sexta-feira, 18 de agosto de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais /Opiniões

Piora em índice de assassinatos desafia o governo do Rio

O Globo

Violência cresceu no estado no primeiro semestre, em contraste com a melhora no resto do país

A sensação de maior insegurança experimentada por cidadãos fluminenses no dia a dia foi comprovada pelas estatísticas divulgadas nesta quinta-feira pelo Monitor da Violência, parceria do portal g1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV/USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O estado registrou crescimento de 17,3% no número de assassinatos no primeiro semestre de 2023. Foi a segunda maior alta em todo o país, atrás apenas do Amapá (65,1%).

De acordo com o levantamento, foram registrados 1.790 assassinatos no Rio no primeiro semestre, ante 1.526 no mesmo período do ano passado. Isso significa que, a cada dia, quase dez cidadãos são mortos no estado. A estatística reúne homicídios intencionais (incluindo os feminicídios), latrocínios e lesões corporais seguidas de morte, mas não as mortes decorrentes de intervenções policiais, que deixariam os dados ainda mais sombrios.

A violência no Rio contaminou os números do Sudeste, única região do país a registrar piora nos indicadores (alta de 4,3%, para 5.099 assassinatos no primeiro semestre). Todas as outras regiões registraram queda. A mais expressiva no Centro-Oeste (9,7%) e a menor no Sul (2,8%). No Norte e no Nordeste, que nos últimos anos vinham registrando crescimento ininterrupto, houve redução de 6,3% e 5,8%, respectivamente. Rio e Sudeste vão na contramão do Brasil. Os assassinatos no país caíram 3,4% no primeiro semestre deste ano na comparação com o mesmo período de 2022 (para 19.742). Entre as 27 unidades da Federação, dez apresentaram alta nos assassinatos. Das 17 que conseguiram reduzir seus índices, o resultado mais expressivo é Roraima (22,5%).

Há aspectos positivos para o país nesses números. O total de mortes violentas no ano passado (40.824) é o menor da série histórica do Monitor, iniciada em 2007. Apesar disso, eles devem ser vistos com cautela. Primeiro, porque ainda são altíssimos. No Brasil, 112 pessoas são assassinadas todo dia, um absurdo. Segundo, porque a queda está ligada não necessariamente ao resultado de políticas públicas, mas também aos períodos de guerra e armistício entre as facções que infernizam o país. No Rio, a alta no primeiro semestre é atribuída em parte à disputa das quadrilhas pelo espólio do chefe da maior milícia do Rio, assassinado em junho de 2021.

Nas últimas semanas, o país tem sido sacudido por episódios de violência. No Guarujá, depois do assassinato de um agente da Rota, seguiu-se uma operação policial que resultou em pelo menos 16 mortos. No Rio, uma única ação da polícia no complexo de favelas da Penha provocou dez mortes. Na Bahia, no início do mês, confrontos entre policiais e bandidos terminaram com pelo menos 19 mortos. Histórias trágicas, como a da menina Eloah, morta por uma bala perdida dentro de casa, no Rio, têm chocado a população.

Fica claro que o Brasil ainda não conhece uma política eficaz para conter a violência e que os métodos não têm dado os resultados esperados. O governo federal tem de se articular com os estados na área de segurança pública, traçando uma política nacional, investindo em inteligência e tecnologia, estabelecendo protocolos mínimos para as polícias. Sem isso, não será possível reduzir a sensação de insegurança entre os fluminenses — e no resto do país.

Governo sofre pressão generalizada do Centrão

Valor Econômico

Lira garantiu a tramitação dos projetos mais importantes para o governo, em troca de uma tutela do Executivo que se tornou invasiva

Há uma ofensiva generalizada dos partidos do Centrão para obter concessões sem fim de um governo cuja base é minoritária no Congresso. O lamento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que a Câmara tem “poder demais” e não pode “humilhar” o Executivo e o Senado, mais do que ferir os melindres do todo-poderoso presidente da Câmara, Arthur Lira, é a constatação tácita de uma realidade. Outra é o fato de que o arcabouço fiscal, aprovado com rapidez na Casa, estancou agora, depois de votada pelos senadores, porque Lira quer cobrar antes uma contrapartida por serviços prestados. As exigências são muitas e crescentes.

