“A sabedoria se torna loucura, prazer e dor”.
Gueorgi Plekhanov
“(…) a práxis como atividade material
do homem transforma o mundo natural e social para fazer dele um mundo humano”.
Adolfo Sanches Vasques
Acabei de ler prazerosamente o recente
livro do historiador e jornalista Ivan Alves Filho, intitulado De Oscar a Niemeyer: meu
convívio com o maior arquiteto contemporâneo. Este meu pobre,
modesto e curto texto não cobre, não expressa, com certeza, a grandiosidade
humana do texto escrito por este intelectual da mais fina, sensível e bela flor
vermelha pecebista – que é autor de vários livros que desnudam alguns
e decisivos episódios da realidade histórica brasileira.
Intelectual este com quem tive o prazer
de ladeá-lo na mesa durante as comemorações dos gloriosos 100 Anos do PCB, organizadas pelo Cidadania
(sucessor legítimo do PCB-PPS) e pela Fundação Astrojildo Pereira, e
feitas no clima-calor agradável de 25 de março de 2022 na cidade de Niterói,
estado do Rio de Janeiro, berço físico-político-histórico do PCB – portanto,
comemorações estas realizadas na mesma data do primeiro congresso do PCB, onde
então estiveram presentes apenas nove delegados representando 73 comunistas de
todo Brasil.
Lembro que em 2002 visitei onde fora a
“sede” do local onde fora fundado o PCB em 25 de março de 1922 – era, em 1922,
uma casa que pertencia à família de Astrojildo Pereira. Foi ali onde se
realizou o Primeiro Congresso do PCB. Passaram-se décadas e aquele “espaço”
tinha se transformado, lá em Niterói, num estacionamento. Que fim levou este
patrimônio histórico!
Mas compreendamos: a vida do PCB nunca
foi fácil. Era o ano de 2002. E estávamos, na cidade de Niterói, lançando então
a chapa PPS-PDT, composta por Ciro Gomes (presidente) e Leonel Brizola
(vice-presidente) para as eleições presidenciais de então.
Lembro que tinha uma placa no muro frente ao estacionamento (e aí tiramos uma foto) que dizia que ali fora fundado o PCB. Tirei até uma foto frente a esta placa ao lado de Salomão Malina, Francisco Inácio Almeida, Roberto Percinoto, Paulo Eliziário, Luzia Ferreira e George Gurgel.
Não sei onde está esta foto.
Deve estar perdida por aí.
Mas está em minha memória. Aproveitando
a estadia em Niterói, outros camaradas, após o término da convenção eleitoral,
também visitaram a “sede congressual” e também tiraram fotos.
Desta mesa das comemorações dos 100
Anos do PCB, da qual o Cidadania generosamente me convidou a
compô-la, estava também, para minha alegria pessoal e também contribuindo para
o enriquecimento intelectual-cultural-político do evento, a meu lado e ao lado
de Ivan Alves Filho, outro intelectual da matriz de 1922, o camarada Martin
Cesar Feijó, autor da biografia do fundador do PCB, intitulada O
revolucionário cordial: Astrojildo Pereira e as origens de uma política
cultural. Assinale-se que Martin Cezar Feijó tem também larga e
multifacetada produção bibliográfica.
Eu era o expositor menor, o mais
simples.
Falei sobre a trajetória da Juventude
Comunista na história do PCB.
Foi a tarefa que me incumbiram.
Minha fala foi uma modesta e curta.
Ivan Alves Filho e Martin Cesar Feijó
deram um show de história partidária e de reflexões sobre política cultural.
Voltando ao livro.
Em seu mais recente trabalho, narrando
sua amizade com Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer Soares Filho (1907-2012),
Ivan Alves Filho, transferindo o seu intelecto memorial às letras, expressa
muito mais que política, expressa muito mais que as artes da arquitetura,
expressa muito mais que as moléculas comprometedoras e decisivas da história
brasileira e mundial, expressa muito mais que memórias humano-geográficas
diversas e inapagáveis que ele presenciou: expressa, isto sim, uma amizade
sincera, carinhosa, leal, afetuosa e de camaradagem (dentro da maravilhosa
tradição solidário-humana do Partidão que eu vivi) e relatada com fraternidade,
precisão, honestidade e sinceridade num texto extremamente agradável.
