentes, com a alta forte dos juros de longo prazo nos EUA e a fraqueza econômica da China, as perspectivas fiscais e políticas domésticas se turvaram um pouco. A piora do ambiente externo, em especial, tem pressionado os preços de ativos brasileiros: o dólar voltou a se aproximar de R$ 5, os juros futuros subiram e a bolsa registrou 13 pregões seguidos de baixa. Não há, ao menos por ora, um quadro de grande pessimismo, mas a maior tranquilidade do fim do primeiro semestre ficou para trás. Para evitar maiores turbulências, o ideal seria o governo dar sinais mais firmes de compromisso com o esforço fiscal. No fim das contas, reduzir as incertezas sobre a situação fiscal do país é o que pode de fato assegurar um ciclo mais longo e sustentado de queda dos juros.
As metas de resultado primário (que excluem
gastos com juros) definidas no arcabouço fiscal parecem muito difíceis de serem
atingidas, uma vez que o Ministério da Fazenda enfrenta problemas para aumentar
as receitas na magnitude necessária para cumprir os alvos estabelecidos para as
contas públicas. O governo central não deverá alcançar um déficit primário de
0,5% do PIB neste ano e tampouco tende a zerá-lo no ano que vem, como foi proposto
no anúncio da nova regra fiscal. Para atingir o equilíbrio do resultado
primário em 2024, a equipe econômica conta com um volume expressivo de receitas
incertas, na casa de R$ 130 bilhões, boa parte das quais ainda depende da
aprovação de medidas no Congresso. Especialistas em contas públicas não
acreditam que o rombo será zerado no ano que vem. As projeções da Instituição
Fiscal Independente (IFI) são de um déficit de 0,8% do PIB em 2023 e de 0,93%
do PIB em 2024.
Depois de vários adiamentos, a expectativa
é que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, coloque em votação
nesta semana o projeto do novo arcabouço fiscal, possivelmente amanhã. A
aprovação definitiva do novo marco para as contas públicas pode ajudar a
reduzir incertezas, especialmente se os deputados fecharem algumas brechas
abertas pelos senadores para aumento de gastos. O governo também reforçaria a
credibilidade da política fiscal se abandonasse de vez ideias como retirar da
meta fiscal R$ 5 bilhões de despesas com o Novo Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), ou classificar dispêndios com precatórios (dívidas
decorrentes de sentença judiciais) como gastos financeiros. Criar exceções como
essas só contribui para fragilizar o novo arcabouço, que já determina um
aumento dos gastos do governo central sempre acima da inflação, entre 0,6% e
2,5% ao ano. Se começar a recorrer a esse tipo de expediente logo de início, a
nova regra fiscal será vista cada vez com mais ceticismo. Ela afasta riscos
fiscais mais extremos e imediatos, mas tem problemas de concepção, como a
necessidade de elevação significativa de receitas para bancar a alta de
despesas.
Quem acompanha de perto a evolução das
contas públicas nota uma “piora acentuada” do resultado primário da União neste
ano, como aponta a IFI em relatório divulgado na semana passada. Essa tendência
ficou mais nítida a partir de maio, segundo a instituição, que destaca o
“aumento no ritmo de expansão da despesa, ao mesmo tempo em que as receitas dão
sinais de desaceleração”. De janeiro a julho, a arrecadação do governo central
caiu 5,4% em relação ao mesmo período do ano passado, descontada a inflação,
enquanto os gastos subiram 8,6% por esse mesmo critério, de acordo com
estimativas do relatório da IFI. Como as despesas devem continuar a crescer, o
resultado primário vai seguir em deterioração se as receitas não reagirem na
segunda metade do ano, diz o relatório da instituição. O governo terá de deixar
claro como vai obter as receitas adicionais necessárias para cumprir as metas
fiscais, num quadro em que o Congresso resiste a aprovar medidas nessa direção,
como a taxação dos fundos no exterior.
Esses contratempos em relação à política
fiscal ocorrem num momento de piora no cenário externo. Na semana passada, as
taxas dos títulos do Tesouro americano de 10 anos alcançaram níveis próximos
aos registrados em 2007, em meio à avaliação de que os juros nos EUA poderão
ficar mais altos por mais tempo do que se imaginava, para combater a inflação
num ambiente de atividade ainda razoavelmente forte. A economia chinesa, por
sua vez, patina. É um cenário mais adverso para países emergentes como o Brasil.
A solidez das contas externas brasileiras ajuda a amortecer o impacto desse
quadro internacional menos benigno, mas um quadro fiscal mais firme auxiliaria
ainda mais nessa blindagem. Juros mais altos nos países desenvolvidos colocam
pressão sobre as moedas de emergentes, enquanto uma China que cresce menos pode
afetar as exportações brasileiras, um dos motores do crescimento neste ano. Por
ora, não se espera uma desvalorização expressiva do real e nem um tombo das
vendas externas do país, mas a redução das incertezas sobre as contas públicas
é a melhor resposta para evitar problemas desagradáveis caso o ambiente externo
se mostre mais complicado do que parece hoje, deixando espaço para o Banco
Central (BC) continuar o ciclo de redução da Selic, iniciado no começo deste
mês.
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