Em poucos dias, enquanto Lula se debate no dilema da reforma ministerial - entregar ou não peças importantes da máquina pública a Lira e aliados -, de cujo desenlace depende a votação final do novo regime fiscal, surgiram demandas que reduzem a capacidade de ação do Executivo. Há pleito firme por aumento do valor das emendas parlamentares como um todo, acima dos R$ 37,5 bilhões do atual exercício. Há exigências de que as emendas de comissão sejam impositivas também. E, para todas as emendas, há a intenção de que eliminar o a discricionaridade do Executivo em sua liberação, definindo um cronograma para isso.

Nos trilhos da liberdade expandida da apropriação das emendas ocorre a disputa de poder. A reforma ministerial é parte dela, pois poderá dar aos partidos do Centrão novos eixos em ministérios e autarquias para onde essas mesmas emendas serão preferencialmente destinadas. Lira chegou a sugerir que a liberdade poderia ser total, porque um deputado sabe muito mais as necessidades dos eleitores que um ministro encastelado na burocracia de Brasília.

A demagogia é um dos elixires usuais da disputa pelos bilhões do Orçamento. Um levantamento mostrou que, deixados à própria sorte, os parlamentares só pensam em beneficiar seus redutos eleitorais, que os reelegerão e também a seus apaniguados. Nos empenhos de emendas parlamentares até 18 de julho, nenhum tostão foi indicado para a área de educação, cultura e ambiente - a pesquisa abrangeu 57 instituições, entre elas 32 universidades, fundações e institutos federais (O Globo, 23 de julho).

Em contrapartida, os parlamentares enviaram para órgãos estatais dominados pelo Centrão R$ 611 milhões. Mais da metade (R$ 356,1 milhões) foram para o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), e R$ 131 milhões para a Codevasf, cujos projetos, sob suspeita de corrupção no governo Bolsonaro, se tornaram o destino predileto de emendas de legendas fisiológicas.

O governo Lula fez acordo para pagar, antes da posse, metade das emendas do relator fulminadas pelo Supremo como emendas individuais, com o compromisso informal de que os deputados e não os ministérios indicariam o destino dos recursos. Foi a contrapartida à PEC da Transição que, em troca, lhe deu mais R$ 165,7 bilhões para gastar. Aí também houve rapidez exemplar na entrega de recursos.

Os parlamentares encontraram, com o orçamento secreto banido, mais formas de agilizar a remessa de recursos aos redutos eleitorais e aos fazedores de obras e, o que é nefasto, sem qualquer transparência. As emendas PIX, nas quais deputados enviam recursos de emendas individuais diretamente a prefeituras, sem que necessitem sequer dizer a finalidade para qual o dinheiro deve ser aplicado, e sem passar por intermediários, foram multiplicadas por oito no atual exercício. Até julho, a modalidade transferiu R$ 6,4 bilhões, ante R$ 771 milhões no mesmo período de 2022 (O Globo, 27 de julho). No início de julho, o governo Lula liberou de uma vez R$ 5,2 bilhões delas.

A possibilidade de reforma ministerial já era real desde a posse de Lula. Ao ampliar o arco de alianças, o presidente escolheu três ministros vinculados à União Brasil que não representavam seu partido e que obviamente não ampliaram muito seu apoio no Congresso. Mas não são esses os ministérios cobiçados pelo Republicanos e PP, de Lira, para ingressarem a meio corpo na base governista. Querem pastas e órgãos com verbas, como a presidência da Caixa Econômica Federal, a diretoria financeira da Codevasf, a Funasa, e o ministério de Desenvolvimento Social, que dirige o Bolsa Família.

Trinta e sete ministérios não foram suficientes para agradar a todos e Lula já propôs mais um, o das Micro e Pequenas Empresas, supostamente rejeitado pelos Republicanos. O ambiente que circunda a reforma não é bom. Haddad, nas entrelinhas, sugeriu um limite para as ambições de Lira. Até agora, Lira garantiu a tramitação dos projetos mais importantes para o governo, em troca de uma tutela do Executivo que se tornou invasiva e tende a ser generalizada.