A verdade é sempre concreta (ela nunca
é abstrata – um elefante não voa, não bate asas!), mas precisará sempre de uma
aliada imprescindível para posicionar-se dignamente perante o mundo e vencer a
mentira, que roda o mundo mesmo antes da verdade calçar as sua sandálias: a
consciência honesta. E a verdade Ivan Alves Filho a tem como companheira
desde o berço. Cada letra sua nesta sua obra está assentada materialmente pela
verdade histórica realmente vivida por ele.
Seu recente trabalho histórico expressa
a beleza e o carinho da arquitetura memorial social-intelectual-humana de uma
sólida amizade entre dois seres humanos histórica, inequívoca e
irrevogavelmente vinculados à raiz do legado histórico de 1922 – cada um,
claro, entrando no PCB a seu tempo, a seu modo, a seu motivo e cada um
cumprindo seu papel histórico diante das turbulências vividas pelo PCB.
E ambos (Oscar e Ivan) cumpriram bem
seus papeis históricos.
Ivan, por ser mais jovem, ainda tem
mais a dar à inteligência histórica brasileira.
É jovem!
E pode ainda mais ajudar a todos os que
creem na verdade científico-concreta a sairmos do reino da ignorância-religiosa
e entramos na República do conhecimento-científico libertador da humanidade do
reino da necessidade.
Não posso deixar de parabenizar Ivan
Alves Filho por sua obra, que fala de um inigualável do nosso Partido de
origem, o PCB, Oscar Niemeyer e, também, de um inigualável ser humano em todo o
mundo.
Não é todo dia que nasce, se forja e se
apresenta ao mundo um ser humano com esses atributos humano-intelectuais e,
justo dizer, revolucionários: Oscar Niemeyer.
Como nos informa Ivan Alves Filho,
Niemeyer sempre, juntamente com sua arte, levantou sua voz a favor dos
oprimidos, dos pobres, dos miseráveis, dos explorados, dos excluídos e sempre
se posicionou a favor dos que sofrem no regime capitalista.
Niemeyer nunca vacilou.
Sempre teve um lado.
Digno defensor da paz, da democracia e
do socialismo.
Defensor da dignidade humana.
A beleza arquitetônica concretizada,
objetivada, realmente existente, realiza na prática (desde a arquitetura
chinesa, passando pela greco-romana e muito antes os desenhos rupestres de
aproximadamente 40.000 anos atrás) a beleza criativa da inteligência humana e
proporciona a beleza da contemplação-cognitiva conquistada e apreciada pela
humanidade.
A inteligência humana criou belezas
arquitetônicas, a exemplo do que fizeram os persas, fenícios, egípcios,
hititas, celtas, hebreus, cartagineses e os povos originários da América (sejam
os povos da Norte, da Central, do Caribe ou do Sul) , como os incas, astecas,
maias, guaranis, tupinambás, apaches, shawees, navajos e, assim como os povos
africanos e asiáticos.
A beleza emancipacionista-libertária do
espírito rebelde-crítico de Niemeyer, a riqueza de sua alma criativa da beleza
humano-arquitetônica, de sua solidariedade ao PCB, de seu domínio da ciência da
arte do desenho humano e da natureza, tudo isso é revelado pelas letras
conscientes de Ivan Alves Filho, em tão poucas e ricas e nutritivas linhas
históricas.
Com seu texto, Ivan Alves Filho não nos
fala da fria arquitetura do concreto, não nos fala das fórmulas matemáticas
complexas que a presidem (o que, em si, é também uma beleza, desde Pitágoras),
e que proporcionaram a construção de grandes obras que a inteligência humana
criou nos últimos milênios.
Não!
Ivan Alves Filho, com o seu De Oscar
a Niemeyer, não nos leva à frieza e certeira das chamadas ciências duras
(física, química, biologia, geologia, astronomia e botânica).
Oscar tanto Niemeyer e
quanto Ivan Alves Filho sempre estiveram do mesmo do lado: a
favor de todo o multifacético progresso social do ser humano. Por isso, não
causa espanto Ivan Alves Filho descrever a beleza da arquitetura humana
calorosa de Oscar Niemeyer pela vida, pelo justo, pelo bem, pela amizade
sincera, pela solidariedade internacional dos povos.