Há vários riscos nas concessões às forças fisiológicas, no passado envolvidas com a Lava-Jato. Ao lançar um programa de R$ 1,7 trilhão de intenções de investimento, o governo precisará de gestores eficientes, técnicos e probos. O domínio de partes operacionais importantes da máquina pública pelo Centrão pode redundar em grandes escândalos, como ocorreu com Lula 1 e Dilma. Por outro lado, não será fácil para o governo deixar de ser um refém de Lira.

Infância abatida a tiros

O Estado de S. Paulo

Guerra entre policiais e traficantes deixa rastro de mortes de crianças e expõe a falta de estratégia do Estado, que banaliza o infanticídio como efeito colateral no combate ao crime

O tiro que atingiu no peito Eloah da Silva dos Santos, de cinco anos, que brincava pulando na cama, em sua casa, numa comunidade pobre do subúrbio carioca, transformou a menina em mais uma das dezenas de placas instaladas às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, área nobre do Rio. A instalação, da ONG Rio de Paz – a mesma que espalhou cruzes nas areias de Copacabana e no gramado da Esplanada dos Ministérios –, lembra crianças mortas na guerra entre traficantes, policiais e milicianos no Rio. Nos últimos 16 anos, a ONG contabiliza 101.

Parecem lápides as placas informando nomes, idades e circunstâncias em que morreram crianças e adolescentes até 14 anos. Um monumento funesto a expor o despreparo, a negligência e a absoluta falta de estratégia para resguardar a vida de cidadãos totalmente vulneráveis. O Estado, na acepção mais ampla da palavra, em todas as esferas de governo e de Poderes, acompanha o extermínio cruel – ainda mais doloroso por pinçar suas vítimas entre os menos favorecidos – sem qualquer sinal de reação, salvo as de praxe.

A cada morte, as mesmas evasivas. Depois de garantir que os policiais têm protocolos e preparo, as autoridades prometem que investirão em mais treinamento. Como as crianças continuam sendo mortas, pergunta-se: de que treinamento estarão falando? Somente três dias depois da morte de mais uma criança a tiro, o governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, resolveu se manifestar, mas para dizer o de sempre: que é preciso “treinar para que isso aconteça cada vez menos”.

Antes, a Secretaria da PM, em nota, havia recorrido ao mesmo palavrório ao afirmar que os policiais são “treinados e preparados para atuarem de forma segura” e que “a opção pelo confronto é sempre uma iniciativa dos criminosos, que realizam ataques armados inconsequentes diante do cumprimento das missões institucionais dos entes de segurança do Estado”. Ora, dos criminosos não se espera nada senão crimes; já os “entes de segurança do Estado” têm a obrigação de saber que uma operação dessas, numa área densamente habitada, requer cuidados extraordinários, justamente para não atingir inocentes.

Já seria inaceitável se a menina Eloah tivesse sido morta por ter inadvertidamente passado no meio do fogo cruzado. Mas é muito pior: Eloah foi morta em casa, lugar onde se supõe que uma criança se sinta mais protegida. Outras crianças foram mortas na (ou a caminho da) escola. Em algumas comunidades, diretores e professores tomaram a iniciativa de incluir como espécie de disciplina extracurricular ensaios de como se proteger em caso de tiroteio, como se deitar no chão escorado a uma parede, por exemplo. Mera formalização de uma reação instintiva.

Protocolos de segurança são descumpridos de forma corriqueira em operações policiais, substituídos por métodos truculentos que nem as leis de guerra permitem. Não parece, mas ainda vigoram os limites da atuação da polícia estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal durante a pandemia. Essas regras, que valem para todo o território nacional, incluem, por exemplo, dar prioridade às “investigações de incidentes que tenham como vítimas crianças e adolescentes”. Em 2022 e neste ano, 15 crianças de até 14 anos foram mortas, de acordo com o monitoramento da ONG Rio de Paz. Nenhum desses crimes teve os culpados identificados.