Oscar Niemeyer projetou
arquitetonicamente muitas obras que foram concretamente realizadas, mas seu
pensamento concreto foi o de contribuir para a arquitetura humana de uma
humanidade pacífica, democrática, harmoniosa, economicamente desenvolvida,
ambientalmente humano-sustentável, justa socialmente, culturalmente avançada e
universal, cientificamente desenvolvida, humanamente solidária, livre de
preconceitos, autoritarismos, ignorâncias, misticismos e obscurantismo.
Seu texto claro, suave, calmo, memorial
e sincero nos brinda com informações que expressam não apenas a sua amizade
político-histórica-pessoal-familiar vivida com Oscar Niemeyer (um privilégio
para poucos), mas revela também momentos cruciais e decisivos da vida nacional
brasileira e internacional – e porque também não dizer, de um lado, dos
momentos difíceis vividos pela vida real-concreta pelo próprio autor (que
sofreu com os dentes e hálitos horrorosos da hiena da ditatura de 64) e, de
outro, de momentos que as circunstâncias históricas compensaram todo o
seu sofrimento pessoal – pela sua coerência política, ética e ideológica.
Muitas informações passadas pelo seu
livro eu mesmo as desconhecia. O conhecimento não se apreende de supetão, de
imediato. Foi Lenin quem disse que a apreensão da realidade se dá por
longas e tortuosas aproximações sucessivas, progressivas à realidade concreta
e, partir daí, originam-se interpretações e posições para as ações concretas.
Não é fácil apreender o real.
Nem todo intelecto ao interpretar a
realidade resulta numa posição progressista, pois os interesses de classe, em
ultima instância, determinam a consciência e sua relação com o ser social.
Temos nos herdeiros de 1922
(PCB-PPS-Cidadania), uma missão: temos de colaborar para extirpar pela raiz as
bases sociais, econômicas, culturais e ideológicas que levam parcelas do povo
brasileiro em crerem em “mitos”, sejam eles quais forem – tragédias essas que
vitaminam o nazi-fascismo tupiniquim.
E o lulopetismo também não é solução
para os gigantes desafios histórico-estruturais que devem ser enfrentados e
superados pela democracia brasileira – o lulopetismo é o atraso inverso do
bolsonarismo.
O Brasil precisa de forças democráticas
que operem democraticamente transformações estrutural-democráticas dentro da
democracia e da República a favor da maioria do nosso povo brasileiro.
Seu texto revela detalhes da
solidariedade militante concreta de sua vida pessoal e com o seu
internacionalismo impregnado/gestado desde criança por seu pai (Ivan Alves) –
não apenas do autor, que se mantém honesta e dignamente na sua posição
histórica diante das cruciais curvaturas da vida nacional – mas do nosso maior
arquiteto a todos os que se dispuseram a revolucionar democraticamente o Brasil
e o mundo; suas linhas escritas expressam a convivência humanista de vida e
ideais revolucionários não só entre dois fraternos amigos, mas,
complementarmente, entre dois responsáveis camaradas cúmplices de sonhos,
lutas, inteligências, articulações, convicções e esperanças empenhadas na
construção de um Brasil e de um mundo melhor.
Ivan Alves Filho rememora personagens
históricos que projetaram e construíram o concreto
teórico-ideológico-político-organizacional material-concreto do PCB e outras
forças democráticas que deram corajosa substância humana à conquista da
democracia, sepultando assim as trevas inauguradas em 1964, e relembra mesmo
personagens – que se tornaram seus amigos – que são caros à conquista da
independência da Argélia frente à França, por exemplo.
Ivan Alves Filho, em seu livro, faz uma
referência justa e honesta para o imprescindível Francisco Inácio Almeida,
secretário de Luís Carlos Prestes em Moscou, na então União Soviética, e um dos
mais destacados e competentes dirigentes do PCB-PPS-Cidadania.
Ele diz: “Talvez, em toda a minha vida,
eu só tenha convivido com uma outra pessoa com as mesma generosidade de Oscar,
o meu querido amigo Francisco Inácio de Almeida, figura fundamental na história
das lutas sociais do Brasil, cearense de Baturité”.
Francisco Inácio Almeida é um ser
humano solidário que eleva o espírito humano a torna-se universalmente
humano-solidário.
O autor revela também seu aprendizado
político-humanista recebido pelo artista-humanista de Brasília e da arquitetura
do humanismo universal (parece Ivan colocar-se sempre humildemente como um
jovem permanente aprendiz diante de um generoso sábio Oscar Niemeyer).
Nas suas linhas descreve os momentos
que lhe marcaram pessoalmente – momentos material-políticos difíceis que o
autor vivenciou no Brasil e no exílio durante os anos do regime ditatorial
vindo às trevas em 1964 até momentos de sofisticação intelectual proporcionado
não só pelo amigo, mas pelas suas andanças políticas, culturais e acadêmicas
pelos países que conheceu, pelas universidades que cursou, pelos livros que
leu, pelos livros que escreveu, pelos acontecimentos que assistiu e com as
pessoas das mais diversas matrizes teórico-ideológicas com que conviveu e
apreendeu, professou e moldaram sua consciência generosamente humana.
Muitos já escreveram sobre Oscar
Niemeyer, um Singular magistralmente Universal, devido sua Particularidade criativa.
Esta obra de Ivan Alves Filho não navega nas frias, matematizadas e inanimadas
curvas arquitetônicas do concreto projetadas e construídas no Brasil e mundo
afora, com o suor de operários, que sempre mereceram seu carinho, amor, e
solidariedade militante.
O que encontraremos nesta obra são
curvas, linhas, projeções, ângulos, significados imaginário-humanos que Niemeyer
objetivou, concretizou, materializou em sua universal subjetividade impregnada
da modernidade suave e da beleza da inteligência humanista que ele sempre
portou.
As curvas literárias trabalhadas por
Ivan Alves Filho são as curvas humano-históricas da vida humana em sua
multifacetada beleza e crueldade em momentos difíceis pelos seres humanos que
lutaram pela humanidade\ – a contradição da vida, sempre presente até mesmo
numa curva, que é a negação da reta!
Marx diz que o gênero humano, agindo
sobre a natureza exterior à sua consciência natural-humana e modificando-a
materialmente, muda sua própria natureza humana, isto é, ele muda sua natureza
física e intelectual e, com isso, seu próprio mundo social.
A consciência humana, aprendi isso, não
age apenas sobre a natureza inorgânica e orgânica – uma necessidade histórica
inegociável à preservação da vida humana, há que produzir comida e as condições
mínimas para a existência humana -, mas age também sobre a sua própria natureza
sócio intelectual, age sobre si mesma, num processo doloroso de luta pela
sobrevivência material-intelectual da vida concreta, na luta pelo conhecimento
humano-universal contra a ignorância múltipla (repleta de ignorância
místico-religiosa) e sedenta de sabedoria científica-libertadora das trevas,
que deve enfrentar o ser social material e realmente existente, esta galáxia de
pensamentos nada inocentes, pois revelam o grau desigual atingido de
consciência social pela humanidade.
Recomendo a leitura de De Oscar a Niemeyer: meu
convívio com o maior arquiteto contemporâneo, de Ivan
Alves Filho.
É um belíssimo trabalho que deve ser
lido e nutrir as novas gerações que a vida democrática e pluralista vale a
pena, que a solidariedade humana vale a pena, que a inteligência
científico-criativa vale a pena, que lutar pela transformação do mundo para sair
do reino da ignorância e do reino da necessidade para o reino da liberdade vale
a pena.
E por fim, para não me alongar e tomar
mais o tempo do leitor, a obra de Ivan mostra que a amizade verdadeira, leal,
sincera, honesta e real deve ser sempre vivida, lembrada, valorizada e
eternizada.
É uma práxis (esta atividade humana
intelectual-material) perante a realidade do ser social que cerca o gênero
humano e o determina e o leva, sob determinadas circunstâncias, a transformar
objetivamente este mundo num mundo que faça a humanidade feliz.
Fica o meu modesto registro de
congratulações não só ao autor como também ao eterno camarada Oscar Niemeyer.
*Eduardo Rocha é economista pela
Universidade Mackenzie, pós-graduado com especialização em Economia do Trabalho
e Sindicalismo pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi Economista
do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(DIEESE), articulista da Voz da Unidade, órgão oficial de imprensa do PCB, e
secretário de Salomão Malina, último secretário-geral do Comitê Central do
Partido Comunista Brasileiro (PCB), e dirigente Nacional do Partido Popular
Socialista (PPS), sucessor do PCB2023
Referências Bibliográficas
Alves Filho, Ivan. De Oscar a
Niemeyer: meu convívio com o maior arquiteto contemporâneo / Ivan Alves
Filho, — 1º ed. – Tiradentes, Minas Gerais, Brasil: Aquarius, 2023. 86 p.
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