A guerra entre policiais e bandidos que vitima crianças não é exclusividade do Rio de Janeiro, embora a repetida incidência de tragédias deste tipo mantenha o holofote sobre a cidade. Seis dias antes da morte de Eloah, o adolescente Thiago Flausino, de 13 anos, foi morto por policiais do Batalhão de Choque na Cidade de Deus. Estava na garupa de uma moto. Levou o primeiro tiro e caiu. Foi executado com mais quatro disparos. Estava desarmado. Os PMs disseram que era “bandido”.

No enterro, amigos da mesma faixa etária, companheiros dos jogos de pelada no campinho do bairro, choravam abraçados, usando camisetas do “Canelinhas F.C.” e do “Goleadores”. O Rio banaliza o infanticídio como efeito colateral das ações do Estado.

O reajuste aditivado da Petrobras

O Estado de S. Paulo

Não é difícil notar que os preços dos combustíveis se mantiveram inalterados pelo tempo necessário para ajudar a baixar a inflação e, consequentemente, os juros, como queria o governo

O pesado reajuste de gasolina e diesel anunciado pela Petrobras confirmou o que já estava subentendido: foi artificial a estabilidade interna dos preços dos combustíveis por mais de dois meses, enquanto petróleo e derivados acumulavam altas no mercado externo. Bloquear repasses por tanto tempo, ignorando o novo cenário, levou à pancada de 16,2% na gasolina e de 25,8% no diesel nas refinarias. E nem isso foi suficiente para zerar a defasagem em relação aos preços internacionais, como admitiu o presidente da companhia, Jean Paul Prates.

Para que isso ocorresse, seria necessário aumentar ainda mais a dose. Prates revelou que, pelos cálculos da empresa, para equiparar preços domésticos e externos o litro do diesel teria de subir R$ 1; e o da gasolina, pelo menos R$ 0,50, em vez dos, respectivamente, R$ 0,78 e R$ 0,41 adotados. E aqui vale o parênteses: por pura estratégia de marketing, a Petrobras não divulga o porcentual do reajuste – a não ser, claro, quando se trata de redução –, como se assim conseguisse camuflar sua intensidade.

Do mesmo modo que conceitos matemáticos elementares revelam os porcentuais, não é difícil perceber que os preços se mantiveram inalterados pelo tempo necessário para que o efeito benéfico sobre a inflação suscitasse uma avaliação favorável do Banco Central (BC), de modo a abrir caminho para a queda dos juros defendida pelo governo. Por óbvio, não foi o único motivo que afinal garantiu o afrouxamento monetário de 0,5 ponto porcentual, mas certamente pesou.

Logo depois de anunciado o reajuste dos combustíveis, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, avaliou que esse “grande aumento”, segundo suas próprias palavras, terá um impacto inflacionário entre agosto e setembro da ordem de 0,4 ponto porcentual. Conter os preços sem sustentação técnica traz prejuízos para a empresa e seus investidores. Mas é difícil contestar uma fórmula que, concretamente, não existe. Como já dissemos neste espaço, a Petrobras não pode desconsiderar que 63,4% de seu capital está em mãos privadas, enquanto a União exerce o controle com 36,6% do total de ações. Durante a contenção forçada de preços – que no caso do diesel correspondeu a três meses –, Prates e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, se apressaram em dizer que a empresa não estava perdendo dinheiro.

Ora, num mercado abastecido em parte por importações, é difícil imaginar uma conta na qual a empresa não saia perdendo, pois ela está entre os principais importadores dos produtos. Em torno de 15% da gasolina e 25% do diesel consumidos no País vêm de fora. Preços domésticos mais baixos inibem a atuação de outros importadores. A Petrobras tem a obrigação legal de garantir o abastecimento interno. A menos que consiga negociar, por contrato, importações mais baratas, a empresa compra por um preço e revende mais barato em suas refinarias. A matemática básica indica prejuízo em operações assim.

Como companhia de economia mista controlada pela União, a Petrobras não deveria se pautar por decisões políticas, embora a ingerência de sucessivos governos sobre a empresa tenha se tornado corriqueira. Como todas as demais empresas listadas em bolsa, está sujeita à regulação de mercado e tem de observar regras de boa governança, em especial em respeito a seus investidores. Não pode ser um simples instrumento de governo, como agora, ao ser alçada à categoria de tábua de salvação para o fechamento das contas públicas. Para isso, poderá contribuir com R$ 30 bilhões em um acordo para encerrar litígios com a Receita Federal, como quer o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

A Petrobras também entra como caixa extra no novo PAC. Como principal empreendimento está a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, aquela que seria dividida com a Venezuela, que não contribuiu com um bolívar sequer. O projeto inicial, de US$ 2,3 bilhões, pulou para inacreditáveis US$ 18,9 bilhões, muitas acusações de sobrepreço e com a conclusão de apenas uma das duas unidades. Agora, a Petrobras é chamada a complementar a obra. Todos já viram este filme.

Anistia absurda em São Paulo

O Estado de S. Paulo

Perdoar multas por violação de normas sanitárias contraria interesse público em múltiplas dimensões

Abem do interesse público, a Assembleia Legislativa deve rejeitar o projeto de lei enviado à Casa pelo governador Tarcísio de Freitas para anistiar multas aplicadas por descumprimento de normas sanitárias durante a pandemia de covid-19. Para começar, o projeto é fundamentalmente descabido porque parte de uma visão distorcida da multa administrativa como meio de arrecadação, e não como ato educativo, coercitivo e dissuasório com vista ao resguardo da coletividade ante o mau comportamento individual.

O secretário estadual de Saúde, Eleuses Paiva, argumentou que a aplicação das sanções acabou por “sobrecarregar a administração com o gerenciamento de processos administrativos e de cobranças de multas sem finalidade arrecadatória”. Ora, nenhuma multa deveria se prestar à arrecadação. Ademais, ao falar em “sobrecarga” do aparato estatal por algo, convenhamos, tão comezinho, o governo está admitindo que o Estado é incapaz de exercer uma atividade que é de sua própria essência como entidade político-administrativa.

Para piorar, ao governador paulista faltou a coragem política de apresentar um projeto específico para tratar dessa anistia. Tarcísio preferiu inserir um “jabuti” no Projeto de Lei 1.245/2023, que trata da cobrança de créditos tributários inscritos na dívida ativa. Ao final do referido projeto, determina-se que “ficam canceladas as multas administrativas, bem como os respectivos consectários legais, aplicadas por agentes públicos estaduais em razão do descumprimento de obrigações impostas para a prevenção e o enfrentamento da pandemia de covid-19”. Um dispositivo desse jaez, em tudo contrário ao interesse público, não pode prosperar.

É claro que Jair Bolsonaro será o principal beneficiado por esse projeto caso ele venha a ser aprovado. Seria um desastre premiá-lo. Como presidente, Bolsonaro fez campanha aberta pela desobediência civil. Quando deveria servir de exemplo e ser o líder da Nação num momento de crise, não apenas ignorou as normas sanitárias de São Paulo, que valiam para ele como para qualquer cidadão, como incitou a população a acompanhá-lo em sua petulante incivilidade. São comportamentos que não podem passar impunes. Esse projeto, porém, não é ruim porque beneficia Bolsonaro; é péssimo pelos sinais que emite para toda a sociedade.

Que mensagens Tarcísio está passando aos paulistas? Em primeiro lugar, que a adoção de comportamentos lesivos à saúde pública durante uma emergência sanitária não é passível de sanção administrativa, abrindo margem para práticas igualmente irresponsáveis em situações semelhantes no futuro. Em segundo lugar, ao vedar pedidos de restituição aos que violaram as normas e pagaram suas multas, o governador está dizendo que o contribuinte que cumpre suas obrigações é um tolo, pois outras anistias decerto podem vir logo adiante.

Como se tudo isso não bastasse, o projeto ainda fere de morte o princípio da igualdade de todos perante a lei, viga mestra da República, ao dividir os cidadãos em duas classes: os anistiados e o resto, sobre os quais recai todo o peso do Estado sancionador.

Amadorismo

Folha de S. Paulo

Recuo de Tarcísio nos livros didáticos mostra governador pouco convicto

A administração pública de um estado populoso e relativamente rico como São Paulo pode ser comparada a um transatlântico. O governante, no timão, precisa planejar muito bem e com grande antecedência as manobras relevantes que deseja fazer para que elas aconteçam satisfatoriamente à frente.

Contrariando o histórico de aluno exemplar das escolas por que passou na mocidade, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) demora a absorver essa lição. O que ocorreu no episódio dos livros didáticos foi amadorismo.

Em 31 de julho esta Folha revelou que a secretaria estadual da Educação abrira mão dos livros físicos, distribuídos gratuitamente e custeados pelo governo federal, para alunos de 11 a 14 anos, no ciclo final do ensino fundamental. A motivação anunciada da decisão foi a de passar a adotar unicamente o material digital elaborado por pedagogos da burocracia estadual.

Supõe-se que alteração com tamanho impacto, que afetaria a rotina de 1,4 milhão de estudantes e seus mestres, haveria de estar bem debatida e consolidada internamente. O governo deveria estar convicto do rumo a tomar e preparado para lidar com fortes ondas de contestação, inclusive judiciais, que decerto viriam. Não estava.

Em menos de 20 dias, tudo foi revertido como se não houvesse se passado. Bastou a primeira liminar na Justiça para derrubar de vez a, pelo visto, fragilíssima motivação do governador para seguir adiante com o plano. São Paulo vai aderir ao programa do livro didático.

Está correta, ao menos em teoria, a intenção do governador e de seu secretário da Educação, Renato Feder, de, pela incorporação de tecnologia interativa, modernizar as aulas na rede estadual para despertar maior interesse dos alunos.

Tampouco há debate sobre a necessidade de assegurar a absorção por todos os estudantes dos conteúdos fundamentais para sua idade e etapa escolar. O material didático precisa mesmo ser aperfeiçoado para ajudar os professores a cumprirem essa missão.

O processo, no entanto, deve ser conduzido às claras e com atenção à experiência acumulada. Cumpre assegurar a qualidade e a eficiência das apostilas digitais ou impressas, além de conquistar na prática a ampla adesão do corpo docente à orientação da secretaria.

A pergunta fundamental é se abrir mão repentinamente dos livros físicos didáticos gratuitos ajudaria, em alguma medida importante, a alcançar esses objetivos.

A resposta é, obviamente, negativa. O problema é o governo ter chegado a ela por meio do desgaste público, e não pela diligente e tempestiva análise dos planos e das prioridades da gestão num terreno tão estratégico como a educação.

Teto com furos

Folha de S. Paulo

Nova regra fiscal gera dúvidas no próprio governo acerca de gastos com saúde

O PT e seus satélites na esquerda nacional fizeram da oposição ao teto de gastos federais um cavalo de batalha. Tratava-se, afinal, de um mecanismo criado para recuperar as contas públicas do desastre provocado pela irresponsabilidade orçamentária levada ao paroxismo pela petista Dilma Rousseff.

No afã de provar que deixava para trás o teto, o governo Luiz Inácio Lula da Silva propôs uma nova regra de controle de despesas, pomposamente batizada de arcabouço fiscal, mais complexa e repleta de excepcionalidades —a ponto de a própria administração enfrentar dúvidas sobre como colocá-la em prática, como noticiou a Folha.

Perto de ser aprovada pelo Congresso, a norma deve forçar aumento dos desembolsos em saúde já neste ano. Isso ocorre porque a área deixará de estar sujeita aos limites em vigor e voltará a seguir o ditame constitucional de aplicação mínima correspondente a 15% da receita corrente da União.

Em tese, a mudança pode significar até R$ 18 bilhões além do que está previsto no Orçamento deste 2023, consideradas as estimativas atuais de arrecadação. Se for definido que a obrigação vale apenas para o período restante do ano, a conta cairia para R$ 6 bilhões.

Em qualquer hipótese, o governo pode ter de obter o montante por meio de cortes politicamente dolorosos em outros setores —porque, falatório à parte, a realidade de um Tesouro deficitário não permite elevação geral de dispêndios.

Perdeu-se oportunidade de rever a vinculação constitucional dos aportes em saúde e educação a percentuais fixos da receita. As duas áreas são obviamente centrais para o bem-estar e o desenvolvimento, mas tratar o gasto como um fim em si mesmo engessa o Orçamento sem garantir melhoria correspondente dos indicadores.

Com o processo de envelhecimento da população, o SUS deverá precisar de recursos crescentes nos próximos anos; o mesmo não se dá no ensino. Nos dois casos, há que buscar aperfeiçoamento da gestão e lidar com as severas restrições fiscais imediatas.

Melhor seria fixar metas plurianuais realistas de resultados e despesas necessárias, em vez de apenas garantir aos gestores um fluxo de verbas contínuo, imune a novas contingências e prioridades.

Seja sob o moribundo teto de gastos ou o teto dissimulado da administração petista, é o esgotamento das finanças públicas que impõe manejo mais racional da despesa.

Tabagismo e câncer de pulmão

Correio Braziliense

Os cigarros eletrônicos podem ter concentrações variadas de nicotina, elevando muito a quantidade dessa substância no organismo

Uma série de ações promovidas por entidades médicas, organizações não governamentais, especialistas nas áreas de doenças respiratórias, pulmonares e até mesmo profissionais da área de psiquiatria marca este mês como "Agosto Branco". O apelo chama a atenção para o Dia de Combate ao Fumo (29/8), trazendo não somente informações quanto aos riscos do tabagismo, mas também fazendo alerta para uma tendência que já se instalou no Brasil e, pior, sem uma fiscalização rigorosa e efetiva: o cigarro eletrônico.

Antes de citá-lo, é preciso lembrar que o cigarro – seja ele tradicional ou eletrônico – continua sendo o maior responsável pelo câncer de pulmão no Brasil e no mundo. E não somente por esse tipo de tumor. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), 161.853 mil mortes poderiam ser evitadas anualmente se o tabaco fosse deixado de lado, sendo que cerca de um terço desses óbitos são decorrentes de algum tipo de câncer relacionado ao hábito de fumar.

O de pulmão é o segundo mais comum em homens no mundo e o terceiro entre as mulheres, de acordo com a International Agency for Cancer Research (Iarc), entidade ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS). A partir das estimativas mais atuais disponíveis (2020), são esperados mais de 32.560 novos casos desse tipo de tumor no Brasil em 2023, sendo 18.020 em homens e 14.540 em mulheres, o que corresponde a mais de 11% de todos os cânceres catalogados.

E o mais triste disso é que no Brasil apenas 16% dos casos são diagnosticados em estágios iniciais, fase em que é possível combater eficazmente a doença. Isso evidencia a necessidade de reforçar o conhecimento sobre os fatores de risco que podem ser modificados e as estratégias de controle e tratamento. A compreensão dessas abordagens é vital para melhorar as chances de sucesso no tratamento e para combater eficazmente a doença.

Voltando ao cigarro eletrônico, quase 3 mil pessoas foram internadas com lesões pulmonares graves atribuídas ao uso desse dispositivo nos Estados Unidos somente entre 2019 e início de 2020. No Brasil, ainda que a venda de vape, como é chamado popularmente, seja proibida, o uso do cigarro eletrônico popularizou-se numa velocidade assustadora entre os mais jovens, fascinados pelo “charme” do vapor que ele produz ou ainda pelos vários sabores à disposição no mercado.

Os cigarros eletrônicos podem ter concentrações variadas de nicotina, elevando muito as quantidades dessa substância no organismo, e de outras substâncias tóxicas especialmente no pulmão. Os especialistas alertam, inclusive, para uma possível vaporização de metais pesados, risco que deve ser considerado.

Enfim, parar de fumar ainda é a maneira mais eficaz de prevenir-se contra o câncer de pulmão e diversos outros tumores, além de doenças cardíacas, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), pneumonia e acidente vascular cerebral (AVC), sem falar em complicações severas em fumantes que porventura foram contaminados pela covid-19.

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